OPINIÃO

Convergência de crises ameaça o planeta

Por Marco Weissheimer / Publicado em 8 de março de 2016

Quando o Fórum Social Mundial (FSM) nasceu, em 2001, em Porto Ale­gre, a América Latina vivia sob a hegemonia das políticas neoli­berais, que se expandiram para praticamente todas as regiões do planeta. A criação do FSM foi o movimento mais vigoroso da es­querda internacional para reto­mar a iniciativa em escala global, desde a queda do Muro do Berlim, em 1989. Foi um período de triun­fo para o capitalismo liberal que levou alguns pensadores mais eu­fóricos, como Francis Fukuyama, a decretar o fim da história. Mas a história é teimosa e decidiu não terminar. Quinze anos se passa­ram desde a primeira edição do FSM. O movimento altermundista perdeu força política, mas as cri­ses globais se agravaram em vá­rias direções gerando um quadro de convergências de crise de na­tureza econômica, social, política e ambiental que ameaçam a paz e o equilíbrio natural do planeta.

2016 será um ano de balanço para as organizações que partici­pam do Fórum Social Mundial. O primeiro momento desse balanço ocorreu em janeiro, em Porto Ale­gre, no Fórum Social Temático, que reuniu cerca de 10 mil pessoas em uma semana de debates, reuniões e atividades culturais. Ao final do encontro, a assembleia dos movi­mentos sociais aprovou a Carta do Fórum Social Temático 2016, que procurou sintetizar os diagnósticos e balanços feitos nos debates. Lon­ge de reconhecer como resolvidos os problemas apontados em 2001, o documento avalia que o capita­lismo encontra-se em uma de suas piores crises e as medidas que vêm patrocinando para superar o cená­rio podem agravar ainda mais o quadro de desigualdade no mun­do, ampliando também a supres­são de direitos.

 

Ataque aos direitos do trabalhador

Citando uma estimativa da Oxford Committee for Famine Relief – Comitê de Oxford para Alívio da Fome (Oxfam), na Inglaterra, as organizações sig­natárias da Carta assinalam que, no ritmo atual, o 1% mais rico do mundo possuirá, até o final de 2016, mais capital que 99% da população do planeta inteiro. O ambiente político-econômico global que deu origem ao FSM, por­tanto, permanece exigindo uma articulação internacional capaz de propor uma alternativa ao modelo neoliberal que segue hegemônico. Um dos pon­tos mais destacados nas intervenções feitas na Assembleia dos Movimentos Sociais foi o ataque ao mundo do trabalho e dos direitos que vem sendo promovido pelo grande capital como saída para a crise. As progressivas ameaças de precarização do trabalho e supressão de direitos, aponta a car­ta, devem se intensificar ao longo deste ano, exigindo máxima unidade e capacidade de mobilização por parte das organizações dos trabalhadores.

A subordinação das nações e das sociedades ao capital financeiro foi outro ponto destacado no documento aprovado na assembleia. O presiden­te da seção gaúcha da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Claudir Nespolo, defendeu a proposta da incorporação imediata na agenda de lutas das organizações que participam do Fórum Social Mundial do debate sobre a auditoria da dívida. “Temos que enfrentar esse tema como enfrentamos a agenda da Área de Livre Comércio das Américas (Alca)”, defendeu o sindica­lista. Guiomar Vidor, presidente, no Rio Grande do Sul, da Central dos Traba­lhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB), citou a previsão feita no Fórum Econômico Mundial, de Davos, segundo a qual a quarta revolução industrial, baseada na evolução tecnológica da internet, eliminará cerca de 5 milhões de empregos no mundo. Mais do que nunca, defendeu Vidor, se justifica a luta para suplantar o capitalismo.

“Lutas atuais são de caráter defensivo”, diz Boaventura

Essa “quarta revolução industrial” foi o tema central da edição deste ano do Fórum de Davos. Além da perda de 5 milhões de empregos nos próximos cinco anos em todo o mundo, essa nova revolução industrial deverá provocar “grandes perturbações não só no modelo dos negócios, mas também no mercado de trabalho nos próximos cinco anos”, indica um estudo do Fórum Econômico Mundial. Ainda segundo esse estudo, depois da primeira revolu­ção (com o aparecimento da máquina a vapor), da segunda (ele­tricidade, cadeia de montagem) e da terceira (eletrônica e robóti­ca), teremos agora a quarta revolução industrial que combinará numerosos fatores como a internet dos objetos ou a big data para transformar a economia.

Ao fazer um balanço dos 15 anos de FSM, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos chamou a atenção para o fato de que, em 2001, o Fórum promoveu lutas ofensivas como um contraponto ao Fórum de Davos. Agora, em 2016, assinalou, essas lutas têm um caráter defensivo. “Os movimentos populares chegaram ao poder”, assinalou, “e concluíram que tinham um amigo no governo e des­cansaram. É preciso defender, mas a melhor maneira de defender é atacar”, afirmou Boaventura, argumentando pela retomada das mobilizações e das articulações sociais para enfrentar a ofensiva conservadora em curso em várias regiões do mundo. A segunda etapa desse balanço ocorrerá de 9 a 14 de agosto, em Montreal, no Canadá, durante o Fórum Social Mundial 2016.

 

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