OPINIÃO

Por que precisamos da Uergs?

Por Celso Silva, Marcelo Christoff e Paulo Cesar Conceição / Publicado em 14 de dezembro de 2007

Na contramão do interesse público em fomentar o desenvolvimento regional e a inclusão social na sociedade gaúcha, prioridades reconhecidas pela maioria das lideranças políticas deste estado, alguns cidadãos buscam inviabilizar o fortalecimento da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, a Uergs. Curiosamente, o argumento é pouco moderno, pois sugere que o estado financie a formação profissional dos cidadãos desafortunados economicamente através de bolsas de estudo nas universidades privadas, comunitárias ou não. Esta é uma política que se assemelha a subsidiar com a receita pública o patrimônio das instituições privadas de ensino. Aliás, uma comparação honesta dos custos de um acadêmico em uma vaga na instituição pública Uergs e nas privadas deve levar em conta a ocupação normal das vagas em ambas instituições, conforme a realização de vestibulares regulares. Desde 2005, vários cursos na Uergs foram impedidos de realizar vestibulares, reduzindo o número total de acadêmicos e elevando presentemente o custo do acadêmico nessa universidade. E este cenário pode agravar-se diante da incerteza do Vestibular 2008. Mais importante, devemos lembrar que o investimento na estruturação da Uergs é investimento direto no patrimônio público, acessível a todos os cidadãos.

De fato, ao longo de seis anos a sociedade gaúcha tem possibilitado que milhares de jovens alcancem uma formação universitária de bom nível na Uergs. Mais do que isso, nossa universidade é pioneira – e única na federação brasileira – na reserva de 50% das suas vagas para candidatos com hipossuficiência sócioeconômica (renda familiar per capita de até R$ 441,86 em 2007), além de 10% para candidatos com necessidades especiais. A concepção multicampus da Universidade Estadual, distribuída em mais de 20 unidades funcionais, e a participação estatutária da comunidade em seus Conselhos Consultivos Regionais, promovem o atendimento de demandas em todas as regiões do estado. Cada Unidade busca constituir-se como um centro universitário para a reflexão, debate e encaminhamento de estratégias para o desenvolvimento local e regional. Exemplo disso verifica-se na diversidade dos cursos oferecidos, desde a formação pedagógica, ainda carente no estado, passando pela forte ênfase no foco agroindustrial até os novos horizontes do desenvolvimento econômico, presentes na Biologia Marinha, Informática, Automação e nas engenharias de Energia, Bioprocessos e Biotecnologia, entre outros.

A Uergs foi criada por decisão unânime dos deputados estaduais em 2001. Para esta decisão certamente contribuiu a baixa participação de vagas públicas no ensino de terceiro grau gaúcho, ainda hoje inferior a 10% e, particularmente, 1% pela Uergs. Se a implantação simultânea de um conjunto grande de Unidades contribuiu para dificultar a consolidação da nossa universidade estadual pública, esta amplitude também despertou o interesse de várias comunidades para a perspectiva da inclusão social pela melhoria local da formação de seus cidadãos. Neste caminhar, centenas de docentes e técnicos sucederam-se nas tarefas de estabelecer as condições possíveis dentro dos minguados orçamentos sucessivos, propostos e nãoefetivamente destinados, convivendo com o congelamento dos salários desde 2002 (perda integral da inflação do período, ou seja, menos 50% do poder aquisitivo dos salários originais). A par disso, a incerteza institucional da Uergs foi mantida até 2007 por contratos emergenciais com todos os docentes. Neste sentido, a lentidão do processo de Concursos para Docentes Permanentes em andamento é também agravada pela falta de agilidade das nomeações dos concursados pelo governo (os contratos permanentes existentes atingem menos de 50% do quadro de docentes previsto).

Quando questionamos a eficiência do Estado em promover e defender a justiça social, referimos sua dimensão moderna e democrática, onde é responsabilidade de toda a sociedade compartilhar sua gestão, rotineiramente configurando um governo a cada nova eleição. Portanto, para solucionarmos a longa história da crise orçamentária do estado do Rio Grande do Sul, é preciso lembrar e verificar onde o foco das políticas públicas determinou desperdício ou inadequação, não restringindo esta análise apenas às despesas na área social e trabalhista, mas também avaliando os subsídios a segmentos econômicos que reduzem as receitas orçamentárias e não produzem o retorno social esperado.

Situando a Uergs neste cenário, hoje somos 160 técnicos e cerca de 230 docentes trabalhando em 24 unidades universitárias, com o apoio das comunidades municipais e uma parcela prevista de cerca 37 milhões no Orçamento Estadual 2008 (10% inferior ao previsto em 2007). Nestas condições, a Uergs propicia o acesso a 25 diferentes cursos de graduação para mais de mil acadêmicos. A crescente articulação da Universidade Estadual com as demandas regionais pode ser verificada na contribuição dos seus acadêmicos em estágios nas empresas privadas, ONGs e instituições públicas locais, bem como nas centenas de profissionais egressos absorvidos no mercado de trabalho. Simultaneamente, em apenas seis anos de vida, cerca de uma centena de projetos (85), desenvolvidos por diferentes grupos de pesquisa (8), geraram 56 artigos publicados em periódicos reconhecidos. Além disso, a existência de convênios com todos os principais ó rgãos e fundações do estado gaúcho comprova a envergadura e importância desta instituição nas políticas públicas do Rio Grande do Sul.

É importante que a cidadania gaúcha reflita sobre as tentativas divulgadas nos jornais da capital para reduzir ou eliminar este patrimônio da sociedade gaúcha que é a Uergs, única Universidade Estadual Pública com participação comunitária local. Onde estes recursos orçamentários estaduais podem ser aproveitados melhor do que na Universidade Estadual de todos os gaúchos? Haveria um paralelo na dimensão do retorno social à sociedade gaúcha que uma Universidade Estadual Pública, gratuita e de qualidade, capaz de integrar mais cidadãos nesta sociedade, com reflexos incomparáveis na seguridade e bem-estar de todos? Considerando os valores oficiais de mais de 3 bilhões de reais que vem há anos subsidiando alguns segmentos econômicos no estado, podemos arbitrariamente eliminar um patrimônio público que consome cerca de 1% daquela cifra? Ou será possível a transferência da função de Estado de gestor público da Uergs para entidades privadas ou do terceiro setor, como as organizações sociais de interesse público (OSCIPs), seguindo o exemplo dos serviços rodoviários hoje concedidos mediante pedágios? Menos ainda, simplesmente transferir a receita pública para o patrimônio privado utilizando os cidadãos desafortunados como transportadores de bolsas de estudo?

Nós, cidadãos gaúchos, que buscamos uma sociedade com mais desenvolvimento regional e inclusão social, trabalhamos, sabemos e acreditamos que a nossa recente Universidade Estadual do Rio Grande do Sul é um bom investimento público para alcançarmos estes objetivos.

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