OPINIÃO

Ele está de volta

Por Marcos Rolim / Publicado em 12 de maio de 2016

“O potencial maléfico de uma propaganda feita em sintonia com preconceitos e que estimula a violência encontra, nas modernas tecnologias de informação, espaços que os regimes totalitários – como os de Hitler e Stálin – não poderiam sequer sonhar. Os meios de comunicação social, se apropriados por uma lógica exclusivamente comercial, tendem a reforçar os discursos estereotipados, exatamente aqueles que podem assegurar audiências mais amplas”.

O filme Ele está de volta, disponível na Netflix, apresenta o retorno de Adolf Hitler à Alemanha de hoje e as repercussões desta misteriosa aparição. Para compor o argumento, o Fürher simplesmente ressurge em Berlim, em 2014. Baseado no livro homônimo de Timur Vermes (Intrínseca, 304 p.), o filme é uma sátira sobre as possibilidades mobilizadoras de um discurso fascista na Europa.

Os pronunciamentos de Hitler são compreendidos como os de um comediante e suas aparições na TV o transformam em celebridade. Ao conversar com as pessoas, ele vai identificando pontos de contato entre o seu pensamento e valores disseminados. A mensagem final é bastante clara: personagens como Hitler e o mal que eles simbolizam são sempre a expressão histórica de fenômenos sociais mais amplos como o medo, os preconceitos, a ignorância e a intolerância.

Ele está de volta

Foto: Divulgação

Comédia alemã satiriza Hitler e assusta ao desconectar o Führer da barbárie

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O roteiro acertou ao colocar Hitler em contato com a TV e a internet, porque o nazismo, como fenômeno político e cultural, sempre apostou muito na propaganda e na mobilização das “massas”. Goebbels foi, neste particular, um marqueteiro avant la lettre.

O fato é que o potencial maléfico de uma propaganda feita em sintonia com preconceitos e que estimula a violência encontra, nas modernas tecnologias de informação, espaços que os regimes totalitários – como os de Hitler e Stálin – não poderiam sequer sonhar. Os meios de comunicação social, se apropriados por uma lógica exclusivamente comercial, tendem a reforçar os discursos estereotipados, exatamente aqueles que podem assegurar audiências mais amplas.

Proposições autoritárias, que lidam com sentimentos elementares de identificação grupal e que oferecem promessas de ordem, por seu turno, serão tão mais populares quanto menor for a cultura democrática do público. Nesse ponto, o filme é assustador. O roteiro carrega uma distopia implícita, sugerindo que mesmo proposições absurdamente violentas podem encontrar caminhos de legitimação em meio a um público idiotizado.

Não por acaso, o tema dos imigrantes aparece com destaque. Hitler retorna a uma Alemanha que já não persegue judeus, mas que vê nos muçulmanos e nos imigrantes ameaças reais que demandam medidas de exceção. Um dos cidadãos com quem o protagonista conversa chega a sugerir campos de concentração como resposta pública.

As prévias americanas projetaram a figura do empresário Donald Trump, que poderá ser o candidato dos republicanos à presidência e que tem sustentado posições xenófobas, como a construção de um muro na fronteira com o México e a proibição da entrada de muçulmanos no país. Suas posições racistas e misóginas estão sintonizadas com muitos preconceitos e se voltam contra as conquistas de inclusão e respeito às minorias. Trump, entretanto, dificilmente seria popular sem a colaboração da mídia.

Ele se tornou muito conhecido quando apresentou na TV o reality show O Aprendiz. A vida privada do magnata tem sido, por outro lado, insistentemente comentada por tabloides americanos especializados em fofocas.

No Brasil, também já temos uma direita fascista que ousa dizer seu nome e cuja referência na política é Bolsonaro. Ele foi eleito pelo Partido Progressista (PP) do RJ, mas mudou para o Partido Social Cristão (PSC) pelo qual deverá concorrer à presidência. Soa como uma peça de humor que um partido que se diz “progressista” tenha abrigado Bolsonaro por tanto tempo, mas mesmo esta farsa pode ser superada quando se descobre que, agora, Bolsonaro representa um partido “cristão”.

Além de ter sido o candidato mais votado em seu estado e estar no sexto mandato em Brasília, Bolsonaro possui três filhos que também são políticos (um vereador e um deputado estadual pelo RJ e um deputado federal por SP). No ano 2000, Bolsonaro sustentou na tribuna da Câmara que eu deveria ser fuzilado.

O motivo: como presidente da Comissão de Direitos Humanos, eu havia ido até a fronteira com a Venezuela, na selva Amazônica, para investigar a denúncia de que índias yanomami estavam sendo violadas sexualmente por militares brasileiros. Comprovei a veracidade das acusações e produzi um relatório que foi enviado ao então presidente Fernando Henrique Cardoso (disponível aqui).

O mesmo relatório foi traduzido para o inglês e remetido a várias ONGs de Direitos Humanos no mundo. Para Bolsonaro, isto significava que eu havia cometido o crime de traição. E os traidores, disse ele, devem ser fuzilados. Na época, tínhamos uma combinação: não deveríamos responder suas provocações, porque isso só as valorizaria. Melhor o silêncio e que ele fosse tratado pelo folclore ou pela psiquiatria. Hoje, há jornalistas que se referem a Bolsonaro como “mito”. Depois de assistir ao filme Ele está de volta, me dei conta de que o espaço político para aquilo que Bolsonaro representa tende a crescer mais do que se imagina no Brasil.

 

* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

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