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Indígenas denunciam Bolsonaro por genocídio em Haia

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, Apib protocolou a denúncia junto à procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes praticados desde o início do mandato
Da Redação / Publicado em 10 de agosto de 2021

Indígenas denunciaram Bolsonaro por genocídio em Haia

Foto: Reprodução Apib/Midia Ninja

Foto: Reprodução Apib/Midia Ninja

Na última segunda-feira, 9, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou no Tribunal Penal Internacional (TPI) uma denuncia por genocídio praticada pelo Governo Bolsonaro.

A Apib escolheu a data que marca o dia Internacional dos Povos Indígenas, para pedir à procuradoria do tribunal de Haia que examine os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente Jair Bolsonaro desde o início do seu mandato, janeiro de 2019, com atenção ao período da pandemia da covid-19.

Com base nos precedentes do TPI, a Apib uma investigação por crimes contra a humanidade (art. 7. b, h. k Estatuto de Roma – extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e genocídio (art. 6. B e c do Estatuto de Roma – causar severos danos físicos e mentais e deliberadamente infligir condições com vistas à destruição dos povos indígenas). Pela primeira vez na história, povos indígenas vão diretamente ao TPI, com seus advogados indígenas, para se defenderem desses crimes.

O acervo do comunicado protocolado é composto por denúncias de lideranças e organizações indígenas, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas, que comprovam o planejamento e a execução de uma política anti-indígena explícita, sistemática e intencional encabeçada por Bolsonaro.

“Acreditamos que estão em curso no Brasil atos que se configuram como crimes contra a humanidade, genocídio e ecocídio. Dada a incapacidade do atual sistema de justiça no Brasil de investigar, processar e julgar essas condutas, denunciamos esses atos junto à comunidade internacional, mobilizando o Tribunal Penal Internacional”, destaca Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib.

De acordo com trecho do comunicado, “o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, aumento do garimpo e da mineração nos territórios.”

Para a Apib os ataques às terras e aos povos indígenas foram incentivados por Bolsonaro em muitos momentos ao longo de sua gestão. Os fatos que evidenciam o projeto anti-indígena do Governo Federal, vão desde a explícita recusa em demarcar novas terras, até projetos de lei, decretos e portarias que tentam legalizar as atividades invasoras, estimulando os conflitos.

“A Apib permanecerá em luta pelo direito dos povos indígenas de existirem em sua diversidade. Somos povos originários e não nos renderemos ao extermínio”, enfatiza Eloy que é um dos oito advogados indígenas que assinam o comunicado.

O documento de denúncia, enviado ao TPI, também contou com o apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns, que protocolaram, em 2019, outro comunicado à Procuradoria do TPI contra Bolsonaro, que ainda está sob análise no tribunal.

Corte Internacional

A Apib justifica a denúncia em âmbito internacional por considerar que o sistema de justiça brasileiro não tem sido capaz de oferecer respostas, mais especificamente a responsabilização do presidente da República pela sua política anti-indígena. Nenhum destes atos gravíssimos que são apresentados na comunicação sequer foi objeto de investigação ou abertura de investigação formal contra o Presidente Jair Bolsonaro. Para o Tribunal Penal Internacional, é preciso demonstrar que não haja uma efetiva investigação ou que não se espere independência e imparcialidade de investigadores e juízes. O Presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado nenhum apreço à independência das instituições, como ficou comprovado pelas sucessivas interferências na Polícia Federal, a forma como controla a Procuradoria Geral da República, com a nomeação de um procurador totalmente alinhado com suas com suas ideias inconstitucionais, e as investidas contra o Supremo Tribunal Federal

Agosto indígena

“Lutamos todos os dias há centenas de anos para garantirmos a nossa existência e hoje a nossa luta por direitos é global. As soluções para este mundo doente vêm dos povos indígenas e jamais nos calaremos diante das violências que estamos sofrendo. Enviamos esse comunicado ao Tribunal Penal Internacional porque não podemos deixar de denunciar essa política anti-indígena de Bolsonaro. Ele precisa pagar por toda violência e destruição que está cometendo”, afirma a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara.

Segundo a coordenadora, o mês de agosto será marcado por mobilizações dos povos indígenas na luta por direitos. Ela ressalta o acampamento ‘Luta pela Vida’ que está marcado para acontecer entre os dias 22 e 28 de agosto, em Brasília. “Vamos ocupar mais uma vez os gramados da esplanada para impedir os retrocessos contra os direitos dos nossos povos”, reforça Sonia.

“Alertamos o Tribunal Penal Internacional para a escalada autoritária em curso no Brasil. O ambiente democrático está em risco”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib lembrando dos projetos de lei que estão na pauta de votação do Congresso e ameaçam os direitos indígena e do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o Marco Temporal, que pode definir o futuro dos povos indígenas.

“Estamos fazendo um chamado de mobilização para Brasília, em plena pandemia, porque hoje a agenda anti-indígena do Governo Federal representa uma ameaça mais letal que o vírus da Covid-19. A vida dos povos indígenas está ligada aos territórios e nossas vidas estão ameaçadas. Estaremos mobilizados nas aldeias, nas cidades, em Brasília e no tribunal de Haia para responsabilizar Bolsonaro e lutar pelos nossos direitos”, destaca Tuxá.

“Os povos indígenas permanecerão vigilantes, como historicamente fizeram. É dever do governo federal brasileiro respeitá-los, como expressão fundacional de um Estado Constitucional de Direito”, aponta trecho do documento encaminhado para o TPI.

Linha de tempo

    • Em 19 de novembro de 2019, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e Comissão Arns apresentam comunicado por incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade perpetrado por Jair Bolsonaro contra povos indígenas.
    • Durante o segundo semestre de 2020, a Apib e a Clínica de Litigância Estratégica em Direitos Humanos da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, fizeram oficinas com advogados indígenas, lideranças, estudantes, especialistas e parceiros da Apib sobre a jurisdição do TPI.
    • Logo em seguida, a APIB lançou um chamado para que as lideranças e organizações de base enviassem denúncias de violações de direitos, especialmente no contexto da pandemia. Tais relatos foram em grande medida incorporados no comunicado ao TPI.
    • Os encontros abordaram temas como a jurisdição penal internacional e suas críticas, os crimes do Estatuto de Roma, o processo perante o TPI, o papel das vítimas na construção dos casos, a admissibilidade e a agenda da Procuradoria.
    • Em dezembro de 2020, a Procuradoria do TPI informou ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e Comissão Arns que está formalmente avaliando a comunicação enviada em novembro de 2019.
    • Durante o primeiro semestre de 2021, a partir dos debates das oficinas feitas em 2020, a APIB iniciou um processo de coleta de depoimentos e dados sobre o impacto dos atos de Jair Bolsonaro em distintas comunidades indígenas no país.
    • Os relatos, emitidos diretamente pelos povos indígenas afetados, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas compõem o acervo probatório do comunicado feito pela Apib, protocolado dia 9 de agosto no TPI com o apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns.
    • São 86 páginas apenas com fatos, que se organizam em:
      1. Uma cronologia dos atos do Presidente Jair Bolsonaro de ataque aos povos indígenas e destruição da infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e socioambientais, na qual foram compilados os principais atos administrativos, normativos, discursos, reuniões e projetos, direta ou indiretamente praticados pelo presidente Jair Bolsonaro;
      2. A descrição das principais consequências da destruição da infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e socioambientais: a invasão e o esbulho de terras indígenas; o desmatamento; o garimpo e a mineração em nos territórios e o impacto da pandemia da Covid-19 sobre os povos indígenas, trazendo pesquisas, relatórios e dados.
      3. O relato sobre o impacto das invasões, do desmatamento, garimpo e mineração em Terras Indígenas e a propagação da pandemia de Covid-19 tiveram sobre os povos indígenas isolados ou de contato recente e sobre os povos Munduruku, os indígenas que vivem na TI Yanomami, os Guarani-Mbya, Kaingang, os Guarani-Kaiowá, os Tikuna, Kokama, os Guajajara e os Terena.
    • A APIB leva à jurisdição penal internacional a voz e a interpretação dos povos indígenas sobre os crimes dos quais vêm sendo vítimas, fato por si só histórico. Com base nos precedentes do TPI, a APIB abriu investigação por crimes contra a humanidade (art. 7. b, h. k Estatuto de Roma – extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e genocídio (art. 6. B e c do Estatuto de Roma – causar severos danos físicos e mentais e deliberadamente infligir condições com vistas à destruição dos povos indígenas).

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