OPINIÃO

Os assentamentos de Reforma Agrária estão sob ataque no RS

Mais de quatro mil famílias, que vivem e produzem hoje nesses assentamentos, podem ser afetadas pela mineração
Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 14 de agosto de 2019

Os assentamentos de Reforma Agrária estão sob ataque no RS

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

As políticas de Reforma Agrária no Rio Grande do Sul, além de estarem paralisadas desde o governo Temer, ganharam agora, no governo Bolsonaro, um requinte de crueldade: se transformaram, na verdade, em políticas de anti-Reforma Agrária. A cereja no bolo desse processo de retrocessos foi a indicação do médico-veterinário Tarso Teixeira para dirigir a Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma  Agrária (Incra) no estado. Diretor da Federação da Agricultura no Estado do RS (Farsul) e ex-presidente do Sindicato Rural de São Gabriel, Tarso Teixeira é um adversário histórico das políticas de Reforma Agrária no Rio Grande do Sul.

Ao anunciarem o nome do líder ruralista para assumir a Superintendência do Incra, o secretário nacional de Assuntos Fundiários do governo federal, Luiz Antônio Nabhan Garcia, apontou qual deve ser uma de suas prioridades: “moralizar” a política de Reforma Agrária e combater as “irregularidades” nos assentamentos no Rio Grande do Sul (como sublocação, venda irregular e uso indevido dos lotes), denunciadas em uma reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo. A matéria em questão mostrou um parque aquático instalado em uma área que foi de Reforma Agrária, sem informar que se trata de um lote titulado, e uma pista de motocross instalada  em um assentamento estadual, em Eldorado do Sul, que não está sob a gerência do Incra.

Na mesma região de Eldorado do Sul está situado o assentamento Apolônio de Carvalho, um dos maiores produtores de arroz orgânico no estado, que não aparece na matéria e tem sua existência ameaçada pelo projeto da Mina Guaíba, um megaprojeto de mineração da empresa Copelmi, a qual pretende extrair carvão a céu aberto em uma área localizada a cerca de 16 quilômetros do centro de Porto Alegre. O Apolônio de Carvalho não é, aliás, o único assentamento de Reforma Agrária ameaçado pela mineração no Rio Grande do Sul. Segundo levantamento realizado pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), há pelo menos 88 assentamentos, localizados na Região Metropolitana de Porto Alegre e na área do bioma Pampa, no extremo sul do estado, com áreas sobrepostas a grandes projetos de mineração. Mais de quatro mil famílias, que vivem e produzem hoje nesses assentamentos, podem ser afetadas pela mineração.

A aliança entre a mineração, o agronegócio e seus braços midiáticos se materializa com a nomeação de Tarso Teixeira para o Incra. Ainda conforme o levantamento do MAM, o número de famílias atingidas pode ser ainda maior, pois mais de cem assentamentos em solo gaúcho não têm georreferenciamento.  Como esses assentamentos não possuem titulação, observa Victor Salgueiro, que coordenou o levantamento, qualquer negociação com as mineradoras tem que ser feita por meio do Incra, que é quem detém a propriedade das terras. Os assentados têm só a posse. Neste processo, diz o militante do MAM, o Incra, na prática, vem sendo aliado das mineradoras porque abriu espaço dos assentamentos para pesquisa pelas empresas do setor, assim como já ocorreu em outras regiões.

Há uma disputa por território em jogo. Os ruralistas gaúchos até hoje não engolem a expansão dos assentamentos no estado. Tarso Teixeira prometeu passar um “pente-fino” nos assentamentos que ocupam cerca de 294 mil hectares, distribuídos por 98 municípios do Rio Grande do Sul. O novo dirigente do Incra, que presidiu o Sindicato Rural de São Gabriel por 15 anos, é uma das principais lideranças ruralistas no RS. Foi nessa cidade que, em 2009, o sem-terra Elton Brum da Silva foi assassinado com um tiro de fuzil pelas costas pela Brigada Militar, durante uma ação de reintegração de posse em uma ocupação do MST.

No dia 26 de setembro de 2018, o Tribunal de Justiça do RS manteve a sentença do júri que condenou o policial militar Alexandre Curto dos Santos, em setembro de 2017, a 12 anos de prisão em regime fechado e perda de cargo, pelo assassinato de Elton. Na mesma decisão, os desembargadores também determinaram a prisão imediata do policial. Naquele mês, foi concedida uma liminar que garantiu a liberdade do PM. Essa liminar foi cassada alguns dias depois, mas, em março de 2018, o Superior Tribunal de Justiça determinou sua soltura. Condenado em segunda instância, o brigadiano segue em liberdade. O MST assinala que o PM conseguiu se aposentar, recebendo uma pensão de mais de R$ 10 mil. Enquanto isso, a família de Elton recebe do estado o equivalente a dois terços do salário mínimo da época do crime, algo em torno de R$ 600,00.

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