OPINIÃO

Sobre o projeto de lei da Sedac, que altera a estrutura do Conselho Estadual de Cultura

Por Marise Siqueira e Rozane Dalsasso / Publicado em 13 de dezembro de 2021

Foto: Vinicius Reis/ALRS

Projeto de Lei 418/2021 foi encaminhado à Assembleia Legislativa para ser votado em regime de urgência

Foto: Vinicius Reis/ALRS

Quando um governo se diz democrático, ouve a sociedade, seus fóruns, conselhos e entidades. E além de ouvir, toma decisões que contemplem a maioria das demandas. Não é o que ocorre no Rio Grande do Sul em todos os setores. E na Cultura não foge a regra.

O Governo Leite encaminhou à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul o Projeto de Lei  418/2021, que trata de alterações no Conselho Estadual de Cultura (CEC), para ser votado em regime de urgência – e poderá ser votado ainda nesta terça-feira, 14 de dezembro.

Dos 20 ex-presidentes do Conselho Estadual de Cultura, 18 encaminharam à Casa Civil uma solicitação de retirada do regime de urgência. O próprio CEC votou e aprovou em plenário um ofício para a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) solicitando a retirada do regime de urgência. E cerca de 30 entidades culturais também pediram, em Carta Aberta, a retirada do regime de urgência.

Para que a urgência em votar um projeto que deveria, mas não foi construído com a comunidade cultural, as entidades representativas do setor artístico, os artistas e os Colegiados Setoriais?

De acordo com a Lei do Sistema Nacional de Cultura, o Rio Grande do Sul precisaria fazer é uma reforma estrutural, não um remendo, que é este PL, cuja única alteração positiva é a representação das nove regiões funcionais.

A Sedac pediu sugestões ao Conselho Estadual de Cultura que ouviu vários presidentes de conselhos estaduais de cultura de outros estados, sobre suas legislações e funcionamento, ex-presidentes e conselheiros atuais. Cumpriu o que a Secretaria solicitou e encaminhou suas sugestões. Aliás, propostas estas que também o setor cultural desconhece.

A única audiência pública da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa, proposta pela deputada Sofia Cavedon, ouviu todos os setores. Menos a Sedac, já que a Secretária nem permaneceu na audiência. E todos solicitaram diálogo e democracia para debater um projeto que venha atender às necessidades do Conselho. A gestora da Sedac sequer enviou o PL elaborado, segundo informações, com as sugestões do CEC para o Conselho.

Vamos ao PL 418/2021

  • A proposta da Sedac fala em nove representes da sociedade civil. Entretanto, são doze os Colegiados Setoriais existentes. Quem ficará de fora? E ainda faltam ser criados os Colegiados dos povos originários, da cultura negra e vários outros segmentos da cultura!
  • O PL não explica como será feita a escolha dos representantes da cultura pelas nove regiões funcionais; e se a Sedac resolver nomear/convidar por “notório saber”?
  • A escolha dos representantes da cultura das nove regiões funcionais deve ser por meio de eleições com um cadastro de eleitores do setor cultural por região funcional e um cadastro de candidatos com atuação na cultura a exemplo das eleições para os Colegiados Setoriais;
  • As entidades e os movimentos culturais que devem participar do cadastro devem ter, no mínimo, dois anos de atuação comprovada na cultura. O PL retirou essa necessidade!
  • Cabe ao Conselho que organizar o processo eleitoral por meio de uma Comissão Eleitoral. Sem interferência da Sedac.
  • No mínimo, as entidades ou movimentos devem ter uma atuação regional para se cadastrarem. De acordo com o PL, não necessitam ter abrangência estadual, ou seja, as entidades de abrangência municipal poderão participar, abrindo o leque para um sem número de entidades com atuação  local.
  • A Constituição Federal garante a transparência das gestões, o que requer sessões públicas e transmitidas por mídia eletrônica para possibilitar a assistência às sessões do CEC.

O que diz o Sistema Nacional de Cultura?

O Rio Grande do Sul está em desacordo com o Sistema Nacional de Cultura )SNC), implementado na gestão dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, a partir de 2003. Muitos estados já adequaram seus Conselhos. Confira alguns destaques em relação ao SNC:

– O nome do conselho estadual deveria ser Conselho Estadual de Políticas Culturais. E não é função de um Conselho de Políticas Culturais a análise e a aprovação de projetos de renúncia fiscal;

– A análise de projetos da LIC deveria ser feita por pareceristas selecionados por editais. Uma Comissão Estadual de Incentivo à Cultura, composta por maioria do setor cultural, deveria realizar essa análise a exemplo do que ocorre em nível federal há muitos anos. Uma coisa é o  Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC); outra, é a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC);

– A Lei do Sistema Nacional de Cultura foi aprovada em 2010. O PL 9474/2018, que regulamenta o SNC, deve servir de paradigma para qualquer alteração legislativa nos estados e municípios. O PL se encontra em fase conclusiva na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e, quando aprovada e publicada a lei, vai requerer as devidas alterações nos órgãos gestores. Ou seja, o CEC terá que se adequar ao SNC;

– Para sermos democráticos e atender os princípios e as diretrizes do SNC, os e as Conselheiras devem ser eleitos(as) por eleição direta. A indicação por entidades não ocorre, em sua maioria por eleição direta em suas próprias entidades;

O exemplo de Porto Alegre

Em Porto Alegre, não há o sistema de renúncia fiscal e os projetos do Fumproarte são analisados pela Comissão de Avaliação e Seleção (CAS) desde 1993. O Conselho Municipal de Cultura se dedica à implementação de políticas Culturais, luta por orçamento da cultura e pela realização de conferência. O Sistema Municipal de Cultura foi implementado a partir de 1993 e foi um dos exemplos seguidos pelo Ministério da Cultura, quando ele existia e o atual governo federal desmontou;

O Conselho Estadual de Políticas Culturais deveria propor políticas públicas de Cultura, auxiliar o Sistema Estadual de Cultura na estruturação de Conselhos Municipais de Cultura, Fundos Municipais de Cultura e Conferências Municipais de Cultura, propor editais ao FAC- Fundo de Apoio à Cultura e fiscalizar o executivo. São reflexões, fruto de muitas Conferência de Cultura e encontros setoriais com o setor cultural que trazemos para o debate!

Confira a carta enviada por representantes do Conselho:

Ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Rio Grande do Sul

Porto Alegre, 24 de novembro de 2021

Senhor Governador Eduardo Leite:

Nós abaixo assinados, 18 (dezoito) ex-presidentes do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul, vimos por meio desta solicitar uma audiência com Vossa Excelência para tratarmos sobre a retirada do Regime de Urgência do Projeto de Lei 418/2021, conhecido como PL do CEC. Tal pedido se dá em apoio à decisão do Conselho, no mesmo sentido, conforme Ofício 072/2021 – CEC/RS (em anexo), encaminhado à Assembleia Legislativa.

O projeto em questão altera profundamente a estrutura do Conselho Estadual de Cultura e não foi devidamente debatido com a comunidade cultural do Rio Grande do Sul, tampouco com o próprio Conselho.

Além disso, a Justificativa enviada pelo governo à Assembleia Legislativa não expressa a realidade, pois, dentre outras informações incorretas, dá a entender que atendeu às sugestões enviadas pelo Pleno do Conselho, induzindo os parlamentares a concluir que o CEC/RS esteja de acordo com o PL apresentado, o que não corresponde à verdade.

Certos da sua compreensão, reiteramos a necessidade de que seja retirado o caráter de urgência na votação do Projeto de Lei 418/2021 e que sejamos recebidos por Vossa Excelência com a maior brevidade possível.

Sem mais para o momento, subscrevemo-nos.

Airton Ortiz
Antônio Carlos Côrtes
Cícero Alvarez
Dael Rodrigues
Dilan Camargo
Fernando Otávio Miranda O’Donnell
Gilberto Herschdorfer
Guilherme Castro
Ivo Benfatto
José Edil de Lima Alves
Loma Berenice Gomes Pereira
Luiz Paulo Faccioli
Marco Aurélio Alves
Maria Valesca Santos de Assis Brasil
Mariangela Grando
Maturino da Luz
Neidmar Roger Charão Alves
Paulo Flávio Ledur


Marise Siqueira é gestora cultural e diretora da Associação Cultural Articula Dança RS e do Fórum Nacional de Dança; e Rozane Dal Sasso é conselheira municipal de Cultura de Porto Alegre, professora e gestora cultural.

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