OPINIÃO

O teste do marshmallow

Por Marcos Rolim / Publicado em 11 de dezembro de 2017

Foto: Reprodução Youtube/Teste do Marshmallow

Foto: Reprodução Youtube/Teste do Marshmallow

Um dos experimentos mais conhecidos na Psicologia contemporânea é o chamado Teste do Marshmallow, desenvolvido pelo psicólogo Walter Mischel e sua equipe, originalmente em 1970, na Escola Bing Nursery da Universidade de Stanford (CA, EUA). Na experiência, crianças entre quatro e seis anos eram conduzidas a uma sala onde recebiam um doce (normalmente um marshmallow).

Os pesquisadores, então, diziam a elas que iriam se afastar da sala por 15 minutos. Caso as crianças não comessem o marshmallow, ganhariam um segundo doce quando do retorno do pesquisador. Se a decisão fosse comer o doce, bastava tocar uma sineta para que o pesquisador retornasse e elas estariam liberadas.

A alternativa oferecida envolvia, assim, a possibilidade de adiar a gratificação mediante o esforço de permanecer sozinho em uma sala (o que é muito difícil para uma criança pequena), em nome de uma recompensa maior.

Uma parte das crianças comia o doce logo após a saída do adulto. Outra parte, entretanto, aguardava pelo seu retorno, com variadas estratégias. Os pesquisadores realizaram, então, um estudo longitudinal, acompanhando os dois grupos por mais de 40 anos. Os resultados foram surpreendentes.

As crianças que aguardaram o retorno dos pesquisadores tiveram melhor desempenho escolar, conquistaram melhores empregos e foram mais saudáveis e mais felizes quando comparadas com o grupo que não conseguiu esperar. No grupo de crianças que foram capazes de adiar a gratificação se observou, também, indicadores bem menores de envolvimento com drogas e com atos criminais, além de menos casos de obesidade.

Mischel realizou seus experimentos em vários países e em contextos culturais e socioeconômicos muito distintos, encontrando as mesmas evidências no acompanhamento das crianças até a idade adulta. Seus estudos mostraram a importância do autocontrole, uma habilidade não cognitiva que se contrapõe à impulsividade.  Pessoas com autocontrole são capazes de adiar a gratificação mediante o esforço. Para elas, é mais simples fazer planos de longo prazo, manter o foco e atuar em conformidade com objetivos definidos racionalmente.

O estudo de Mischel abriu importantes caminhos na Criminologia contemporânea. O conceituado criminólogo americano Travis Hirschi, por exemplo, desenvolveu sua Teoria do Autocontrole, demonstrando o quanto a impulsividade está relacionada com as práticas criminais, situando o tema, assim, como um elemento destacado para as políticas públicas de prevenção.

As evidências encontradas pelo estudo de Mischel são fundamentais, também, para a Educação. Atualmente, sabemos que características não cognitivas como a disciplina, a concentração, a solidariedade, a gratidão e o autocontrole, entre outras, são essenciais para o sucesso escolar e que podem fazer toda a diferença no futuro das crianças.

Alguém poderia, entretanto, perguntar: é possível ensinar uma criança a não ser impulsiva? A resposta é sim, o autocontrole pode e deve ser objeto da pedagogia.

Uma importante evidência a respeito foi encontrada em 2012 quando pesquisadores da Universidade de Rochester (NY, EUA) replicaram o Teste do Marshmallow com uma novidade: formaram dois grupos de crianças e realizaram uma experiência prévia com elas. Um dos grupos foi submetido a uma experiência de frustração diante da palavra empenhada pelos adultos.

O outro grupo teve uma experiência satisfatória de confirmação da palavra empenhada. O que se observou, depois, é que, no Teste do Marshmallow, as crianças frustradas pela palavra de um adulto foram quatro vezes mais impulsivas.

Essa pesquisa comprova que o autocontrole é também influenciado por fatores sociais, sendo a confiança construída na interação com os adultos um dos pontos importantes a valorizar.

Lidar com o futuro pressupõe muitos desafios. Entre os jovens pobres e marginalizados socialmente, a vida tende a transcorrer mergulhada no presente, como uma dimensão quase exclusiva da existência.

Para esses jovens, o passado é algo que merece ser esquecido e o futuro é visto como excessivamente abstrato ou complexo para ser considerado seriamente. A vida mesma passa a se confundir com a fruição de sensações prazerosas e, não por acaso, o consumo de drogas pode aparecer como um substituto para o sentido.

Ter um plano para sua vida – ainda que ele seja refeito inúmeras vezes – pressupõe a capacidade de planejar e de orientar as ações do presente por outra racionalidade. O que ocorre conosco, afinal, não deve ser apenas a expressão do acaso.

Por mais que essa expressão seja algo irredutível, é possível e necessário construir possibilidades e afastar outras. É esse cuidado que poderá tornar o futuro uma dimensão mais generosa para cada um de nós.

A propósito, você tem um plano?  E seus filhos? E seus alunos?

* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

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