AMBIENTE

A água maltratada

Por José Weis / Publicado em 21 de março de 2007

agua

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), avaliada no boletim Carta de Conjuntura de dezembro último, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), constatou-se que o Rio Grande do Sul tem péssimos índices de tratamento de esgotos. Os dados do IBGE são preocupantes; há uma defasagem de saneamento básico. Comparativamente, o Rio Grande do Sul aparece em último lugar dentre os Estados das regiões Sudeste e Sul. O esgoto com tratamento atinge um coeficiente 73% menor do que o nacional. Em relação ao volume coletado, o Estado ocupa o penúltimo lugar, com o índice 56% menor do que o do País. Considerando que o índice nacional não é nem um pouco animador, o percentual do esgoto coletado que recebe um mínimo tratamento atinge apenas 35,3% do total em todo o Brasil, revela a pesquisa. Fatos comprovam o desleixo no Rio dos Sinos, uma inacreditável mortandade de quase 85 toneladas de peixe no final do ano passado. Causa maior é a poluição industrial somada ao esgoto doméstico lançados diretamente no leito do rio. O fato mobilizou as governanças locais ainda em janeiro. Treze das 32 prefeituras dos municípios pertencentes à bacia do Sinos já assinaram um consórcio que irá desenvolver projetos na área de saneamento e tratamento de esgotos. Por tudo isso, há quem se preocupe com o presente e o futuro deste elemento natural. Não por acaso, 22 de março é consagrado ao Dia Mundial da Água. A questão da água, tanto para abastecimento como o tratamento dos resíduos que a poluem, cada vez mais preocupam entidades, técnicos, políticos e ambientalistas. Existem alternativas viáveis econômica e ecologicamente já postas em prática em comunidades como a do Assentamento do MST, em Viamão.

Não existe política pública de saneamento no Rio Grande do Sul”, é o que constata Naia Oliveira, do Centro de Indicadores de Estatísticas da FEE. Para a economista, de acordo com índices divulgados pelo IBGE, de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, o saneamento que compreende o conjunto de coleta e tratamento de esgotos aqui no Estado tem um dos piores números do país.

A situação no Estado só não é mais grave em questões de saúde ou mortalidade infantil devido às iniciativas individuais. “Por exemplo, 68,3% dos domicílios gaúchos utilizam o recurso da fossa séptica.” Para se ter uma idéia da relevância deste dado, em comparação com os Estados de Santa Catarina e Paraná, também da Região Sul, os paranaenses estão com uma média de 14,2%, na lanterna, e os catarinenses estão bem melhores neste aspecto, com um indicador que chega a 78,4% dos domicílios particulares com fossas sépticas. “Este fato é o que salva o Estado de ter uma alta incidência de mortalidade infantil”, ressalva Naia.

Há outros indicadores que nos podem dar uma noção melhor a esse respeito. Ainda comparando os três Estados do Sul, no item rede coletora, por exemplo, o Paraná apresenta um índice de 52,7%, seguido pelo Rio Grande do Sul com 17,1% e Santa Catarina com apenas 11,7%.

Resumo da ópera do saneamento:“a realidade brasileira é caracterizada pela deficiência de sistemas de coleta, e o percentual de esgoto coletado que recebe algum tipo de tratamento é baixo, ou seja, 35%; ainda mais grave é o fato de que uma parte considerável do esgoto produzido não é recolhido por qualquer sistema, sendo lançado diretamente no solo e em corpos d’água”, afirma Naia em seu breve relatório.

Direto na água

Quanto ao lançamento dos dejetos direto para o rio, lago ou mar, de acordo com a pesquisa do IBGE, Santa Catarina é responsável por 2,7% de lançamentos; o Rio Grande do Sul, 1,1%; e o Estado do Paraná é o que menos polui os seus mananciais, com 0,9%.

Naia Oliveira também observa e atenta que uma das soluções para os problemas sanitários do país está na educação da população.

Ela exemplifica com um relado de Mauro Lewa Moraes, assessor de Comunicação da Companhia Rio-Grandense de Saneamento (Corsan): “Para se ter uma idéia, dos 345 municípios que têm contrato de concessão com a Companhia, apenas 53 assinaram o documento para a implantação e operação do sistema de esgoto sanitário. Mesmo assim, destes, um número mínimo tem leis que obrigam os usuários a ligarem suas residências à rede coletora da Corsan”. Mauro Moraes informa ainda que, nos municípios de Cachoeirinha e Gravataí, onde houve investimentos volumosos (na ordem de U$ 72 milhões) do Projeto Pró-Guaíba (monitorado pelo Governo do Estado) e, com muito esforço, cerca de apenas 50% dos usuários ligaram suas redes de esgoto ao coletor sanitário da Companhia. Outro exemplo: em Canoas, a rede de esgoto da Corsan está disponível para 30% da população, e apenas 11% estão conectados. E um dado emblemático: em Tapes, que possui todo o sistema de esgoto sanitário , com 450 ligações aptas, há apenas 8 residências ligadas. “É aí que a questão da educação ambiental e determinação política da municipalidade também seria prioritária”, ressalta a economista Naia Oliveira.

Uma alternativa viável

“Criamos condições para a natureza fazer seu trabalho”, é assim que o engenheiro civil e sanitarista Luiz Ercole define o projeto Sistema Modular com Separação das Águas (SMSA), que está implantado em uma assentamento do MST, em Águas Claras, Viamão. Embora o nome seja complexo, o princípio do funcionamento do SMSA é relativamente simples e prático. É um modo que trata e reutiliza as águas residuais, separando-as, conforme suas origens, como explica o engenheiro.

Essas águas são divididas em dois grupos distintos: águas cinzas, resultantes da utilização de produtos de limpeza (sabões, saponáceos, xampus etc.) e as águas negras, que vêm das bacias sanitárias e têm elevada contaminação orgânica, ou seja, urina e fezes. Ambas são lançadas em reatores biológicos, que, com a ação da natureza, ou seja, bactérias e microorganismos, agem sobre esses resíduos, que depois de um tempo, são laçados em um misturador que iguala o Ph e distribui esta água resultante, já tratada, e que pode ser reutilizada para uma horta ou alguma pequena plantação de árvores frutíferas.

Quando não se separa as águas residuais, a forte concentração de matéria orgânica das águas negras tem a digestão bacteriana retardada ou suspensa pelos componentes químicos que as águas cinzas apresentam.

Ao se diferenciar essas águas de esgoto doméstico, “o sistema de tratamento torna-se mais eficiente e pode operar em volumes menores”, explica Ercole. O que resulta, além da economia em equipamentos, utilização de áreas menores do que nos modos convencionais.

Consórcio quer sanear bacia do Rio dos Sinos

As imagens do cenário desolador, mostrando toneladas e mais toneladas de peixes mortos na superfície do Rio dos Sinos correram e chocaram o mundo. Iniciativas de minimizar e evitar que tragédias ecológicas ocorram começam a ser pensadas e projetadas de forma conjunta.

A partir da divulgação do Programa de Aceleração do Crescimento, criado pelo Governo federal, que, entre outras iniciativas, visa a incentivar projetos de saneamento e meio ambiente, com a criação do Marco Regulador, podem alavancar atitudes concretas.

As administrações dos 32 municípios banhados pela bacia do Rio dos Sinos decidiram agir de forma conjunta para a implantação de sistemas de saneamento básico. Um dos objetivos, além da qualidade de vida de uma população de quase 1,2 milhão de habitantes é o de repensar a relação destas pessoas com o próprio Sinos.

O Consórcio Público é um Termo Técnico de Cooperação firmado inicialmente entre 13 das 32 prefeituras do Vale do Sinos, para garantir a obtenção dos recursos. “Assim, a captação de subsídios e financiamentos em prazos de 10 a 15 anos fica mais viável“, diz o prefeito de São Leopoldo Ary Vanazzi. Parceiro do projeto conjunto, Vanazzi também avalia que o Consórcio ainda terá de passar pelos respectivos legislativos de cada um dos municípios para sua regulamentação. Caberá a cada uma das Câmaras de Vereadores a regulamentação, delimitação de áreas, incentivo de parcerias, cobrança de responsabilidades públicas e demais definições. Vanazzi afirma que o legislativo será um parceiro na iniciativa. “É uma unanimidade no Vale e é de interesse de toda a população”, garante o prefeito leopoldense.

O Sinos tem uma extensão de 185km, desde a nascente, no Carará, até o Jacuí. Recebe três afluentes – os rios Rolante, da Ilha e o Paranhana – e mais de 65 arroios. Sua área é de 4.328km². Ele vem sofrendo ao longo de décadas de poluição industrial e de esgotos domésticos até a exploração desregulada de produtores de arroz que dele se abastecem para irrigar sua produção.

Água reaproveitada

Leolnildo Zang é um dos pioneiros do Assentamento em Águas Claras. Em sua casa, ele aplicou na prática os ensinamentos de Ercole. A água resultante, após separação e respectivo tratamento, deságua e mantém vigoroso e produtivo um pequeno bananal no fundo do quintal. “O que não se deve é usar em plantas de raiz, tipo cenoura ou beterraba, mas o que cresce pra cima da terra vem forte e bonito”, garante. Em outras palavras, Zang refere-se ao Leito de Evaporação e Infiltração (LETI), por definição técnica. Esta água faz tão bem à produção de caturras de Zang, que ele não se constrange. “Faço questão de que alguém use o banheiro lá em casa, pra mim é lucro”, diverte-se.

O que é LETI?

A água que deixa forte o bananal de Zang tem um nome sofisticado, mas sua função e qualidade como insumo é simples: ela escorre em um leito relativamente raso, com cerca de até 30cm de profundidade, com o fundo revestido de uma lona plástica, para evitar uma possível contaminação do solo e subsolo e se dilui por meio de camadas de tijolos, do tipo maciço e com furos. Em um final de semana de fevereiro, o acadêmico de arquitetura da Ulbra e pertencente à entidade Casatierra, Fernando Costa, ministrou para a comunidade uma oficina prática de implantação deste sistema. Ainda há muitas casas sem este projeto implantado, mas os resultados animam a comunidade de Águas Claras.

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