OPINIÃO

Moro enfrentará o crime organizado da direita?

Por Moisés Mendes / Publicado em 4 de janeiro de 2019

Sergio Moro

Foto: Agência Brasil

Foto: Agência Brasil

Sergio Moro vai combater o crime organizado. É o que pode lhe assegurar a multiplicação da fama de justiceiro e a vaga no Supremo. Que crime organizado Moro irá combater?

O crime organizado por facções de traficantes? Por doleiros? Por envolvidos em lavagem de dinheiro? Moro irá combater o crime organizado por políticos da direita?

Chegará ao crime organizado dos grileiros, dos desmatadores? Dos destruidores de rios e florestas? Dos invasores de reservas indígenas e assassinos de índios? Dos exploradores de trabalho escravo? Dos operadores de caixa dois sempre impunes?

Moro foi o juiz com maiores poderes da história do Judiciário brasileiro. Trabalhava numa vara especial feita só para ele, com imunidade assegurada pela imprensa, com foro privilegiado informal no Supremo, com reputação protegida pela caçada a Lula e ao PT.

Moro foi intocável durante três anos em Curitiba. Mandava prender preventivamente e não soltava. As prisões preventivas por ele decretadas eram intermináveis. E quase ninguém falava nada. Juristas calaram-se diante da soberba de Sergio Moro. Os poucos que apontavam seu autoritarismo não eram ouvidos.

Quem falasse mal do juiz estaria conspirando contra o combate à corrupção. Nem o STF conseguiu fazer com que respondesse por seus delitos (o caso mais emblemático foi o grampo da conversa de Dilma e Lula). Moro calou os ‘liberais’.

Na troca de Curitiba por Brasília, o chefe da Lava-Jato perde os privilégios de juiz intocável e se cerca de maior estrutura policialesca já montada em Brasília. Vai controlar a Polícia Federal, o Coaf (o mesmo que descobriu as movimentações financeiras do motorista dos Bolsonaros) e aumentará a influência federal sobre as polícias estaduais.

Mas Moro não mais será intocável. Saberá da vida de todo mundo, poderá monitorar quem quiser, mas agora é um caçador arrastando os pés nos pântanos da política da extrema direita.

Desaparece o Sergio Moro simplório que ganhou uma redoma para fazer o que bem entendesse em Curitiba. Mas não deve surgir um ingênuo capaz de achar que irá investigar, como demonstração de coragem, os políticos sempre impunes da turma que o recebeu no poder.

O que então o ex-juiz poderá fazer? Poderá impressionar o público com atos teatrais. Vai caçar bandidos de forma espetacular, vai dizer que, além de Lula, pega grandes traficantes de drogas e armas. Será figura sempre presente no Jornal Nacional.

Mas não será capaz de desafiar o poder dos traficantes da política, das quadrilhas organizadas com representantes no Congresso e que são parte da base de apoio do governo.

Não há estrutura policial capaz de devassar as máfias da direita, estando ou não a direita no poder. Moro poderá aperfeiçoar, com uma polícia política, a caçada às esquerdas, encontrando inimigos das leis e da ordem onde existir alguém que considere adversário do bolsonarismo.

Só não esperem que chegue perto dos aliados de Bolsonaro, muitos deles sob investigação, outros já transformados em réus, alguns velhos conhecidos da polícia e do Ministério Público. Porque é deles que depende para continuar ministro. E deles dependerá se quiser chegar ao Supremo.

Moro vai jogar para a torcida. Teremos, daqui a pouco, a prisão espetacular de grandes traficantes arrastando chinelos de dedo. Teremos a exposição de fuzis contrabandeados. Moro vai pegar muita gente que a Globo mostrará com estardalhaço.

Mas vai pegar quem deve ser caçado? Se pegar ajudantes de mafiosos da direita, os subalternos do mundo do crime organizado do empresariado, do latifúndio, do sistema financeiro e das igrejas – para tentar vender a ideia de que é imparcial –, será derrubado pela própria parceria no poder.

Há uma chance de Sergio Moro prosperar e chegar um dia à sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que o levará ao Supremo: manter os golpistas intocáveis, porque é deles o poder em Brasília.

Sergio Moro poderá saber da vida de todos eles. Mas se investir contra um, apenas um, será devorado por todos. A saída é continuar caçando ‘esquerdistas’ e traficantes.

O ex-juiz não caiu em nenhuma armadilha. Entrou voluntariamente no mundo da política, por onde circula o crime organizado e impune da direita. Pode dizer e provar que se mantém honesto, pode preservar sua reputação intacta com essa direita que o consagrou, mas é deste mundo que agora ele faz parte.

Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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