OPINIÃO

Educando para a felicidade: a experiência dinamarquesa

Por Marcos Rolim / Publicado em 8 de maio de 2018

Montagem sobre fotos/ Freepik

Montagem sobre fotos/ Freepik

Brincar é uma das primeiras condições da aprendizagem, porque decisiva para o desenvolvimento de  habilidades sociais

Há vários indicadores que medem o desenvolvimento das sociedades. Um deles, proposto pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) das Nações Unidas, mede o nível de bem-estar em uma amostra de 38 países (Better Life Index).

O estudo é feito anualmente com 11 indicadores: moradia, renda, empregos, comunidade, educação, meio ambiente, engajamento cívico, saúde, satisfação pessoal, segurança, vida/trabalho. No cômputo geral de bem-estar, o Brasil ocupa a 34ª posição, superando apenas África do Sul, México, Turquia e Grécia. Nas primeiras posições estão Noruega, Dinamarca, Austrália e Suécia (https://goo.gl/6knFAm).

O indicador de satisfação pessoal do estudo procura medir a perspectiva mais ampla de felicidade, para além dos sentimentos momentâneos das pessoas. O Brasil, nesse ponto, situa-se na média. O maior índice de felicidade é manifesto na Dinamarca, Finlândia, Islândia, Suíça e Noruega (https://goo.gl/E4tozG).

Desde 1973, a Dinamarca lidera o ranking de felicidade, o que desperta o interesse dos pesquisadores. Por que razão os dinamarqueses se destacam nesse indicador? Para além da efetividade dos direitos humanos que marcam o modelo nórdico de Welfare State, haveria algo na educação dinamarquesa que poderia explicar a maior satisfação das pessoas?

Para Jessica Alexander e Iben Sandahl, autoras do livro Crianças Dinamarquesas, o que as pessoas mais felizes do mundo sabem sobre criar filhos confiantes e capazes (editora Fontanar, 2017, 142 p.), é exatamente disso que se trata. Para elas, os dinamarqueses educam seus filhos de uma forma específica, cujos valores e condutas estão na origem da felicidade geral.

Brincar é uma das primeiras condições da aprendizagem e os dinamarqueses entendem que ela é decisiva para o desenvolvimento de habilidades sociais. A interação com outras crianças, de idades diferentes, inclusive, desenvolve as habilidades de negociação e de autocontrole.

“Quanto mais brincarem, mais resilientes e socialmente capazes serão”, afirmam Alexander e Sandahl. As crianças devem brincar sozinhas também. O “faz de conta”, a criação de personagens e vozes permitem que as crianças reinterpretem suas experiências. Não por acaso, um dos brinquedos mais conhecidos do mundo, o Lego, foi inventado por um dinamarquês, em 1935. “Lego” é a abreviação para leg godt que significa “brincar bem”.

O método dinamarquês de educar é marcado por condutas que afirmam uma ética orientada para a integridade e a interação. Uma delas é o “elogio ao processo”. A ideia básica é a de elogiar o esforço das crianças e não suas qualidades pessoais. Ao invés de “Nossa, como você é inteligente! Ninguém resolve um quebra-cabeças assim tão rápido”, o pai ou a mãe dinamarquesa dirá: “Nossa, essa era uma tarefa bem difícil e você chegou ao fim dela.

Adorei a forma como você manteve a concentração e não parou de trabalhar. Muito bem”! Crianças que não são elogiadas pelos pais tendem a ser pouco confiantes em si mesmas, mas crianças que são elogiadas como se fossem portadoras de qualidades especiais tendem a imaginar que não precisam se esforçar tanto, já que seriam “melhores” do que as outras.

Essas crianças podem, inclusive, evitar desafios mais complexos, temendo que eventual fracasso revele que não são tão inteligentes ou habilidosas quanto seus pais sempre disseram. Elogiar o processo, ao invés de qualidades inatas, transmite uma mensagem totalmente diversa. Com ela, as crianças começam a firmar a noção de que podem alcançar muito quando perseveram na busca de seus objetivos.

Na mesma linha, os dinamarqueses lidam com uma técnica que as autoras chamam de “reenquadramento”. Trata-se de estimular as crianças a perceber a realidade sob múltiplos ângulos, evitando a redução de uma experiência, por exemplo, a uma dimensão negativa. Isso produz um uso cuidadoso da linguagem, para não reproduzir estereótipos. O desafio é separar os indivíduos dos seus atos. Se o coleguinha fez uma coisa ruim, é aquele ato que é ruim, não o coleguinha. Pessoas erram e devem corrigir seus erros.

O mundo, em síntese, não está dividido entre os que erram e os que acertam. Essa compreensão evita que a linguagem se transforme em uma sentença. Crianças que ouvem seus pais dizerem coisas do tipo: “você é egoísta”, “você é preguiçoso” ou “nosso filho detesta matemática”, “nossa filha não gosta de ler”, terão, seguramente, uma boa chance de acreditar nisso, caminho pelo qual tais frases se transformam em profecias que se autocumprem.

Esses são apenas alguns dos temas abordados por Alexander e Sandahl. No Brasil, não temos uma formação especial para paternagem/maternagem, o que significa que os adultos costumam agir em relação as suas crianças de forma instintiva e, muito frequentemente, repetindo os padrões pelos quais eles mesmos foram educados. Essa característica integra a receita pela qual os padrões de desigualdade são reproduzidos e perpetuados. Também por essa razão, o livro mencionado pode cumprir um importante papel entre nós, não apenas para pais e mães, mas também para professores.

 

* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

Comentários