OPINIÃO

Uniformes nas escolas: exigência republicana

Por Marcos Rolim / Publicado em 10 de outubro de 2014

Houve um tempo em que crianças e adolescentes usavam uniformes nas escolas. Notadamente na rede pública, o uso de uniformes foi regra observada e incontroversa. Passaram-se os anos e os uniformes fo­ram sendo abandonados. Recentemente, vários municípios brasileiros têm desenvolvido programas para o uso de uniformes escolares.

Cabe então perguntar: afinal, o uso obrigatório de uniformes por estudantes dos níveis fun­damental e médio é algo importante? Exigir o uso do uniforme pode agregar vantagem para as escolas, os alunos ou mesmo para as comunidades?

As evidências disponíveis autorizam a concluir que sim. O pri­meiro ponto importante é a redução das possibilidades de que as diferenças de renda das famílias promovam signos de distinção nas escolas. Crianças e adolescentes pobres também vivem sob intensos apelos de consumo. Não possuir determinados pro­dutos ou não ostentar certas grifes são circunstâncias asso­ciadas pela publicidade à própria infelicidade.

As opor­tunidades de humilhação dos mais pobres aumentam, portanto, quando os estudantes podem vestir o que desejam nas escolas. O desafio maior da educação é o de propiciar possibilidades igualitárias de acesso à cultura universal e à reflexão crítica, razão pela qual a reprodução das identidades proposta pelo mercado assinala novo e surpreendente obstáculo a uma educação republicana.

"Com os uniformes, estimulamos uma noção de ‘pertencimento’ dos alunos, um tipo de identidade que reforça a solidariedade entre eles e que tende a ‘disputar’ com outras identidades adolescentes possíveis"

Ilustração: Pedro Alice

“Com os uniformes, estimulamos uma noção de ‘pertencimento’ dos alunos, um tipo de identidade que reforça a solidariedade entre eles e que tende a ‘disputar’ com outras identidades adolescentes possíveis”

Ilustração: Pedro Alice

Com os uniformes, estimulamos uma noção de “pertencimento” dos alu­nos, um tipo de identidade que reforça a solidariedade entre eles e que ten­de a “disputar” com outras iden­tidades adolescentes possíveis. Como sabemos, algumas das identidades juvenis alternati­vas agregam riscos sérios.

Ser membro de uma gangue, de uma torcida organizada vio­lenta ou de um grupo que trafica drogas são situações comuns no Brasil, não apenas em áreas de ex­clusão. Muitos de nossos adoles­centes são atraídos pelas possibi­lidades de reconhecimento e autoria que esses grupos lhes oferecem.

Também por isso, fortalecer a identidade dos adolescentes enquanto estudantes tende a agregar benefícios importantes quanto à segurança pública.

O Manual sobre Uniforme Escolar (Manual on School Uniforms) pre­parado pelo U.S. Department of Education e pelo U. S. Department of Justice, nos EUA, por exemplo, sintetiza os resultados de muitas pesquisas assinalando que a obrigação do uniforme auxilia a promoção da segurança nas escolas, melhora a disciplina e fortalece um ambiente de aprendizado. Os benefícios potenciais envolvem os seguintes elementos:

a) diminuição da violência e das ocorrências de furtos e roubos de estu­dantes visados por roupas “de marca” e tênis caros;

b) ajuda na prevenção à formação de gangues que usam roupas com cores de identificação e insígnias na escola;

c) estímulo à disciplina entre os estudantes;

d) ajuda aos pais e aos estudantes na resistência às influências negativas definidas como “pressão dos pares” (peer pressure);

e) ajuda aos estudantes para uma melhor concentração em suas atividades acadêmicas e

f) ajuda aos seguranças e policiais para o reconhecimento de intrusos nas escolas.

Tais observações têm sido compartilhadas por muitos pe­dagogos e pela grande maioria dos especialistas em segurança pública no mundo. No caso brasileiro, talvez tenhamos ainda mais razões. O uso de uniformes pode oferecer alguma pro­teção a milhares de estudantes tratados como “suspeitos” pelo simples fato de serem jovens, pobres e/ou negros.

Para um garoto que more em uma área de periferia, seu deslocamento pelas ruas pode ser algo espe­cialmente perigoso – notadamente em circuns­tâncias onde a polícia surge como uma força de intervenção armada e onde há grupos de jovens atuando no tráfico.

O uso de uni­forme escolar no percurso entre casa e escola reduz as chances de abordagens violentas sobre os jovens e os riscos de serem atingidos por disparos efetuados por policiais.

Outro aspecto positivo do uso de uniformes esco­lares é a natural restrição quanto à exposição inde­vida do corpo de crianças e adolescentes. Uniformes são também um modo de assegurar roupa adequada em ambiente acadêmico. Saltos altos, decotes pronunciados, minissaias ou – no caso dos meninos – camisetas cavadas ou calças que exibem proposital­mente suas cuecas podem ser comuns em outros espaços, mas não deveriam ser aceitos nas escolas.

A regra do uniforme, no mais, desobriga as direções, professores e funcionários de atuarem como “polícia dos costumes” diante de abusos ao vestir.

 

* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

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