JUSTIÇA

Orçamento Secreto: Operação Quebra Ossos da PF prende mais dois envolvidos em desvio de verbas

Irmãos fraudavam dados de procedimentos de saúde em municípios do Maranhão para desviar recursos. No município de Igarapé Grande, que tem 11,5 mil habitantes, foram cobradas 12,7 mil radiografias em 2020
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 14 de outubro de 2022

Foto: Polícia Federal/ Divulgação

Operação Quebra Ossos: agentes da PF cumprem mandados em Igarapé Grande, no Maranhão, onde em apenas um golpe foram desviados quase R$ 5 milhões do SUS

Foto: Polícia Federal/ Divulgação

Grupo suspeito de inserir dados falsos em sistemas do Sistema Único de Saúde (SUS) para receber repasses de emendas parlamentares do Orçamento Secreto no Maranhão foi alvo na manhã dessa sexta-feira, 14, de operação da Polícia Federal (PF). Duas pessoas foram presas no município de Igarapé Grande: os irmãos Roberto e Renato Rodrigues de Lima.

Batizada Quebra Ossos, essa é a quarta operação neste ano da PF com foco em recursos do Orçamento Secreto, tecnicamente chamado de Emendas do Relator. As buscas foram realizadas em cinco cidades do interior maranhense e no Piauí.

Trata-se da terceira leva de detenções temporárias no âmbito das investigações do escândalo do Orçamento Secreto. Em julho, na Operação Odoacro, a PF prendeu Eduardo José Barros, sócio de uma construtora que prestava serviços para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), no Maranhão. No mês de agosto, na Operação Beco da Pecúnia, também foi detido o prefeito de Rio Largo, Alagoas, Gilberto Gonçalves (PP).

Colega de partido e um dos mais ferrenhos aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), Gonçalves já estava afastado do cargo por suspeitas de desvio de verbas do Orçamento Secreto encaminhadas para o Fundo de Saúde de seu município.

Lira é um dos maiores defensores do Orçamento Secreto, instrumento orçamentário que ganhou força com a parceria que fez com o presidente Jair Bolsonaro (PL/RJ) em troca de apoio parlamentar.

Quem são os irmãos Lima

De acordo com a Revista Piauí, nas planilhas oficiais do Congresso, Roberto Rodrigues de Lima aparece como solicitante de 69 milhões de reais em emendas de relator-geral do orçamento para municípios do Maranhão, só neste ano.

Lima não tem mandato nem vínculo com prefeituras. É um dos “usuários externos” que passaram a assumir solicitações de emendas do Orçamento Secreto depois que o Congresso passou a descumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou ampla publicidade às indicações.

“Deputados e senadores que não querem aparecer se escondem por trás de “usuários externos”, que funcionam como laranjas. Ou seja: a solicitação é feita por esse usuário, mas o nome do parlamentar continua em segredo”, resume.

A investigação sobre os irmãos Lima parte da suspeita de que eles atuaram para fraudar o SUS e aumentar os valores que os municípios podem receber.

Os dois controlam a empresa RR de Lima, que tem contratos com prefeituras de municípios maranhenses nos quais foram inseridos dados superestimados de atendimentos, de acordo com a PF.

Só para o município de Igarapé Grande, Roberto Lima solicitou no Sistema de Indicações Orçamentárias (Sindorc), do Congresso, e teve a aprovação do relator-geral do orçamento, Hugo Leal (PSD-RJ), repasse de R$ 9,2 milhões na área da saúde. Desse valor, apenas R$ 4,4 milhões foram para os cofres do município. O resto teria sido embolsado pelos fraudadores.

Operação Quebra Ossos

O nome da mais recente operação, Quebra Ossos, é uma ironia. Segundo a PF, há indícios de fraudes em contratos de Igarapé Grande para desvio de dinheiro público em radiografias.

Com 11,5 mil habitantes, o município que fica cerca de 300 quilômetros da capital, São Luís, teria realizado 12,7 mil radiografias de dedos em 2020. O fenômeno resultou na ampliação do teto para recebimento de mais recursos em 2021.

O escândalo levou ao afastamento a secretaria de Saúde da cidade, Raquel Inácia Evangelista. A ação, conforme a PF, foi decretada pela “posição que a servidora ocupava durante o período da inserção dos dados falsos nos sistemas do SUS e da formalização de parte dos contratos investigados”.

Os irmão Lima foram detidos por terem inserido os dados falsos nos sistemas do SUS. Para a PF, eles são suspeitos de terem “efetuado as práticas ilegais investigadas” em diferentes municípios maranhenses desde 2018.

Empresas

Também estão sob a mira da PF empresas que “ocupam posições de destaque no ranking das que mais receberam recursos públicos da saúde entre 2019 e 2022 no Maranhão”. Uma delas recebeu quase R$ 52 milhões, segundo a corporação.

Empresas e empresários sob suspeita estão proibidos de participar de licitações e de fazer contratos com órgãos públicos. As ordens partiram da Justiça Federal de Bacabal (MA), que ainda determinou o bloqueio de mais de R$ 50 milhões dos investigados.

Além das prisões, os agentes da PF estão coletando documentos em 16 endereços no Maranhão (Igarapé Grande, Lago do Junco, Lago dos Rodrigues, Caxias e Timon). Diligências ainda estão ocorrendo em Parnaíba e Teresina, no Piauí.

Maior esquema de corrupção do planeta

A polêmica sobre a utilização do chamado Orçamento Secreto tem dominado as discussões políticas. Ela ganhou mais força quando viralizou no último dia 6 um vídeo da senadora Simone Tebet (MDB-MS), candidata derrotada à Presidência da República.

Foi um trecho da entrevista da parlamentar ao podcast Flow. Simone afirmou que não existe transparência no instrumento que se criou na parceria estabelecida entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente da República, Jair Bolsonaro.

“Podemos estar diante do maior esquema de corrupção do planeta Terra”, destacou a senadora.

Durante esse ano, ainda foi descoberto que as Emendas de Relator foram usadas para compras superfaturadas de ônibus escolares, tratores e caminhões de lixo.

Concretamente, o Orçamento Secreto repassou a gestão de recursos do orçamento federal para deputados e senadores, em especial da base de apoio do governo Bolsonaro.

Assim, ao invés dos ministérios definirem com base em critérios técnicos onde aplicar os recursos públicos, políticos simpáticos ao governo passaram a tomar decisões sem transparência, impactando em seus projetos políticos ou pessoais.

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