OPINIÃO

O golpista cai na fila que ele criou  

Por Moisés Mendes / Publicado em 29 de maio de 2018

O golpista cai na fila que ele criou

Foto: Marcelo Camargo / Abr

Foto: Marcelo Camargo / Abr

Os golpistas nunca imaginaram que empurrariam o Brasil para filas em postos de gasolina. O golpe iria salvar a Petrobras. Mas os brasileiros que se encontram nas filas, onde todo mundo se mistura com a mesma demanda urgente, só têm isso de convergência e semelhanças de interesses, projetos e sonhos.

No resto, e que resto, as filas apenas expõem nossas fraquezas diante do golpe e a reafirmação de nossas diferenças, nossos caráteres e egoísmos. Não é uma fila do SUS, uma fila por emprego, por uma vaga por cota na Universidade, muito menos uma fila por uma cama num albergue.

É a fila pela gasolina de todos os que têm carro. As filas forçam a convivência de pessoas que o golpe não queria que convivessem mais tão de perto. O dono do carrinho 1.0, que chegou a viajar de avião no tempo de Lula e Dilma, encontra-se com o cara do camionetão.

E o sujeito do camionetão, que se incomodava com o cara do carrinho 1.0, está lá, como um qualquer, na mesma expectativa pela chegada do caminhão que não chega nunca com a gasolina.

As filas promovem amizades em meio ao caos, como se o Brasil fosse, como disseram um dia, uma bela terra sem conflitos. As filas camuflam a guerra de classes que o golpe expôs e nunca mais conseguiu esconder.

Gente que nunca entra em fila compete, em igualdade de condições, pela gasolina que o Chevette rebaixado também quer beber. O Brasil do golpe achinelou sua elite no constrangimento de uma fila para que possa voltar a circular.

Muita gente-de-bem das passeatas, das panelas e da aversão às cotas, ao Bolsa Família e ao ProUni frequenta o mesmo espaço democrático de todos os desatinados com a greve dos caminhoneiros.

Os bacanas da direita são jogados num cenário em que eles não queriam estar, com o pobre (ou que um dia chamaram de classe média em ascensão) bem ao seu lado, dividindo a mesma emergência. O camionetão do golpista, sem gasolina, vale agora, parado, tanto quanto o carrinho do suburbano.

Empresários e executivos estão ali, escondidos em suas naves de vidros pretos, sob o constrangimento da espera por uma migalha que lhes devolva o direito de andar pela cidade. Tudo que eles não queriam é ser vistos em filas por gasolina ao lado dos que os incomodaram nos anos de pleno emprego.

Mas lá estão eles. A classe média mais desinibida sai dos carros e puxa conversa com a vizinhança ocasional, para saber com quem pode buscar afinidades. O bacana, não. O bacana fica dentro do carro, afundado no banco, com o celular como companhia, escondendo-se da própria vergonha.

O golpista de ‘classe alta’, que entra em fila de posto de gasolina, arrasta junto sua autoestima aos frangalhos. Este é o cara que sente repulsa ao ver os vídeos que se multiplicam pela internet com a canibalização de frangos e porcos sem comida.

O golpista é um sujeito sensível. Por isso nega, desde muito antes do golpe, que o país doente sempre promoveu a matança dos mais fracos pelos mais fortes também fora de aviários e pocilgas.

O Brasil das filas nos postos é o país que vinha mascarando seus recalques e diferenças, que aplicou o golpe, por não suportar ter de repartir filas de supermercados, aeroportos e universidades com pobres e negros, e que ainda não teve a grandeza de reconhecer o erro. A parcela do Brasil canibal disputa agora o direito de gastar a sua cota de R$ 100 em gasolina.

É precária a esperança de quem, com ricos e remediados na mesma fila, torce para que se aprenda alguma coisa. Talvez se aprenda apenas que os golpistas e as vítimas do golpe só conseguem repartir o mesmo desespero em emergências como esta.

Depois da greve dos caminhoneiros, tudo volta ao normal. O Brasil tem outras filas permanentes que só os pobres frequentam.

Comentários