OPINIÃO

Beijem-se

Por Moisés Mendes / Publicado em 29 de outubro de 2019

Prefeita de Bogotá Claudia Lopez beija sua companheira a senadora Angélica Lozano

Foto: Reprodução Vídeo

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O beijo dessa foto expressa um ato político em seus mais amplos sentidos. É um beijo que corre o mundo. Beijaram-se, e beijaram-se muito e demoradamente, as colombianas Claudia López e Angelica Lozano.

As duas comemoravam a eleição de Claudia para a prefeitura de Bogotá no domingo. O Brasil discute se o Rio vai reeleger o ultrarreacionário Marcelo Crivella e se São Paulo pode ter como prefeita a bolsonarista Joice Hasselmann.

E a estigmatizada Bogotá nos diz que é possível eleger uma mulher de lutas históricas contra as alianças de políticos e traficantes. Assumidamente lésbica. Militante de todas as liberdades. Claudia foi senadora. Angelica, a sua companheira, é senadora.

O beijo já é histórico e pode ser a melhor expressão, pela força simbólica, do que aconteceu nas eleições recentes na Colômbia, no Uruguai, na Argentina, na Bolívia. As frentes progressistas continuam avançando, como acontece no Chile.

Não há em nenhum desses países algo semelhante, minimamente parecido com a dimensão assumida pela extrema direita no Brasil. Na Argentina, onde Alberto Fernández e Cristina Kirchner venceram no primeiro turno, um nome do fascismo assumido não conseguiu nem concorrer.

Alejandro Biondini não obteve, nas prévias de agosto, o mínimo de 1,5% dos votos para participar da eleição. O conservadorismo argentino o rejeitou como figura da extrema direita.

No Uruguai (onde Daniel Martinez, da Frente Ampla, e Luis Laccalle Pou, do Partido Nacional, vão para o segundo turno), o candidato da extrema direita conseguiu 10% dos votos. É o ex-comandante do Exército Guido Manini Ríos.

Em todos os países latino-americanos, a extrema direita tem o tamanho das minorias, muitas vezes insignificantes, que seus nomes representam, como os 10% de uruguaios que acreditam em Manini Rios. Mas no Brasil eles são mais numerosos, mais violentos, mais ativos e mais impunes.

No Uruguai, ainda durante as prévias, o bilionário Juan Sartori, que tentava se habilitar a candidato pelo Partido Nacional, foi acusado de espalhar fake news contra os próprios blancos ligados a Lacalle Pou. Sartori foi atacado por todos os lados e derrotado nas prévias por Lacalle Pou. O Uruguai não quis saber do seu xerox de Bolsonaro.

Na Argentina, a imprensa divulgou durante a campanha muitas informações sobre notícias falsas atribuídas aos macristas. Mas geralmente eram muito mais tentativas de fortalecer a imagem mentirosa de Macri do que ataques a peronistas e kirchneristas.
Tanto Uruguai quanto a Argentina, nas eleições que mais chamaram a atenção nessa primavera, não tiveram a democracia agredida por notícias falsas capazes de interferir nos resultados das votações. Mas o Brasil já teve.

A produção de fake news, com o formato e o tamanho assumidos nas eleições do ano passado – e mantida até agora pelo bolsonarismo –, tem peculiaridades no Brasil.

Aqui a extrema direita é mobilizada por uma família ligada a milicianos. Não há outra família igual no mundo em países sob democracia, mesmo que aparente. Os Bolsonaros são uma aberração tipicamente verde-amarela.

Se Laccale Pou vencer no segundo turno, como indicam as pesquisas, os uruguaios saberão ligar com a alternância no poder. As esquerdas estão há 15 anos no governo com a Frente Ampla. Se a direita histórica dos blancos conseguir formar as alianças que anuncia e for vitoriosa, a democracia terá feito a sua parte. Laccalle Pou nunca será um Bolsonaro.

Só o Brasil tem no poder um grupo com o caráter e a índole de Bolsonaro, seus filhos e seus cúmplices. Em todos os vizinhos, a política no poder caminha da direita ou da esquerda para o centro, como Fernández e Cristina devem fazer na Argentina e Claudia López anunciou que fará, ao avisar logo depois de eleita que deseja pacificar Bogotá.

Maurício Macri, fragilizado pelas prévias de agosto, chegou a andar durante a campanha na direção do que seria um bolsonarismo portenho, elogiando os militares, defendendo os valores morais da família e até falando da ameaça comunista. Não deu certo e ele recuou.

Sebastián Piñera recuou no Chile, quando percebeu que não conseguiria controlar as manifestações, e sacrificou o núcleo político do seu governo e de seu ministério para sobreviver. Piñera não é um Bolsonaro.

Só no Brasil o reacionarismo não recua e não faz concessões para alargar suas bases. O Brasil conseguiu eleger e manter no poder alguém que governa pensando em agradar e manter a fidelidade de menos de 20% do eleitorado.

Bolsonaro governa para os ricos, para a parcela reacionária e ressentida da classe média decadente e para os pobres que pensam ter os mesmos interesses dos ricos e odeiam a classe média e as mulheres que se beijam na boca.

Somos retardatários em tudo. Aqui, Marielle Franco, lésbica, política, militante de esquerda, combatente das milícias, foi assassinada por milicianos. Bogotá enfrentou a extrema direita e as máfias e elegeu a sua Marielle.

 

Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o site do jornal Extra Classe.

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