OPINIÃO

Uma biografia no pântano

Por Moisés Mendes / Publicado em 23 de maio de 2019

Foto: Marcelo Camargo/ABr

Foto: Marcelo Camargo/ABr

Um juiz de alta Corte, apenas um, tentou enfrentar o poder de Sergio Moro. O ministro Teori Zavascki repreendeu publicamente o então chefe da Lava-Jato quando o magistrado cometeu o delito de grampear Dilma e Lula em 2016. Mas Teori está morto.

Os outros ministros vivos do Supremo sempre ficaram quietos diante dos desvios de conduta do ex-juiz. Ninguém disse nada contra Sergio Moro, nem o Conselho Nacional de Justiça. Ninguém. Só Teori, o relator da Lava-Jato no STF.

Não diziam nada porque Sergio Moro parecia ser mais poderoso do que os juízes do Supremo. Moro tinha uma equipe só dele numa vara especial de Curitiba para caçar Lula e os corruptos que teriam se aliado ao PT.  Era forte e tinha tudo o que queria para fazer o que bem entendia. Mas não tem mais nada.

Em três anos em Curitiba, trabalhando com dedicação especial na caçada moralista da Lava-Jato, Moro condenou 169 réus, incluindo Lula. E manteve 155 investigados em prisão preventiva, alguns por tempo nunca visto na Justiça brasileira.
Foi assim, visto por juristas como um justiceiro medieval, que obteve confissões e delações. Assim também a imprensa teve acesso a vazamentos de deduragens, que alguns diziam sair do Ministério Público e outros asseguravam ser obra do próprio Moro.

A Justiça especial da Lava-Jato autorizou 227 conduções coercitivas, algo que o Brasil nem sabia que existia. Muitos que nunca se negaram a depor foram conduzidos à força a interrogatórios, incluindo Lula.

Depois, a Lava-Jato liberou delatores no atacado, como o maior e o mais famoso deles, o sujeito que motivou a operação, o doleiro Alberto Youssef.

Youssef denunciou comparsas, devolveu mais de R$ 50 milhões, foi anistiado e libertado e não tem um mês, um mês sequer, de pena a cumprir. Nem um dia. Nem uma hora de pena. Youssef está zerado, perdoado por tudo o que fez.

Pois Sergio Morro perdeu todo esse poder, inclusive o de perdoar corruptos delatores, depois de ser chamado por Bolsonaro para, entre outras coisas, chefiar o Coaf, o organismo de controle das movimentações financeiras.

A ordem era tirar o Coaf da área da Fazenda para que ficasse com Sergio Moro e seus investigadores. Por coincidência, quando Moro recebeu do presidente a tarefa especial, um filho de Bolsonaro, o senador Flavio Bolsonaro, era envolvido pelo mesmo Coaf nas suspeitas de que um ex-assessor comandava uma quadrilha em seu gabinete.

Investigavam Fabrício Queiroz e chegaram a Flavio. Tudo começando pelo Coaf. Pois Bolsonaro decidiu, para que o órgão fosse “fortalecido”, que o Coaf (que havia descoberto as relações de Queiroz com Flavio, com milicianos e até com a mulher de Bolsonaro) ficasse com o ex-juiz.

Mas não deu certo. Moro perdeu o Coaf por decisão de parte da direita que apoia Bolsonaro na Câmara. É um agravamento da perda de poder. Antes, Moro já havia perdido até o direito de nomear conselheiros de segurança.

Com a perda do Coaf, Moro caiu na real. O mundo da política não é o mundinho confortável de Curitiba. O ex-juiz enfrenta o constrangimento de se obrigar a apoiar os planos do governo que iriam liberar a posse de fuzis para pessoas comuns. E de endossar a tese bolsonarista de que policiais com medo ou emocionados têm licença para atirar em quem enxergam como ameaça.

A política tirou de Sergio Moro, em menos de cinco meses, o que a imprensa havia oferecido em três anos de Lava-Jato. O caçador de corruptos ficou fraco e já é parte da galeria de figuras folclóricas do governo.

Ainda há, no horizonte do ministro, a grande ambição, que teria sido negociada com Bolsonaro, de chegar ao Supremo. Mas esse horizonte se estende a novembro do ano que vem, quando será aberta vaga no STF com a aposentadoria do ministro Celso de Mello.

Até lá, Moro continuará convivendo nos pântanos de Brasília com recebedores de caixa dois, com o baixo clero, com corruptos variados, com chefes de laranjas e com amigos de milicianos.

É essa a política fétida que Moro dizia combater em Curitiba quando falava da “corrupção endêmica”. O ex-juiz circula agora nesse ambiente e faz parte dele, por mais que tente ser diferente.

É o que estará na sua biografia, que muitos irão ler e os que tiverem boa memória jamais esquecerão.

 

Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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