OPINIÃO

O risco

Um dos meus dezessete leitores, o Leitor Mais Atento, deve ter desconfiado que eu não estava aqui nas últimas semanas.
Publicado em 18 de março de 2009

Um dos meus dezessete leitores, o Leitor Mais Atento, deve ter desconfiado que eu não estava aqui nas últimas semanas. Pelo menos o temível LMA, que nota tudo, deve ter notado que meus perspicazes, pertinentes e sempre atuais comentários sobre os fatos do mundo foram substituídos por textos sobre nada, que deixei prontos para poder viajar. O risco deste recurso, claro, é acontecer alguma coisa como a morte de um papa na nossa ausência e o leitor estranhar a solene indiferença do colunista ao fato. Uma vez fui passar duas semanas fora do Brasil, começando com uma semana em Nova York, e deixei as colunas prontas. Chegamos a NY num domingo e na terça-feira derrubaram as torres do World Trade Center. “O Globo” e o “Zero Hora” de Porto Alegre aproveitaram as matérias que passei a mandar de lá, mas outros jornais do país continuaram a publicar as que eu tinha deixado, sobre nada, e até poder me explicar fui visto como o jornalista mais alienado do mundo. O lado positivo desse estratagema perigoso é que ele tem sido responsável pela minha regeneração espiritual. Cada vez que viajo e deixo colunas adiantadas, começo a rezar com fervor pela boa saúde do papa.

Correntes

Uma das razões da minha última ausência foi a participação na Correntes d’Escritas, um encontro literário que acontece todos os anos em Póvoa de Varzim, a poucos quilômetros de Porto, Portugal, e que este ano reuniu mais de cem escritores, editores, agentes e pessoas ligadas aos livros e às artes editoriais para comemorar seus 10 anos de existência. Póvoa de Varzim, além de ser a terra natal do Eça de Queiroz, já tem esta tradição de reunir gente de Portugal, da Espanha, da América Latina e da África para tratar de literatura e conviver à beira-mar, plantados. Neste ano o time brasileiro incluía Moacyr Scliar, Luiz Antonio de Assis Brasil, Adriana Lisboa, Antonio Cícero, Amílcar Bettega, Lêdo Ivo, Daniel Galera, Eucanaã Ferraz, Ivan Junqueira, João Paulo Cuenca e eu. Dias lindos, pouco frio, e não envergonhamos a pátria.

Presságios

Não sei se é novidade, mas o que mais me impressionou no desfile das Escolas de Marcha na Sapucaí este ano foi o ativismo nas alegorias. Os figurantes, que antes ficavam nos seus lugares sobre os carros alegóricos com a única obrigação de rebolar, agora entram e saem e descem e sobem e interagem o tempo todo com o cenário e com o pessoal do chão. Acabou a folga das estátuas vivas. Fora isso, nada nos desfiles prenunciava a crise que se aproxima. Me perguntaram se o luxo das escolas não lembrava, na sua ostensiva indiferença, a maus presságios, o último baile da Ilha Fiscal. A analogia é boa, mas não é exata. O baile simbolizou o fim de um regime que não se reconhecia em crise, de um carnaval inconsciente. O que as Escolas de Marcha, porque aquilo não é samba, repetem todos os anos é que as crises vêm e vão e os presságios sempre são ruins, mas não interessa. Interessa é brilhar.

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