OPINIÃO

Sessenta

Por Luis Fernando Verissimo / Publicado em 2 de maio de 1998

Sessenta de Luis Fernando Verissimo

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

Os sessenta anos de uma organização e os sessenta anos de uma pessoa só se parecem porque são provas inegáveis de que as duas continuam vivas. Fora isso, tudo é diferente. Aos sessenta anos uma pessoa sente que está na hora de começar a parar, uma organização sente que está com mais vigor do que nunca. Aos sessenta anos uma pessoa não faz mais o que fazia antes e uma organização pode muito mais do que podia antes. Isso sem falar no óbvio, que uma organização não perde os cabelos e não lembra letras de velhas canções enquanto não consegue se lembrar do que comeu no almoço. Não posso oferecer nenhum tipo de solidariedade sexagenária ao SINPRO/RS. Portanto, já que nossos sessenta anos são muito diferentes, só admiração, e parabéns.

Prognósticos

E a seleção? Nosso consolo é que é sempre assim. Em 94 a seleção saiu daqui tão desacreditada que muita gente só abandonou o pessimismo quando o Baggio chutou aquele pênalti para fora. Tão desacreditada que alguns ainda não acreditam. – já estou vendo. Vamos repetir o vexame de 94. – Mas em 94 nós ganhamos!

– Detalhe.

Não sei se confere, mas acho que a única vez ein que o Brasil viajou para uma Copa firmemente convencido de que não perderia foi em 82. Aquele timaço, aquele futebol bonito e ofensivo do Telê…

Tinha que ter nos dado a Copa na chegada, dispensando a formalidade dos jogos. Insistiram em manter a tabela e foi aí que nos demos mal. Desde então o Brasil se previne contra o triunfalismo precoce e prefere exagerar no desânimo. Nunca mais acreditaremos com a mesma inocência de 82. Nunca mais nos pegarão com o coração desprevenido como nos pegaram na Espanha.

Depois da decepção com o Telê em 82 – que se repetiu em 86, mas aí ele não era mais uma unanimidade – não só não confiamos mais em nenhum técnico como concentramos neles todas toda a nossa angústia. Todos os técnicos depois do Telê pagaram pela desfeita da seleção de 82. Lazaroni era odiado. Não adiantou o Parreira vencer a Copa dos Estados Unidos. Continuou sendo culpado, não importa de quê. Agora nossos piores prognósticos se chamam Zagalo.

E o Zagalo, também não ajuda. Se não fosse a sua empáfia ele poderia invocar tudo o que tem a seu favor – passado, sorte e o fato de que nunca jogos de preparação foram prenúncios do que o Brasil faria de certo ou errado em copas – e pedir calma. Mas Zagalo parece gostar de irritar. Talvez seja estratégia. Não dá para negar que se a idéia é desacreditar tanto a seleção que ela acabe repetindo 94, a primeira parte do plano está sendo um sucesso.

A Bola

O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro. Agora não era mais couro, era de plástico. Mas era uma bola.

O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “Legal!” Ou o que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à cura de alguma coisa.

– Como é que liga? – perguntou

– Como, como é que liga? Não se liga.

O garoto procurou dentro do papel de embrulho.

– Não tem manual de instrução?

O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros.

– Não precisa manual de instrução.

– O que é que ela faz?

– Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela.

– O quê?

– Controla, chuta…

– Ah, então é uma bola.

– Claro que é uma bola.

– Uma bola, bola. Uma bola mesmo

– Você pensou que fosse o quê?

– Nada, não.

O garoto agradeceu, disse “Legal” de novo, e dali a pouco o pai o encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado, manejando os controles de um videogame. Algo chamado Monster Ball, em que times de monstrinhos disputavam a posse de uma bola em forma de blip eletrônico na tela ao mesmo tempo que tentavam se destruir mutuamente. O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina.

O pai pegou a bola nova e ensaiou algumas embaixadas. Conseguiu equilibrar a bola no peito do pé, como antigamente, e chamou o garoto.

– Filho, olha.

O garoto disse “Legal” mas não desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola com as mãos e a cheirou, tentando recapturar mentalmente o cheiro de couro. A bola cheirava a nada. Talvez um manual de instrução fosse uma boa idéia, pensou. Mas em inglês, para a garotada se interessar.

 

Luis Fernando Verissimo colabora mensalmente com o Extra Classe desde 1996.

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