OPINIÃO

Ai das palavras

Por Fraga / Publicado em 29 de abril de 2006

As palavras sofrem. Híbridas ou não, surgem plenas de vitalidade expressiva, prontas para dizer a que vieram. Por um tempo incerto – ninguém sabe a sobrevida de um determinado vocábulo – se animam a animar oralidades e escritas. De colóquios a solilóquios, só querem ser proferidas e, se der, as preferidas no linguajar.

No início, cada palavra empresta vigor articular a tudo. Vão a discursos, textos literários, declarações amorosas, papos-furados, sempre dispostas e disponíveis. Prestativas, assimilam entonações apropriadas a cada ocasião. Uma palavra que saiba a sua serventia, como a palavra serventia, se reveste de vários sentidos. E assim passam pelo esplendor de externar qualquer coisa, até tentativas filosóficas do indizível. Sem cobranças de ênfase, queixas por contusões ortográficas, passivas na má pronúncia.

Aos poucos, porém, ficam alquebradas, como a palavra alquebrada. Essa se alquebrou há tanto tempo que, agora, quando encontra a palavra empertigada, nem se cumprimentam. Empertigada não perde por esperar. E incontáveis outras querem voltar a circular, serelepes e fagueiras, de boca em boca. Mas, serelepe e fagueira já perderam o brilho juvenil. Alguma gíria recente corre por aí, muito a fim do espaço.

Então, o desamparo. Com o desuso, soam mal, destoam no emprego, geram heins e oquês, truncam a comunicação. Às coitadas, só resta a reclusão em dicionários antigos e enciclopédias desatualizadas. Jogadas ao ostracismo (te cuida com o ostracismo, ostracismo!), emudecem. Advêm silenciosas complicações, que afetam sua estrutura e desempenho. Como se do asilo em páginas de outrora viesse a alergia a novos tempos.

Como diz o meu amigo Sérgio Batsow, até choque de gerações as palavras passam a enfrentar. Ele tem razão: hontem e ontem não têm sintonia. Claro, um padece de asthma, o outro de asma; se nem harmonia há no sofrimento, imagine no dever e prazer. Enfim, não bastasse a homofonia ser machucada pela homografia, aflições psicológicas levam os termos a termo.

Já na velhice, caquéticas como a palavra caquética, vêm as deficiências típicas: perdem conotações, grafias caducam, falham conjugações, articulações endurecem (sílabas mal separadas jamais se ligam como antes). E num alzheimer etimológico, esquecem raiz e significados. Estressam, enfartam. Desesperadas, querem soar e procuram leitos de idosos. Vai que um, no derradeiro monólogo, precise de algo como cáspite? Van esperança. Viram? Só revisores sensíveis as compreendem. Por isso as palavras enlouquecem nossas idéias aqui e ali. Aqui, principalmente.

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