OPINIÃO

O que é inevitável e o que dá para escolher

“Envelhecer é inevitável, deteriorar é opcional”, defende o médico Marcelo Blaya Perez, 84 anos, que acaba de lançar o Velhas e Velhos Anônimos, o Viva, um programa nos moldes dos Alcoólicos Anônimos, com
Por Stela Pastore / Publicado em 17 de maio de 2009

O psicanalista criador do programa é prova da possibilidade de estar muito vivo mesmo numa etapa da vida considerada menos ativa. Caminha todos os dias, lê e escreve sistematicamente, está sempre envolvido com alguma atividade, cultiva diferentes relacionamentos e se alimenta com equilíbrio. No cotidiano, Marcelo pode ser visto na companhia de seus cinco pastores alemães andando em seu sítio. E tem planos: comemorar os cem anos acompanhado de seus cães e compartindo os dias com seus contemporâneos.

Há um número cada vez maior de idosos no mundo. Avanços no combate a doenças, melhora da qualidade de vida em regiões empobrecidas, redução da taxa de natalidade contribuem para este cenário. A alteração da estrutura etária é um fenômeno sem precedentes na história.

Justamente para aportar bem nesta etapa da vida, Blaya propõe o desafio da multiplicação de grupos Viva, para estimular posturas que garantam maior qualidade nesta fase após os 60, nominada por ele como a da descida da montanha, onde aparece a maioria dos danos produzidos pelo modo antinatural de viver as décadas iniciais.

Há meio século Blaya foi pioneiro no Brasil ao criar a Clínica Pinel para tratar de pacientes com doenças psíquicas e dependentes químicos, estabelecendo a primeira comunidade terapêutica, a primeira residência para formação de psiquiatras e a primeira pensão protegida. Agora, frente a esta condição ímpar de uma humanidade majoritariamente madura, reflete sobre a necessidade de práticas mais sadias para esta jornada coletiva mais longa antes da morte.

“Os meus pacientes me ensinaram como lidar com o louco que há em mim. Agora que tenho 84 espero que outros da mesma faixa me ajudem a viver esses quem sabe mais 20 ou 30 que tenho pela frente”, declara.

Os passos do Viva

As reuniões ajudam a preparar um envelhecimento onde a catástrofe da decadência seja evitada ou recuperada. O início da dinâmica do trabalho no grupo é a importância da musculatura na saúde e dos exercícios que liberam a endorfina produzida que aguenta 24 horas no organismo; os cuidados com a alimentação. Depois, a importância do relacionamento com o outro, a vida familiar e comunitária, o entrosamento e o respeito mútuo.

Sedentarismo e suicídio

A previsão genética de vida para os humanos é de 110 anos para o homem e 120 anos para a mulher. Morrer antes dos 100 anos é suicídio pela não garantia das condições do animal humano de alcançar esse patamar. Uma pessoa que fuma, bebe ou se droga exageradamente só apresentará as consequências do mau trato décadas mais tarde. É um suicídio a prazo, reflexo da forma de viver autodestrutiva. A vida sedentária é uma ameaça tão séria à normalidade biológica como o uso abusivo de tabaco, álcool ou velocidade. A falta de exercício traz danos corporais gravíssimos, e uma porção alarmante de pessoas é obesa. O sedentarismo geralmente acompanhado da obesidade leva à morte precoce. Dependendo de como é encarada, a aposentadoria pode ser um risco. Na ativa, há uma rotina de trabalho e movimento, sair de casa, relacionar-se, integrar-se com o meio. Quando alguém se aposenta há uma possibilidade de inércia mais assassina que três maços de cigarro por dia. Se juntar aposentadoria, falta de exercício e obesidade, tá pedindo…

Prevenir catástrofes corporais

O corpo tem a capacidade extraordinária de curar-se, quando estimulado de modo certo. Um modus vivendi sadio nos proporcionará um envelhecimento livre da decadência, que traz o mau envelhecer. Cuidados com o corpo evitam catástrofes como enfartes, acidentes vasculares cerebrais, câncer, tendinites, artropatias, Alzheimer, Parkinson, etc. O corpo tem um processo de destruição e de reconstrução contínuo. O corpo não mente. É preciso encarar o que fazemos conosco. A verdade é dura de saída, mas a longo prazo se tira proveito.

Velho é quem para de sonhar

O aniversário não é mais um, é menos um. É como um cesto de jabuticabas: cada uma que como é menos uma no cesto. O envelhecimento cronológico é inevitável. Mas há um outro muito mais sério, que é o envelhecimento da decadência. Quando a pessoa para de sonhar, quando começa a imaginar que a morte é uma desgraça, quando perde o prazer de acordar de manhã e dizer: ‘ai que bom que tá chovendo hoje’… Quando perde as fantasias, as ilusões, todo esse prazer de estar vivo, tá velho! E pode perder isso com 20, 30, 40, com 50, 60. Por isso digo que o grupo é aberto a todos os velhos a partir dos 18 anos.

Gostar de si

Visitei duas vezes o Ivo Pitangui na Ilha dos Porcos, no Rio de Janeiro. Ele falou de uma pessoa que fez 30 plásticas e ele se recusou a fazer mais uma. A cirurgia plástica tem uma função reabilitadora para consertar um estrago, um acidente, algo assim. E tem outra função encobridora. Se tu não gostares das tuas rugas, do cabelo branco, podes remodelar com plástica, tinta… Mas lá dentro, se tu não gostares de ver que teus sonhos, as fantasias vão ficando cada vez mais longe, não tem como fazer plástica pra isso. Ou aprendes a conviver e a gostar disto que tu já não tens e aproveitar o que tu ainda tens, ou tu vais ser muito infeliz. Este envelhecimento é triste, pobre, mau, que é o de não poder sonhar e viver.
Sexo e comida

Na vida há duas coisas muito valorizadas: comida e sexo. Não precisa parar com nenhuma. A pele é o grande órgão sexual do corpo humano. Se eu me massageio no banho é um prazer grande. Se eu estou com o braço fora do lençol e a minha cadela me lambe quando eu acordo, é uma grande satisfação. O prazer do corpo é indescritível. As pessoas pensam que transar é só o ato em si. De vez em quando até que é bom, mas depois dos 70, 80, 90, não vai atrás disso. Provavelmente o animal dentro de ti não tenha a mesma capacidade.

Pobreza e velhice

Duas coisas são trágicas. Não ter dinheiro suficiente para as coisas mais elementares. Pobreza é isso. Ou ter tanto dinheiro que não seja capaz de viver tranquilo. Uma coisa é ter que ir pra um asilo e ficar dependendo. Mas se tem dinheiro para comprar roupa, remédio, comida, é do que se precisa.

Escolas para velhos

O novo cenário mundial com número crescente de velhos exige um reaprendizado social, uma nova cultura de convivência. Nestes dois grupos iniciais do Viva tem quatro mães e quatro filhas. Interessante constatar que as gerações ficam muito próximas na medida que envelhecem. Nós não tínhamos essa experiência há 50 anos. Também não tínhamos a tradição de mandar crianças pra escola. Isto tem pouco mais cem anos. E a escola trouxe uma nova cultura.

Agora estamos precisando muito de escolas para os velhos. Por exemplo, é preciso de mais cursos para ensinar informática para pessoas com mais de 60 anos. Possivelmente estas pessoas que estão em casas geriátricas aproveitariam muito se tivessem conhecimento para usar o computador. De manhã, após minha caminhada, vou ver no email quantos se lembraram de mim.

marceloblaya@terra.com.br

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