OPINIÃO

Só eles podem nos salvar

Por Moisés Mendes / Publicado em 11 de agosto de 2017
Ocupação dos estudantes secundaristas e universitários na Câmara Municipal de São Paulo: "Os jovens, se forem às ruas, derrubam este governo, como sempre derrubaram governantes ilegítimos"

Foto: Rovena Rosa/ABr

Ocupação dos estudantes secundaristas e universitários na Câmara Municipal de São Paulo: “Os jovens, se forem às ruas, derrubam este governo, como sempre derrubaram governantes ilegítimos”

Foto: Rovena Rosa/ABr

O golpe faz aniversário no final do mês. Quando o Brasil voltar ao normal, daqui a alguns anos ou décadas, é provável que poucos consigam restabelecer o roteiro completo que levou o país à paralisia e ao desencanto mórbido depois do que aconteceu no Senado naquele dia 31 de agosto.

Serão lembrados o ambiente pré-golpe, o teatro do golpe, a ascensão do sujeito que se aboletou no poder e destruiu a economia, seus cúmplices e sua derrocada final. Mas será complicado ordenar fatos e personagens desde o começo, as traições, as delações, os vazamentos de informações, os crimes dos golpistas.

Lembrarão do surgimento surpreendente de um Joesley Batista. O esquecimento a que foi condenada a família Odebrecht, os presos da masmorra de Curitiba, mantidos em cárcere preventivo sob o silêncio covarde dos liberais, a impunidade de Aécio Neves e dos tucanos. A seletividade de uma Justiça exibicionista, a perseguição a Lula, a atuação performática de um juiz justiceiro, o autoritarismo de um certo Ministério Público de powerpoints infantis e imbecilizantes.

Lembrarão do japonês da Federal, de que o chefe do golpe na Câmara foi preso, um advogado medíocre chegou ao Supremo por indicação do golpista no poder, que pegaram dois homens com malas e ninguém foi preso. Mas não se lembrarão mais de que Gilmar Mendes era recebido todas as semanas em encontros secretos noturnos no Jaburu e que reformaram as leis eleitorais para que as máfias do Congresso fossem reeleitas.

Irão se lembrar do Lula condenado em segunda instância (por dois votos a um) e preso, impedido de concorrer à presidência em 2018. Que Dilma se elegeu senadora, que Doria Júnior governou o país por quatro anos e, quando foi embora, não tínhamos mais leis trabalhistas, nem Previdência, nem SUS, nem estradas, nem remédios, nem Bolsa Família, nem FGTS. Mas não se lembrarão do helicóptero com meia tonelada de cocaína mineira sem dono.

Daqui a alguns anos, Michel Temer estará preso, não na cadeia, mas em casa, incapaz de dar um passo até a esquina por estar entrevado politicamente, os tucanos terão desaparecido, mas estarão sempre soltos por prescrição dos roubos, o PT irá cambalear pelos cantos a caminho do que espera seja uma ressurreição, e a política no Brasil será algo em que nem mesmo Romero Jucá, José Agripino, José Serra, Bolsonaro e outros protagonistas do golpe acreditarão.

Daqui a alguns anos a política brasileira será um traste imprestável, por culpa do que aconteceu na segunda década do século 21. As eleições terão 70% de abstenção, e os brasileiros conviverão por muito tempo com a certeza de que aqui a democracia foi uma invenção que não deu certo.

Em algum momento, uma geração distante irá tentar restabelecer alguma ordem depois do abandono do poder pelas máfias do jaburu. Porque ninguém irá derrubar o governo golpista. O Brasil resignado irá esperar que eles mesmos se destruam mutuamente e desistam do saque, porque não haverá mais nada a ser saqueado.

Os golpistas entregarão o poder por absoluta inapetência e cansaço, exaustos com a falta de reação das esquerdas, enfarados com o domínio sobre tudo e sobre todos, depois de décadas de comando sem incomodações.

Quando os golpistas deixarem Brasília em comboios, abandonando o que sobrou da destruição comandada pela dinastia do jaburu, o Brasil terá então que descobrir se ainda tem um povo.

Teremos uma paisagem de Mad Max, com os rastros dos saques, patos amarelos abandonados pelas estradas e cenários semelhantes aos enfrentados pela Síria, pelo Iraque, pelo Afeganistão, pela Líbia, pela Venezuela, com a diferença de que em todos esses lugares houve resistência, houve luta, enfrentamento e destemor para afrontar o poder e até a possibilidade da morte.

O Brasil que irá sobrar do golpe, depois de anos de dominação das instituições tomadas pela direita, talvez venha a ser um arremedo de nação, sem direitos, com uma Justiça deformada, um Supremo sequestrado, um Congresso tomado por facções. O Brasil não terá quase nada da Constituição de 88 que lhe garante alguma decência civilizatória.

Esse é o Brasil que se configura hoje, sem que ninguém, nem a universidade, nem as OABs (pobre OAB), a Igreja, as ONGs humanistas, nada consiga impedir sua destruição. O Brasil que acordar daqui a alguns anos, pela desistência dos que dele se apoderaram e cansaram de poder e devastação, e não pela resistência dos que a estes se submeteram, será um país ultrajado.

Mas pode ser diferente, se os estudantes rebelados lá em 2013 provarem agora, aliados aos que tinham as suas idades há quatro anos, que é possível resistir. Que combater o horror na política é, sim, uma tarefa deles, dos jovens, como sempre foi, por conta da sua vitalidade e do convencimento de que, com todos os riscos, eles serão sempre eternos.

Enfrentar o golpe e romper com o roteiro escrito é missão dos estudantes, mais do que dos políticos profissionais, dos liberais verdadeiros, dos jornalistas, dos sindicatos, dos operários e da classe média em posição fetal.

Os jovens, se forem às ruas, derrubam este governo, como sempre derrubaram governantes ilegítimos. Se não forem, que fiquem em casa, envelheçam e esperem até chegar o dia em que os golpistas desistirão de continuar golpeando.

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