JUSTIÇA

Novas mensagens agravam acusações de parcialidade de Moro

Material inédito publicado pela Veja/The Intercept Brasil revela que o ministro cometeu irregularidades enquanto atuava como juiz da Lava Jato
Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de julho de 2019
Ao sair de um encontro com o ministro do STF, Edson Fachin, o procurador Dallagnol, aquele do power point, digita, exultante, como se fosse um líder de torcida: “Aha uhu o Fachin é nosso”

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Ao sair de um encontro com o ministro do STF, Edson Fachin, o procurador Dallagnol, aquele do power point, digita, exultante, como se fosse um líder de torcida: “Aha uhu o Fachin é nosso”

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Um conjunto inédito de mensagens trocadas de maneira privada entre o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, assim como conversas entre procuradores da operação, demonstram que a conduta parcial de Moro não era eventual. O material foi publicado em reportagem de capa da Revista Veja desta sexta-feira, 5, em parceria com o site The Intercept Brasil.

“O então juiz e hoje ministro Sergio Moro atuou repetidamente de forma imprópria e antiética em sua conduta como juiz”, afirma o portal editado pelo jornalista Gleen Greenwald. Desde 9 de junto, o site The Intercept Brasil vem publicando a série de reportagens #VazaJato, que consiste na revelação de mensagens do chat Telegram utilizado em conversas privadas entre os procuradores do Ministério Público Federal e Moro, no âmbito da Lava Jato, e obtido com exclusividade por Greenwald. O jornalista vem sendo alvo de ameaças e de uma investigação da Polícia Federal, o que motivou uma ação contra Moro junto à Procuradoria Geral da República por crimes contra a Constituição e a liberdade de imprensa.

Conteúdo dos diálogos que mostram as interferências do juiz da Lava Jato seriam suficientes para anular todos os processos julgados por Moro

Foto: Lula Marques

Conteúdo dos diálogos que mostram as interferências do juiz da Lava Jato seriam suficientes para anular todos os processos julgados por Moro

Foto: Lula Marques

HERÓI CAÍDO – Os editores da Veja explicam que, após analisarem o arquivo por semanas em conjunto com os jornalistas do Intercept, constataram que a narrativa de Moro como herói nacional ou como juiz imparcial já não se sustenta mais: “fica evidente que as ordens do então juiz eram cumpridas à risca pelo Ministério Público e que ele se comportava como parte da equipe de investigação, uma espécie de técnico do time – não como um magistrado imparcial”.

Além de detalhar o processo jornalístico adotado para autenticar o material, a publicação admite, no editorial, que no passado tratou Moro como um herói nacional várias vezes em suas capas, mas agora reconhece que “a conduta do juiz era problemática e que a condução dos processos da Lava Jato não se deu de acordo com a lei”. Também “refuta a estratégia cínica que vem sendo empregada por Moro, Dallagnol e os demais procuradores da Lava Jato de insinuar que o material publicado pode ser editado ou falso, sem nunca apontar exatamente onde estariam as adulterações”, explica o site.

“Não seria um escândalo se um magistrado atuasse nas sombras alertando um advogado que uma prova importante para a defesa de seu cliente havia ficado de fora dos autos?”, pergunta a reportagem, para em seguida responder: “Pois isso aconteceu na Lava-Jato, só que a favor da acusação”. E conclui que o conteúdo dos diálogos é suficiente para a suspeição de Sergio Moro e a anulação de todos os seus atos no processo.

Em mensagem do dia 28 de abril de 2016, Moro orienta a procuradores a inclusão de provas na peça da acusação

Imagem: Reprodução

Em mensagem do dia 28 de abril de 2016, Moro orienta a procuradores a inclusão de provas na peça da acusação

Imagem: Reprodução

De acordo com as novas mensagens, o então juiz pede à acusação que inclua provas nos processos que mais tarde seriam julgados por ele e também ordena que os procuradores acelerem ou retardem operações. Moro também pressionou para que determinadas delações não andassem. Em uma mensagem, o juiz deixa clara a Dallagnol a sua preocupação com uma eventual delação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O então presidente da Câmara foi afastado depois de virar alvo da Lava Jato. Foi denunciado pela PGR por receber propinas em contas na Suíça. Em junho de 2017, Ronaldo Queiroz, procurador da força-tarefa na PGR, criou um grupo no Telegram com Dallagnol para alertar que fora procurado para negociar a delação premiada de Cunha. Queiroz argumenta que as revelações seriam de interesse dos procuradores de Curitiba, Rio de Janeiro e Natal, cidades onde corriam ações relacionadas a Cunha. Depois de quase um mês, os procuradores teriam concordado em marcar uma reunião com o advogado Délio Lins e Silva. Moro entra na conversa e questiona Dallagnol sobre a suposta delação de Cunha. “Espero que não procedam”, diz. Dallagnol responde que se tratam só de rumores e se oferece para manter o juiz informado.

Em troca de mensagens do dia 28 de abril de 2016 Moro orienta procuradores a tornar mais robusta uma peça da acusação. Dallagnol avisa a procuradora Laura Tessler que Moro alertara sobre a falta de informação na denúncia de um réu, Zwi Skornicki, representante da Keppel Fels, estaleiro que tinha contratos com a Petrobras para a construção de plataformas de petróleo e um dos principais operadores de propina no esquema de corrupção da Petrobras.

Num dos exemplos de desvio na Lava Jato, Moro e Dallagnol mostram intimidade na troca de informações, comportamento classificado como sinal do “nível elevado (e indesejável) da promiscuidade entre os dois. E que pode levar à suspeição de Moro. No episódio, Dallagnol não vê problemas em enviar ao juiz exemplos de decisões de outros magistrados para quando ele “precisar prender alguém” ao responder sobre o pedido de revogação da prisão preventiva do amigo de Lula, José Carlos Bumlai, em dezembro de 2015. Também chama atenção o momento em que Dalla­gnol dá dicas ao “chefe” sobre argumentos para garantir uma prisão. Em 17 de dezembro de 2015, Moro informa que precisa de manifestação do MPF no pedido de revogação da prisão preventiva de José Carlos Bumlai, pecuarista e amigo de Lula. “Ate amanhã meio dia”, escreve. Dalla­gnol garante que a ação será feita e acrescenta: “Seguem algumas decisões boas para mencionar quando precisar prender alguém…”.

A revista repara que “as conversas entre membros do Ministério Público Federal assumem várias vezes o tom de arquibancada, com os membros da força-tarefa vibrando e torcendo a cada lance da batalha contra os inimigos”. Em 13 de julho de 2015, Dallagnol sai exultante de um encontro com o ministro Edson Fachin e comenta com os colegas de MPF: “Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso”.

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