JUSTIÇA

Aécio Neves vira réu por corrupção e obstrução à Lava Jato

Decisão do STF foi ratificada pela Justiça Federal de São Paulo, que denunciou o ex-senador pelo recebimento de propina da JBS
Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de julho de 2019
“Tem que ser um que a gente mata antes de fazer a delação”, diz Aécio no grampo da PF, ao cogitar sobre quem seria enviado para receber os R$ 2 milhões de propina da JBS

Foto: Lula Marques

“Tem que ser um que a gente mata antes de fazer a delação”, diz Aécio no grampo da PF, ao cogitar sobre quem seria enviado para receber os R$ 2 milhões de propina da JBS

Foto: Lula Marques

A Justiça Federal de São Paulo ratificou nesta sexta-feira, 5 de julho, a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) réu pelos crimes de corrupção passiva e obstrução à Lava Jato. O ex-senador tornou-se réu da operação após pedir propina de R$ 2 milhões a Joesley Batista, executivo da JBS. Em conversa grampeada pela Polícia Federal, Aécio afirma a Batista que a pessoa designada para buscar o dinheiro “teria que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação”. O empresário sustenta que repassou a propina ao deputado e à irmã dele, em 2017, em quatro parcelas. O advogado do ex-senador, Alberto Zacharias Toron, argumenta que não há fato novo no processo e que provará nos autos que Aécio teria sido vítima de ação criminosa.

Em abril de 2018, o STF decidiu por 4 votos a 1 aceitar a denúncia feita pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, ao STF contra o deputado Aécio Neves, que com isso tornou-se réu por corrupção passiva e tentativa de obstrução judicial das investigações da Lava Jato. O deputado foi denunciado por articulações para “embaraçar” e “constranger” as investigações tentando aprovar projetos de anistia ao caixa dois e de abuso de autoridade no Congresso e de direcionar delegados para assumir inquéritos específicos, segundo os desembargadores, “com a finalidade de beneficiá-lo”.

BLOQUEIO – Em maio, o juiz federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, determinou o bloqueio de ativos financeiros do ex-senador Aécio Neves até o limite de R$ 128 milhões correspondente à suposta vantagem ilícita obtida em decorrência de associação criminosa voltada à corrupção da função pública. Também atendeu ao pedido do MPF para bloquear cerca de R$ 226 milhões em ativos financeiros de 15 pessoas físicas e cinco empresas investigadas. De acordo com a representação do MPF, Neves, “no exercício do mandato de senador e em razão do referido cargo, teria solicitado a Joesley Batista, bem como ao Grupo J&F, no período entre 2014 e 2017, vantagens indevidas em quatro oportunidades, sob a promessa de favorecimento em eventual governo presidencial”. Além disso, a promessa sobre vantagens indevidas envolveria influência junto ao governo de Minas Gerais para viabilizar a restituição de créditos fiscais de ICMS em favor de empresas do Grupo J&F. À época, Aécio teria recebido R$ 128 milhões, sendo parte nas eleições de 2014 e parte na compra de um prédio ligado ao Jornal Hoje em Dia, em 2015 e 2016, além de prestações pagas por meio da pessoa jurídica Rádio Arco Íris, que pertenceria à irmã e à mãe de Aécio Neves.

A representação do MPF aponta indícios de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e de associação criminosa que constam de documentos apresentados por executivos do Grupo J&F, diálogos entre pessoas e relatórios anexados pela autoridade investigadora, além de elementos de informação resultantes da Operação Patmos e de relatórios do COAF.

Lista de crimes

O MPF listou cinco crimes cometidos pelo então senador. Ele teria pedido a Batista R$ 100 milhões para a campanha presidencial; em contrapartida, promete influenciar em um futuro governo, caso ganhe as eleições, com a concessão de facilidades.

O segundo “fato cirminoso” envolve a aquisição de um imóvel. Aécio “compra”, da Ediminas, em uma operação superfaturada e intermediada pelo empresário, o prédio do Jornal Hoje em Dia, em Belo Horizonte, para a quitar despesas da campanha de 2014. O valor de propina a ser “esquentado” com a aquisição superfaturada, pedido por Aécio, é de R$ 18 milhões, mas ele acaba recendo R$ 17.354.824,15. Joesley Batista revelou em seu depoimento ao MPF que a J&F Investimentos pagou R$ 17 milhões pelo “predinho”, valor que ele próprio considerou superfaturado.  Na delação, Joesley declarou não saber como o dinheiro chegou às mãos do senador afastado e disse que pediu ao dono da Ediminas, proprietária do prédio à época da negociação, Flávio Jacques Carneiro, que solicitasse a Aécio, “pelo amor de Deus”, que ele parasse de lhe pedir dinheiro. O valor foi repassado em parcelas. A primeira, de R$ 4 milhões, foi paga em 28 de setembro de 2015. A segunda, no mesmo valor, em 28 de outubro e a terceira, de R$ 1 milhão, foi quitada em 30 de novembro. Outros nove pagamentos de R$ 1 milhão cada, foram quitados em fevereiro de 2016. Para justificar a diferença entre os R$ 18 milhões e o valor repassado ao ex-senador, R$ 17.354.824,75, o recibo de quitação registra que foi aplicada “taxa de desconto financeiro acordada entre as partes”.

Aécio recebe ainda pagamentos mensais de R$ 50 mil, entre 2015 e 2017, através da Rádio Arco Íris, para custeio de despesas pessoais.

O quinto fato criminoso: o congressista solicita o pagamento de despesas com advogado, no valor de R$ 5 milhões. “Os indícios apresentados pela autoridade policial vinculam os investigados a possíveis acertos escusos, envolvendo vantagens indevidas em razão de cargos públicos, assim como movimentação financeira suspeita indicativa de eventual delito de lavagem de dinheiro […]. Encontra-se, portanto, demonstrado o fumus boni juris (fumaça do bom direito) para a decretação da medida de sequestro ora requerida”, afirma o juiz João Batista Gonçalves.

Além disso, para justificar o bloqueio, Gonçalves ressalta que há nos autos provas sobre crimes de lavagem de dinheiro em curso desde as primeiras tratativas para recebimento da propina.

Em março, o STF já havia bloqueado R$ 1,7 milhão em bens do deputado. O caso estava sob investigação no STF e foi transferido para São Paulo.

Comentários