OPINIÃO

A ‘normalidade’ que nos espera

Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 11 de agosto de 2020

 

A normalidade que nos espera

Foto: Gabriel Paiva/ Fotos Públicas

Foto: Gabriel Paiva/ Fotos Públicas

De janeiro a maio deste ano, 442 pessoas foram mortas
por policiais militares no estado, o maior número desde
o início dessa série histórica, em 2001

Após mais de quatro meses convivendo com uma situação de isolamento e distanciamento social, causada pela pandemia do novo coronavírus, vem ganhando espaço um debate envolvendo o conceito de normalidade. Ele se expressa em várias perguntas: Quando voltaremos ao normal? Como será o normal pós-pandemia? Queremos voltar à normalidade que existia antes do surgimento do novo coronavírus? Que normalidade era essa, afinal?

No caso do Brasil, o velho e o novo normal se confundem em um cenário nada animador, alimentado diariamente por um governo encabeçado por um presidente que nega a ciência e não se cansa de manifestar o desprezo pela vida a cada dia. E por um ministro da Economia que está mais preocupado em defender a agenda dos bancos e do sistema financeiro, mesmo que o mundo das pessoas esteja ruindo ao redor.

Desigualdades

A pandemia só vem acentuando as desigualdades sociais e de renda, precarizando ainda mais as relações de trabalho, violando direitos, exterminando populações indígenas e expondo a exclusão digital de milhões de pessoas que não têm acesso às ferramentas necessárias para entrar no mundo novo tecnológico que ganhou mais espaço e visibilidade nos últimos meses.

Alguns dados indicam os contornos do “novo normal”, se é que assim pode ser chamado, que já estamos vivendo. Se esses são os indicadores da normalidade que vem por aí, preparemo-nos para viver em uma sociedade distópica, se é que já não estamos vivendo.

Violência

Desde que assumiu a presidência da República, Bolsonaro assinou uma série de portarias e decretos  flexibilizando o acesso a armas de fogo. Resultado: o número de registros de novas armas de fogo concedidos pela Polícia Federal aumentou 205% no primeiro semestre de 2020 (comparando com o mesmo período do ano passado).

Até o final de julho, foram 73.996 novos registros de armas de fogo, contra 24.236 no primeiro semestre de 2019.

Os registros de casos envolvendo violência policial são mais um ingrediente do caldo de cultura de violência que se espalha pelo país. Em São Paulo, o número de mortos pela Polícia Militar em 2020 já é recorde. De janeiro a maio deste ano, 442 pessoas foram mortas por policiais militares no estado, o maior número desde o início dessa série histórica, em 2001.

Ambiente

A região da Floresta Amazônica bateu um novo recorde nos alertas de desmatamento, no mês de junho. Segundo dados do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os alertas de desmatamento indicam uma destruição de 3.069,57 quilômetros quadrados, no acumulado do primeiro semestre, um aumento de 25% em comparação com o primeiro semestre de 2019.

Segundo nota divulgada pelos bispos da Amazônia brasileira, “contribuem para esse crescimento o notório afrouxamento das fiscalizações e o contínuo discurso político do governo federal contra a proteção ambiental e as áreas indígenas protegidas pela Constituição Federal”.

Empregos

Nos primeiros seis meses do ano, foram eliminados 1,2 milhão de empregos formais, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. Por outro lado, desde o início da crise sanitária até o mês de junho, os 42 bilionários do país aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões, segundo levantamento divulgado pela Oxfam Brasil, dia 27 de julho.

Mortes

Isso para não falar do número de mortes causadas pela Covid-19. Quando você estiver lendo este artigo, o Brasil provavelmente já terá ultrapassado a casa dos 100 mil óbitos.

No dia 26 de julho, a Rede Sindical Brasileira UNISaúde acusou, no Tribunal Penal Internacional, o presidente Jair Bolsonaro por prática de genocídio e crimes contra a humanidade, em função da sua postura em relação à pandemia. Dificilmente a denúncia deve avançar, mas já é a terceira contra Bolsonaro no Tribunal de Haia.

Desprezo

O que temos hoje então é um país governado por um presidente que despreza a ciência, os defensores do meio ambiente e de direitos humanos, e tem paixão por armas de fogo e violência.

Um país que está devastando a Floresta Amazônica, assassinando povos indígenas, negros, moradores de periferia e desmontando os sistemas de saúde e educação pública. Essa é a “normalidade” que nos espera. Esse é, na verdade, o normal que já estamos vivendo.

 

 

Comentários