AMBIENTE

Marco temporal foi alvo de protestos na Câmara dos Deputados

O PL 490/07 quer transformar em lei a tese do marco temporal, que está prestes a ser julgada no STF. E ainda há 14 jabutis que prejudicam indígenas apensados a ele
Da Redação / Publicado em 30 de maio de 2023
Marco temporal foi alvo de protestos na Câmara dos Deputados

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Para Célia Xakriabá, PL 490/07 que quer transformar marco temporal em lei é um perigo para a humanidade

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Diversos representantes de povos indígenas protestaram no Salão Verde da Câmara dos Deputados contra a votação marcada para hoje do marco temporal de terras indígenas. Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Em enquete realizada pela Câmara dos Deputados, 88% dos quase 3 mil votantes entre 6 de abril e 30 de maio (às 16h45min) eram totalmente contra o PL 490/07, que originalmente retira do Executivo transfere para o Legislativo o poder de demarcação de terras indígenas. Apenas 10% é totalmente favorável.

A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) afirmou que a tese, se aprovada, representará um genocídio. “É um genocídio legislado. O PL 490/07 é um perigo para a humanidade por permitir que se adentre territórios indígenas”, protestou a parlamentar.

A deputada Juliana Cardoso (PT-SP) afirmou que o projeto é um retrocesso em relação à pauta ambiental no mundo. “Defendemos uma economia na qual caibam a relação ambiental, nossos povos e nossa cultura”, disse.

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, pediu a retirada da proposta da pauta de hoje da Câmara. “Vai afetar os povos isolados e vai permitir a entrada de terceiros onde vivem pessoas e povos que nunca tiveram contato com a sociedade”. Segundo ela, o PL 490/07 ainda permite o garimpo ilegal nessas terras. “Estamos lutando para acabar com o garimpo ilegal, nós assistimos o crime humanitário contra os yanomamis”, criticou a ministra.

O representante da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil, Kleber Karipuna, cobrou que o Supremo Tribunal Federal julgue o marco temporal. O julgamento está marcado para o dia 7 de junho. Os ministros vão decidir se a promulgação da Constituição Federal deve ser adotada como parâmetro para definir a ocupação tradicional da terra por indígenas. O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do marco temporal.

“Pedimos a continuidade da votação do marco temporal no dia 7 de junho na pauta do Supremo e que ele não se acovarde para negociar a aprovação do PL 490/07.

Bancadas contrárias

A urgência foi aprovada sob protesto das bancadas do Psol, da Rede, do PT, do PCdoB e do PV. A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) afirmou que a Câmara não deveria analisar a questão antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.

“O PL 490/07 quer transformar em lei a tese do marco temporal, que está prestes a ser julgada no STF. E ainda há 14 projetos de lei de retrocesso apensados a ele, abrindo os territórios dos povos indígenas de isolamento voluntário”, criticou.

O julgamento do STF sobre o marco temporal está marcado para o dia 7 de junho. Os ministros vão decidir se a promulgação da Constituição Federal deve ser adotada como parâmetro para definir a ocupação tradicional da terra por indígenas. O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do marco temporal.

Bancada do agronegócio quer votação

O coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirma que os parlamentares estão com boa expectativa da votação sobre o marco temporal. Segundo ele, os deputados estão negociando com os ministros do STF o adiamento do julgamento para que o Congresso dê tempo de aprovar a proposta. “A Câmara está fazendo seu papel de legislar”, disse Lupion.

“Que o STF suspenda o julgamento, porque estamos fazendo nossa parte para que esse problema se resolva e acabe qualquer vazio legal em relação a essa questão”, afirmou o deputado.

O que é o marco temporal 

Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado.

Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no Supremo Tribunal Federal (STF).

O argumento é que essa área, de aproximadamente 80 mil m², não estava ocupada em 5 de outubro de 1988.

Os Xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos de lá.

A decisão sobre o caso de Santa Catarina firmará o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.

Entenda o PL 490/07 em sua origem

O Projeto de Lei 490/07 na sia origem (de 2007) transferia do Poder Executivo para o Legislativo a competência para realizar demarcações de terras indígenas. Segundo o texto, que tramita na Câmara dos Deputados, a demarcação será feita mediante aprovação de lei na Câmara dos Deputados e no Senado. A proposta altera o Estatuto do Índio.

Atualmente, a demarcação de terras indígenas é realizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) por meio de procedimento administrativo que envolve critérios técnicos e legais, tais como a verificação por um antropólogo da demanda apresentada pelo povo indígena; estudos de delimitação; o contraditório administrativo, para que outros interessados na área possam se manifestar; e a aprovação e o registro da demarcação. A aprovação cabe ao presidente da República, por meio decreto, e em seguida ocorre a retirada de ocupantes não-índios e o pagamento de indenizações pela Funai.

Autor do projeto, o deputado Homero Pereira argumenta que as demarcações muitas vezes ultrapassam os limites da política indigenista, avançando sobre interesses ligados a áreas de proteção ambiental, à segurança na faixa de fronteira, a propriedades privadas, a projetos de infraestrutura (estradas, redes de energia, comunicação) e a recursos hídricos e minerais, entre outros.

“Embora esteja amparada na Lei 6.001/73, a Funai vê-se compelida a exercer seu juízo discricionário sobre questões complexas que extrapolam os limites de sua competência administrativa”, diz a justificativa que acompanha o projeto.

Tramitação

A proposta foi aprovada pela Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, rejeitada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias e aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, seguirá para discussão e votação no Plenário.

 

 

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