OPINIÃO

As contas simples

Luis Fernando Verissimo / Publicado em 3 de junho de 2001

A diferença entre simplismo e simplicidade é que o simplismo despreza os detalhes que o desmentiriam e a simplicidade dispensa os detalhes que a esconderiam. Seria um simplismo dizer que essa crise de energia é a antiapoteose – escuridão, gemidos e caras feias em vez de luzes, música e vedetes coxudas – de um governo e de um modelo falidos, que não têm mais nada a fazer senão saírem de cena sob vaias e repolhos. Há detalhes atenuantes. Grande parte da culpa por esta situação é mesmo da meteorologia. Não choveu o suficiente no dia das últimas eleições presidenciais, o que poderia ter desencorajado muita gente de ir votar no Éfe Agá e evitado sua reeleição, com efeitos imediatos na nossa política energética. Não caiu um raio admonitório em Brasília no dia em que decidiram que a equipe e o modelo econômico continuariam, e continuaríamos presos ao “grid” de prioridades do FMI até o último toco de vela. Uma ventania não varreu de cima de nenhuma mesa ministerial os planos para o setor elétrico, que consistiam em dar para investidores estrangeiros tudo que já havia de rentável e confiar os novos investimentos necessários ao seu altruísmo e espírito público. E os meteorologistas também não cooperam. Nenhum anunciou muita chuva, nenhum sugeriu sequer um pequeno alívio da estiagem para ajudar o governo. Não estou convencido nem da inocência da Patrícia Poeta e o tempo hoje nesta questão, que obviamente não se deve só à incompetência oficial.

Mas se devemos evitar simplismos injustos, não há como não condenar o governo com contas simples. Com o elementar dois mais dois – ou, no caso, zero mais zero – do dinheiro não aplicado, da medida não tomada, da emergência conhecida mas desdenhada, da imprevidência criminosa camuflada de austeridade ou atribuída ao acaso – ou, como fez o Éfe Agá, espantosamente, a ministros do PFL, o que daria no mesmo. A maior carência do sistema elétrico hoje em colapso é na distribuição da energia. O dado que condena este governo e este modelo além de qualquer atenuante ou compreensão é o da distribuição de renda, que piorou em oito anos. Quer dizer: a crise também tem a simplicidade didática das metáforas.

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