AMBIENTE

PL do licenciamento ambiental é “mãe de todas as boiadas”, dizem ambientalistas

Depois de tramitar 17 anos no parlamento, texto é aprovado a toque de caixa na Câmara dos Deputados provoca críticas de ambientalistas e é considerado um golpe no sistema público de controle ambiental
Por César Fraga / Publicado em 13 de maio de 2021

 

Deputados aprovaram texto base do PL 3729/04 na madrugada desta quinta-feira,13

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Deputados aprovaram texto-base do PL 3729/04 na madrugada desta quinta-feira,13

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Na calada da noite, na madrugada desta quinta-feira, 13, enquanto ainda repercutiam as não-declarações e a quase prisão do ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro Fabio Wajngarten na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, ao lado, a Câmara dos Deputados aprovava, por 300 votos a 122, o texto-base do PL 3729/2004. O Projeto de Lei, conforme ambientalistas, virtualmente extingue o licenciamento ambiental no Brasil, usando como justificativa facilitar a retomada econômica pós-pandemia.

Organizações integrantes do Observatório do Clima reagiram ao resultado da votação.  “É uma afronta à sociedade brasileira. O país no caos em que se encontra e os deputados aprovam um projeto que vai gerar insegurança jurídica, ampliar a destruição das florestas e as ameaças aos povos indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação. Assistimos, hoje, a uma demonstração clara de que a maior parte dos deputados segue a cartilha do governo Bolsonaro e vê a pandemia como oportunidade para ‘passar a boiada’ e atender a interesses particulares e do agronegócio”, destacou Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil.

Para André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade, trata-se da “Lei do Deslicenciamento”. Segundo ele, o projeto instala no Brasil o autolicenciamento ambiental como regra. “Para dar apenas um exemplo, dos 2 mil empreendimentos sob licenciamento ambiental em curso na capital do Brasil, 1.990 passarão a ser autolicenciados a partir do primeiro dia de vigência da nova lei”, exemplifica.

Amazônia e outros biomas

Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental, alerta sobre os efeitos que o PL, se aprovado, pode ter sobre a Amazônia e outros biomas.  “O texto aprovado é tão nefasto que, de uma só vez, põe em risco a Amazônia e demais biomas e os recursos hídricos, e ainda pode resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho e no total descontrole de todas as formas de poluição, com prejuízos à vida e à qualidade de vida da população. Por fim, pode se transformar na maior ameaça da atualidade às áreas protegidas e aos povos tradicionais”, alerta.

A mãe de todas as boiadas

A analista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, foi categórica: “com a aprovação da Mãe de Todas as Boiadas, a Câmara dos Deputados, sob a direção do deputado Arthur Lira, dá as mãos para o retrocesso e para a antipolítica ambiental do governo Bolsonaro. É o texto da não licença, da licença autodeclaratória e do cheque em branco para o liberou geral”.

Conforme a ambientalista, “implodiram com a principal ferramenta da Política Nacional do Meio Ambiente”. Para ela, quem pagará a conta da degradação são os cidadãos brasileiros, para sustentar a opção daqueles que querem o lucro fácil, sem qualquer preocupação com a proteção do meio ambiente e com as futuras gerações. “Judicialização e insegurança jurídica é o que eles terão como resposta”, arremata.

O que foi aprovado

A análise dos destaques apresentados pelos partidos segue em análise pela câmara desde às 10 da manhã desta quinta, 13. (Nota do redator/atualização: às 16h o texto foi aprovado sem modificações pelo plenário com todos os destaques da oposição rejeitados e segue para o Senado)

De acordo com o substitutivo do deputado Neri Geller (PP-MT), relator da matéria, não precisarão de licença ambiental obras de saneamento básico, de manutenção em estradas e portos, de distribuição de energia elétrica com baixa tensão, obras que sejam consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora ou que não estejam listadas entre aquelas para as quais será exigido licenciamento.

O texto cria ainda a licença única para simplificar o procedimento e permite a junção de licenças prévias com a de instalação, por exemplo.

“O estado que tiver legislação mais rígida não vai mudá-la. É uma questão de bom senso. O projeto dá segurança jurídica para evitar questionamentos pela falta de uma norma geral”, afirmou Geller.

Para o relator, a dispensa de licença de empreendimentos de utilidade pública ou interesse social evita “uma cega burocracia, seja por ausência de impacto, seja por regulamentação específica em outras legislações”.

No caso do saneamento, a dispensa engloba desde a captação de água até as ligações prediais e as instalações operacionais de coleta, transporte e tratamento de esgoto.

Ainda sobre o saneamento básico, o texto determina o uso de procedimentos simplificados e prioridade na análise, inclusive com dispensa de Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Pecuaristas são beneficiados

De igual forma, o substitutivo dispensa de licenciamento ambiental certas atividades agropecuárias se a propriedade estiver regular no Cadastro Ambiental Rural (CAR), se estiver em processo de regularização ou se tenha firmado termo de compromisso para recompor vegetação suprimida ilegalmente.

Nesse caso se incluem:

  • cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes;
  • pecuária extensiva e semi-intensiva;
  • pecuária intensiva de pequeno porte; e
  • pesquisa de natureza agropecuária que não implique risco biológico.

Entretanto, a ausência de licença para essas atividades não dispensa a licença para desmatamento de vegetação nativa ou uso de recursos hídricos. O produtor terá também de cumprir as obrigações de uso alternativo do solo previstas na legislação ou nos planos de manejo de unidades de conservação.

Mineração

Quanto à mineração de grande porte e/ou alto risco, o texto determina a obediência a normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) até lei específica tratar do tema.

Mas barragens de pequeno porte para fins de irrigação são consideradas de utilidade pública para fins de listagem do que estará sujeito a licenciamento.

Duplicação de rodovias

No licenciamento ambiental de serviços e obras de duplicação de rodovias ou pavimentação naquelas já existentes ou em faixas de domínio, deverá ser emitida a Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Essa licença valera também para o caso de ampliação ou instalação de linhas de transmissão nas faixas de domínio.

A atividade, no entanto, não deve ser potencialmente causadora de “significativa degradação do meio ambiente”.

Amostragem

Outros casos de LAC deverão ser definidos em ato do órgão ambiental nos termos da Lei Complementar 140/11, que fixou normas para o exercício da competência concorrente entre União, estados e municípios sobre legislação relativa ao meio ambiente e sua fiscalização.

Para obter a licença, o empreendedor deverá apresentar um relatório de caracterização do empreendimento (RCE), cujas informações devem ser conferidas e analisadas por amostragem, incluindo a realização de vistorias também por amostragem.

Renovação automática

O texto permite ainda a renovação automática da licença ambiental a partir de declaração on-line do empreendedor na qual ateste o atendimento da legislação ambiental e das características e porte do empreendimento, além das condicionantes ambientais aplicáveis.

Se o requerimento for pedido com antecedência mínima de 120 dias do fim da licença original, o prazo de validade será automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva da autoridade licenciadora.

Simplificação de procedimento

O texto cria o procedimento simplificado e o procedimento corretivo. No primeiro, pode ocorrer a fusão de duas licenças em uma (prévia e de instalação, por exemplo); ou mesmo a concessão de uma licença de adesão e compromisso com menos exigências.

O uso desses procedimentos será definido pelos órgãos ambientais por meio do enquadramento da atividade ou empreendimento em critérios de localização, natureza, porte e potencial poluidor.

Políticas públicas afetadas

Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica destaca que “o texto não considera a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e a análise integrada de impactos e riscos, além de excluir o controle social dos princípios do licenciamento ambiental. Dessa forma, afeta diretamente as políticas públicas de recursos hídricos e unidades de conservação.”

Infraestrutura

Para empreendimentos de transporte ferroviário e rodoviário, linhas de transmissão e de distribuição e cabos de fibra ótica, o texto permite a concessão de licença de instalação (LI) associada a condicionantes que viabilizem o início da operação logo após o término da instalação.

A critério do órgão ambiental, isso poderá ser aplicado ainda a minerodutos, gasodutos e oleodutos.

Mudanças no empreendimento ou atividade que não aumentem o impacto ambiental negativo avaliado em etapas anteriores não precisam de manifestação ou autorização da autoridade licenciadora.

Licença única

O projeto cria ainda a licença ambiental única (LAU), por meio da qual, em uma única etapa, são analisadas a instalação, a ampliação e a operação de atividade ou empreendimento, além de condicionantes ambientais, inclusive para a sua desativação.

Quanto aos prazos, a licença prévia (LP) deve ter validade de 3 a 6 anos, assim como a licença de instalação (LI) e a LP associada à LI.

Para a LI emitida junto à licença de operação (LO), para a licença de operação corretiva (LOC) e para a LAU, a validade será de um mínimo de 5 anos e um máximo de 10 anos, ajustados ao tempo de finalização do empreendimento se ele for inferior. Essas licenças não poderão ser por período indeterminado.

Avalanche de problemas sociais

Em nota, o Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc), já alertava antes da matéria entrar em pauta, que o projeto de lei, se aprovado, resultará na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), no total descontrole de todas as formas de poluição, com graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida da sociedade, no colapso hídrico e na destruição da Amazônia e de outros biomas. Se, com a legislação atualmente em vigor, todos os empreendimentos com potencial impacto socioambiental necessitam garantir a sustentabilidade de sua instalação e operação, o projeto em questão pode ser classificado como a “Lei da não licença e do autolicenciamento”. “Trata-se da pior proposta já apresentada desde que o projeto de lei começou a tramitar, há dezessete anos”, diz o documento.

“O texto aprovado produzirá uma avalanche de problemas sociais e ambientais não avaliados e não mitigados por empreendimentos de significativo impacto ambiental. Os órgãos ambientais não terão condições de se manifestar em tempo, pois o prazo é impraticável, além de estarem sucateados e silenciados. Os parlamentares aprovaram um desastre que precisa ser revertido no Senado, ou no STF.”, explica Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

Guilherme Eidt, do Instituto Sociedade População e Natureza (Inesp) defende que trata-se de mais golpe visando o desmonte na estrutura de fiscalização ambiental brasielira.  “É lamentável o desmonte do licenciamento ambiental”. Para ele, trata-se de um texto enviesado, discutido a portas fechadas com governo, ruralistas e industriais, que ignora o princípio da precaução e atropela os fundamentos do direito ambiental. “É repleto de inconstitucionalidades e vai gerar enorme insegurança jurídica para os empreendedores. Liberar geral para depois responsabilizar é um contrassenso total, que o digam os povos e comunidades tradicionais impactados em todo o país, as vítimas de Brumadinho e Mariana”, conclui.

 

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