OPINIÃO

Eu assino o que escrevo

Charles Kiefer / Publicado em 23 de outubro de 2008

Usei quarenta e três anos de meus cinqüenta em aprender, e, hoje, sou professor. E um professor só pode ensinar depois de gastar seu tempo, sua vida, suas emoções, seus sonhos e suas esperanças em aprender.

E eu aprendi com os gregos, com os romanos, com os judeus, com os á rabes, com os orientais e com os ocidentais, que aprender e ensinar são uma coisa só, que não ensina quem não aprende, e que não aprende quem não ensina, e que só se aprende e se ensina cidadania.

Para a aquisição de informações, para o conhecimento da tradição cultural, basta a pesquisa em bibliotecas e computadores. Para isso, para a simples transmissão de conhecimento, os professores não são mais necessários.

Professores são, sim, necessários para a formação dos valores, da ética, da solidariedade e do respeito, da sensibilidade e da dignidade.

E é nesse processo dialético de ensino-aprendizagem, em que aprende quem ensina, e ensina quem aprende, que se vai formando o nosso caráter e o caráter dos nossos alunos.

Caráter, ah, que magnífica palavra nos legaram os gregos.

Charaxo!

Na origem, algo sobre o qual se grava alguma coisa.

Então, caráter é o que se grava sobre o espírito da criança, do jovem, do adulto, do idoso.

Em sala de aula, luto todos os dias para que meus alunos sejam responsáveis, sejam cidadãos, sejam seres dignos. Se a reflexão os faz melhores, levo-os a refletir; se escrever os faz melhores, levo-os a escrever; se analisar a si mesmos e aos outros os faz melhores, ensino-os a analisar, a separar as partes para compreender melhor o todo.

Alguns não entendem o meu processo, porque a luz do logos ainda não iluminou os desvãos das trevas mitológicas em que vivem. Sei que um dia a luz se fará, porque a luz sempre se faz, e, então, eles nascerão para uma vida mais plena.

Nesse dia, eles compreenderão que pedir-lhes que venham à frente da turma para ler seu próprio texto não é um ato vexatório, mas uma chance que lhes dou de assumirem o seu lugar no mundo, de subirem ao palco para receberem os merecidos aplausos; que não usar giz no quadronegro não é falta de didática, mas problema de alergia; que, às vezes, fugir do rigor do programa é considerar meus alunos diferentes de outros seres e não autômatos produzidos em série, a quem se aplica sempre o mesmo manual de instruções, já que só fujo do programa quando percebo neles carências e potências que nem sempre a letra morta do programa abarca; que exigir que façam trabalho de campo e que o apresentem em aula é capacitá-los a concorrer a minha própria vaga de professor.

Usei quarenta e três anos de meus cinqüenta para aprender e aprendi com a História que a maior herança que a civilização nos legou foi a honra de consignarmos os nossos nomes a todos os nossos pensamentos, a todas as nossas opiniões; que escrever e assinar é um ato protegido pela Convenção de Paris, de 20 de março de 1883, e pela Convenção de Berna, de 07 de setembro de 1886, a que o Brasil, através do Decreto-Lei 75.541, de 31 de março de 1975, referendou ao agregar-se à Organização Mundial da Propriedade Intelectual.

Eu assino o que escrevo e ensino meus alunos a que façam o mesmo. Escrever e não assinar, além de ser um ato ilegítimo, é um ato inócuo, porque toda manifestação anônima, numa sociedade em que vige o estado de direito, não é digna de crédito.

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