GERAL

A arte da superação

A professora doutora Carolina Silva Sousa é Coordenadora na Universidade do Algarve, Portugal, desempenhando as funções de vice-presidente da Comissão Académica e Diretora Científica do Programa de Doutora
Por Grazieli Gotardo / Publicado em 18 de março de 2009

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Foto: Arquivo pessoal/divulgação

Foto: Arquivo pessoal/divulgação

Extra Classe – O que é resiliência na Educação?
Carolina Silva Sousa
– É a possibilidade de desenvolver capacidades necessárias para se sobrepor às adversidades cotidianas, superando-as e transformando-se, com diferentes níveis de construção, de uma vida pessoal e profissional significativa, saudável e construtiva.

Podemos pensá-la como uma noção que pretende consubstanciar conceitualmente uma especificidade estrutural do desenvolvimento humano, que se traduz na capacidade que denotam certas pessoas, grupos ou comunidades para fazer face ou mesmo ultrapassar os efeitos desestruturantes que seriam muito prováveis em consequência da exposição a certas experiências.

EC – Uma pessoa pode desenvolver essa capacidade?
Carolina
– A personalidade do ser humano pode já conter as ferramentas para isso. A investigação aponta para que a resiliência é o resultado de características particulares associadas ao comportamento sociável, temperamento, caráter e inteligência. De fato, um crescente número de estudos internacionais, transculturais e de carácter longitudinal têm vindo a validar pesquisas anteriores que postulam que todo o ser humano nasce com uma capacidade inata para isso, através da qual pode desenvolver a sua capacidade de adaptação. É esta capacidade que lhe possibilita, mesmo em presença de graves problemas familiares, em nível comunitário, ou outro, ser capaz de superar as desvantagens e transformar uma trajetória de risco em resiliência, apresentando-se como um adulto competente, confiante e atencioso.

A resiliência contém, assim, um componente diferencial, que explica a razão porque certos indivíduos, em circunstâncias aparentemente idênticas, lidam com a adversidade de um modo mais adequado do que outros. Será, também, suscetível de evolução, podendo por isso ser ativada mediante certas intervenções apropriadas, nomeadamente em contextos educativos.

EC – Como deve ser uma escola que eduque neste sentido?
Carolina
– Deve ser uma escola em que toda a comunidade educativa – professores, pais e auxiliares – deve empenhar-se em aumentar e promover nos seus alunos laços pró-sociais, definindo limites claros e consistentes, proporcionando apoio e atenção afetivo-relacional, ensinando habilidades de vida, manifestando e estabelecendo altas expectativas, proporcionando apoio adequado e oportunidades para que estes possam ter uma participação efetiva na vida escolar, sentindo-a como sua. Uma escola que pretenda educar para a resiliência deverá, ainda, estabelecer redes com os pais e membros da família dos alunos, visando a construção de um sentido de comunidade dentro da escola. De realçar que a combinação das altas expectativas e o apoio adequado proporcionará aos alunos uma melhor autoeficácia, autoestima e otimismo. E nunca como hoje foi tão importante que a Comunidade Escolar seja capaz de promover esforços significativos no sentido de favorecer e aumentar a proteção aos seus alunos, tendo em vista ajudá-los a resistir às vicissitudes múltiplas que podem encontrar diariamente.

EC – Por que é importante para a atividade de professor desenvolver essa habilidade?
Carolina
– Todos temos consciência das dificuldades atuais inerentes ao ato educativo, particularmente, quando as áreas de formação são caracterizadas por uma pluridimensionalidade antropológica, cultural, ética e axiológica, que tornam o processo de elaboração de um corpo teórico específico e a sua partilha como uma estratégia simultaneamente complexa e sedutora, mas difícil de levar a cabo. Na verdade, sem negligenciar a importância do contributo que os referenciais conceituais, metodológicos e estratégicos e os valores que os sustentam poderão fornecer ao professor, importa, sobretudo, que este seja capacitado para reconstruir ao longo da sua trajetória pessoal e profissional uma capacidade potencial para um desempenho adequado e para estar preparado para intervir no sentido da inovação e da transformação, nos seus diversos contextos. Daí a necessidade do professor desenvolver esta capacidade.

EC – Quais as principais dificuldades encontradas pelo professores portugueses e/ou europeus no dia-a-dia da docência?
Carolina
– De fato, todos conhecemos histórias de resiliência com relatos de trajetórias de vida de alguns adolescentes que venceram. Mas o que dizer daqueles adolescentes em que surgem casos de suicídio e depressões, consumo de drogas e outras substâncias ilícitas, anorexias, e/ou bulimias, alienação, delinquência e outros comportamentos inadaptativos/disruptivos? Afinal, que constrangimentos ocorreram na trajetória de desenvolvimento destes jovens adolescentes? E o que pode um professor fazer para interagir e apoiar estes adolescentes? Mas o professor também se confronta com envolvimentos físicos pobres e desorganizados, falta de serviços de apoio, adolescentes em risco, problemas comportamentais, emocionais, violência e maus tratos, insucesso acadêmico, abuso de substâncias, entre outros. De fato, muitas situações profissionais com que o professor se confronta são de uma dificuldade muito elevada.

EC – Existe alguma idade em que a criança esteja mais predisposta a uma a educação para a resiliência? Como os professores podem proceder para ajudar?
Carolina
– É a família o primeiro contexto ambiental que o ser humano conhece e com o qual interage, pelo que os recentes trabalhos das Neurociências parecem concluir que, de todos os anos de vida, os três primeiros são os mais importantes, sendo que o primeiro parece deter um papel verdadeiramente essencial e decisivo. Outros estudos têm enfatizado o papel central das relações afetivas no desenvolvimento humano. Estas são apontadas como o contexto no qual a maior parte da socialização ocorre, permitindo a aquisição de aptidões comunicacionais, a regulação das emoções e a construção do autoconceito e sentido de eficácia pessoal. Estas relações funcionam, ainda, como recursos que possibilitam o funcionamento autônomo da criança em contextos mais amplos, além de servirem de importante modelo para a construção de relações afetivas futuras. Todavia, é inquestionável a necessidade urgente do professor ser capacitado para implementar programas de prevenção que promovam a resiliência no seu aluno, o mais precocemente possível, pois quanto mais precoce for esta intervenção mais se poderá reduzir o impacto negativo dos fatores de risco que operam posteriormente na idade escolar e na vida das crianças e jovens.

EC – Qual a colaboração da Psicologia Positiva para o seu estudo?
Carolina
– O estudo da resiliência – no contexto da Psicologia Positiva – ganhou corpo essencialmente com os trabalhos de Martin Seligman. Concomitantemente, a investigação sobre os mecanismos e processos que conduzem a resultados resilientes tem sido conduzida no âmbito da chamada psicopatologia do desenvolvimento. O foco é colocado na diversidade das trajetórias de desenvolvimento e nos resultados que o ser humano apresenta.

EC – Qual o significado de “foco no indivíduo e na família”?
Carolina
– Contribuiu para que se levassem a cabo investigações em torno do estudo das emoções, como o bem-estar, a alegria, a esperança, a satisfação, a felicidade, a gratidão, o amor. A incursão científica desta linha da Psicologia Positiva leva ao que alguns psicólogos como Fredrickson, Tugale, Waugh & Larkin se dediquem a explorar as forças humanas e as fontes de felicidade, trazendo estas investigações consigo a promessa de um funcionamento individual e coletivo mais adequado e a prossecução de uma melhor qualidade de vida.

EC – Quais as principais semelhanças e diferenças entre o perfil de problemas enfrentados pelos docentes brasileiros e portugueses?
Carolina
– Em minha opinião, tanto os professores brasileiros como portugueses se confrontam com a mudança de paradigma em Educação. Esta mudança implica uma escola que se constrói com e para a diversidade, que com ela tem que viver, que tem que a assumir, valorizar e preservar.

De fato, na atual sociedade do conhecimento e da informação, coloca-se um novo desafio, em que o que se valoriza não é a quantidade de informação, mas a sua qualidade e a capacidade de aprender a aprender, aprender a pensar criticamente, que se consubstancia na valorização da competência educativa como a mais valiosa ferramenta de trabalho, pois permite a flexibilização e mobilização de saberes para fazer face a esta nova sociedade.

A realidade que hoje se vive exige o perfil de um professor – quer seja brasileiro ou português – gestor do conhecimento e da informação. Assim os profissionais docentes da pós-modernidade, seja qual for o seu país de origem, devem adequar a sua relação educativa ao seu aluno real.

EC – Como os países europeus têm lidado com a questão econômica dos professores?
Carolina
– Em Portugal, assim como nos demais países da Europa (aliás o fenômeno é mundial), a crise econômica atravessa todas as páginas dos jornais. Os professores perderam o poder de compra, como muitos outros setores profissionais.

EC – A senhora acha que hoje em dia ainda se pode dizer que o professor é um modelo de identidade para seus alunos?
Carolina
– Essa imagem está a ser posta em causa pela sociedade em não querer compreender quão importante pode ser a função e o papel de um professor na vida de uma criança ou adolescente. Todavia, e independentemente desta posição pontual da sociedade, apercebemo-nos do empenho do docente – seja brasileiro ou português – em conhecer a realidade dos seus alunos, a sua linguagem, os seus valores e os seus projetos de vida, de forma a integrar conceitos e fatos do cotidiano na estruturação dos conteúdos e nas propostas de trabalho que apresenta em sala de aula.

Muitas vezes, em contexto de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, constata-se o esforço que os professores desenvolvem no sentido do aluno ser ator e construtor da sua aprendizagem e do seu desenvolvimento, enquanto pessoas, com caráter, personalidade, opinião própria e, principalmente, responsabilidade pelas suas ações.

Por outro lado, há de considerar que os docentes são, muitas vezes, as únicas pessoas com possibilidade de mostrar às crianças e adolescentes um modelo de ser humano distinto daqueles que encontram fora da escola.

EC – Como fazer para diferenciar vida pessoal da profissional?
Carolina
– A tarefa educativa caracteriza-se por imprevisibilidade, complexidade, gestão de situações de caráter multifacetado e assente em realidades dinâmicas, sendo por isso exigível que os docentes intervenham como seres humanos, dotados de competência, maturidade e resiliência, com capacidade de tomar decisões e operacionalizá-las, em circunstâncias, muitas vezes, adversas, e que do nosso ponto de vista, é muito difícil separar a vida pessoal da vida profissional. Até porque os professores com mais condições de serem bem sucedidos são aqueles que constroem e reconstroem uma vida saudável, impregnada de relações interpessoais elevadamente positivas.

EC – Como o professor pode equilibrar todos os aspectos de sua vida?
Carolina
– A vida é sempre uma construção social e individual, constrói-se com os outros e com o que nos rodeia, mas nunca abandonando a singularidade.

Parafraseando Boff, a humanidade atravessa uma crise pela falta de cuidado, pelo que urge colocar no contexto educativo a terminologia do cuidar, sobretudo do cuidar do outro, do cuidar numa perspectiva holística, que deve ter uma expressão humana representada pela atenção, pelo incentivo, pela solidariedade, pela cooperação com os outros e com os diversos contextos, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia, da autoestima, da autoeficácia, da flexibilidade, afinal da resiliência.

Acreditamos que a concepção da vida como uma obra de arte, no caso da profissão docente, passa por ajudar a construir as diversas obras de arte, que são todos e cada um dos alunos. Nesta linha de pensamento, acreditamos que só podemos contribuir para a construção dos outros se nos construirmos a nós próprios. Até porque os professores apresentam-se como cuidadores no âmbito da componente de ajuda que caracteriza a intervenção educativa, não podendo ser deixado ao acaso a questão do cuidado de si como premissa para o cuidado dos outros. O assunto em questão parece-nos fundamental na problematização da construção da pessoa e do profissional docente.

EC – As universidades da Europa, de um modo geral, estão preparando de forma adequada os futuros professores para lidar com as adversidades da profissão e da vida?
Carolina
– Não tenho a certeza disso, pois sente-se, através da comunicação social, quando ocorrem situações de extrema gravidade, que a comunidade educativa estrangeira se mostra altamente surpresa com os acontecimentos vivenciados.

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