OPINIÃO

Crises climáticas e educação ambiental

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 8 de novembro de 2021

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Nas últimas décadas estudos, pesquisas, conferências mundiais, acordos diplomáticos, declarações, atos, protocolos, leis, 26 COPs e inúmeros compromissos foram firmados. Porém, continuamos ignorando a maioria das manifestações e intensificamos nosso modelo cultural consumista irresponsável

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O planeta caminha para um impacto “irreversível” sobre a humanidade. O aquecimento projetado, o estresse hídrico e os extremos climáticos aumentarão a variabilidade espacial e temporal na produção agrícola, exacerbando a insegurança alimentar regional e a desnutrição, crises humanitárias, tais como deslocamento e migração forçada e conflitos violentos poderão levar a pontos de rupturas sociais, advertem os estudiosos das condições climáticas.

O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado em agosto 2021, bem como a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), que está ocorrendo em Glasgow, na Escócia, reafirmam que o impacto da ação humana sobre o meio natural está produzindo efeitos climáticos piores e mais velozes que se temia. A raiz do problema está nas ações causadas por nós: humanos. O total de objetos construídos pela humanidade já ultrapassou a massa total de todas as formas de vida na Terra.

Esta é uma das consequências do pensamento ocidental moderno mercantilista que nos vendeu a promessa de progresso por meio da ciência como conhecimento e domínio da natureza (Bacon, Descartes, Newton e outros). O resultado, imediatamente posterior, foi representado na revolução industrial e no desenvolvimento tecnológico que possibilitaram grandes transformações, mas, também, a exploração e destruição da natureza, Transcorridos 200 anos, a conta chegou. Esse modelo de desenvolvimento coloca a vida humana no Planeta Terra em risco. O atual nível de aquecimento e os eventos climáticos em cursos colocam em risco nossa possibilidade de existir neste planeta.

Nas últimas décadas estudos, pesquisas, conferências mundiais, acordos diplomáticos, declarações, atos, protocolos, leis, 26 COPs e inúmeros compromissos foram firmados. Porém, continuamos ignorando a maioria das manifestações e intensificamos nosso modelo cultural consumista irresponsável.

“Nada é mais poderoso do que uma ideia cuja hora chegou” (Victor Hugo, dramaturgo e romancista francês)

Após mais de 60 anos alertando a humanidade que a crise ambiental colocaria nossa existência em risco o momento já chegou e, para alguns especialistas, já passou. Não temos mais tempo. Agora, é mudar nossa relação com a natureza ou perecer, pois não teremos mais condições de sobrevivência. Eventos climáticos e pandemias estão aí para quem quer ver.

Na abertura da COP26, o Secretário Geral da ONU, António Guterres, reafirmou que “é hora de dizer chega. Chega de brutalizar a biodiversidade. Chega de matarmos com carbono. Chega de tratar a natureza como um banheiro. Chega de queimar, perfurar e minerar cada vez mais fundo. Estamos cavando nossas próprias covas”. Pensamento complementado por Boris Johnson, ministro da Inglaterra, ao afirmar que “quanto mais demorarmos para agir, pior fica” e, que, “se falharmos, não seremos perdoados”, especialmente pela própria natureza.

Já a jovem indígena, fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, que pronunciou-se na abertura da COP26, criticou as “mentiras vazias e promessas falsas” comuns nestes temas. Defendeu que “se não houver proteção aos territórios e direitos indígenas, também não haverá solução para a crise climática, porque fazemos parte dessa solução. Precisamos salvar urgentemente nossos territórios para proteger as vidas dos povos indígenas e o futuro de nosso planeta”. E lembrou que “nunca alcançaremos justiça climática sem justiça social para os povos indígenas, que estão na linha de frente na luta das mudanças climáticas”.

Não sejamos seres ingênuos, nem hipócritas. A grande causa do colapso ambiental em curso é o capitalismo

Esse sistema econômico triunfou porque se mostrou, de todos, o mais capaz de acumular riqueza, de criar excedente e de se expandir. Mas, justamente porque prima por essas qualidades que o definem, esse sistema econômico é prisioneiro delas. Ele não tem liberdade de se autolimitar. Ele é incapaz de não destruir, em sua engrenagem acumulativa, a riqueza biológica de nosso planeta e os equilíbrios do sistema Terra, afirma Luiz Marques (UNICSMP), autor livro Capitalismo e Colapso Ambiental.

A verdadeira ameaça, mais que a continuidade da existência biológica do homem, é a existência do homem, a existência dessa grande criação que caminhou pari passu com a crescente destruição das condições que a tornaram possível. Aqui está, lembra Luiz Marques, o paradoxo da função do espírito no mundo: graças a ele, toda essa grande aventura da humanidade vale a pena, mas ao mesmo tempo o espírito destrói também as condições que permitem prosseguir essa aventura.

Neste cenário, cabe nos indagarmos: qual a função da Ciência, da Educação, da Universidade e da Escola?

Inicialmente, precisamos ter a capacidade de (re)pensar sobre nós mesmos para não corrermos o risco de sermos cúmplices e vítimas dos nossos próprios erros e omissões. Praticar o exercício pleno e coletivo da reflexão crítica e interdisciplinar de pesquisas e processos de ensino/aprendizagem é condição para nos reinventarmos e construirmos pontes de comunicação entre os diversos conhecimentos ancestrais, científicos, filosóficos e populares existentes em nosso meio.

As universidades e as escolas não são uma torre de marfim alheias às dinâmicas e contradições econômicas, sociais e ambientais. Ao contrário, instaura-se em seu meio o pensamento hegemônico que apela ao mito da liberdade individual, à mercantilização de todas as facetas da vida social, à racionalização meritocrática, à sucção e lapidação da práxis política, e ao esvaziamento do Estado, adverte o sociólogo e economista Isaac Enríquez Peres da Universidade Autônoma do México (Unam).

As instituições de ensino são atacadas, por fora, por poderes fáticos, sejam empresariais, clericais, governamentais e, até, criminais, que descarregam o implacável chicote do mercado e do consumismo, a idolatria do lucro e da austeridade fiscal. Por dentro, são atacadas pelas mesmas estruturas de poder e burocratismo parasitário que, também, reproduzem lógicas e práticas que a fazem involuir e se aniquilar. O desprezo para com o conhecimento e a diversidade se irradia de ambos os lados.

Porém, tanto os sistemas econômicos como os argumentos que os legitimam, são criações e concepções da própria cultura humana

A lógica econômica e a narrativa de um desenvolvimento científico e tecnológico dominador e explorador da natureza não é produção divina e, muito menos, natural e inevitável. Logo, a resistência e reversão destes processos compete a nós humanos, causadores de todos estes impactos.

Os conhecimentos acumulados de sabedoria dos povos ancestrais e a epistemologia das ciências ambientais constituem evidências suficientes e capazes para uma conscientização e formação de uma nova mentalidade das atuais e futuras gerações.

Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo ao Poder Público definir políticas; às instituições educativas, promover a educação ambiental (EA); aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente promover ações de EA integradas; aos meios de comunicação divulgar práticas educativas e, às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores.

Ou seja, conforme Lei Federal nº 9.795 de 1999, a educação ambiental é responsabilidade de todos

Uma ética da totalidade que considera que, ao maltratar o mundo, você está maltratando a si mesmo –, propondo, em lugar da conquista da natureza pelo homem, promover a libertação de ambos, é uma perspectiva espinosiana a perseguir. Nessa ética, ao demonstrar que Deus e Natureza constituem uma só coisa, Espinosa está afirmando que a Natureza é o ser fundante de todos os seres, é a substância que existe no interior de todos eles.

Então, cada realidade individual é uma manifestação deste Todo, que se individualiza e se concretiza em unidades autônomas, como os homens, os animais e o meio ambiente. Daí se deduz que todos os seres estão intimamente interligados, embora cada um mantenha sua dignidade de realidade singular na plenitude de sua especificidade. Isto significa que não é correto falar em supremacia do homem sobre o meio ambiente. Ambos constituem uma unidade, de forma que a saúde de um depende da do outro. E mais, “se uma parte do Todo se anulasse, tudo se aniquilaria”. Ou seja, ao destruirmos a natureza estamos nos destruindo.

“A gente tem que agir. Se a gente quiser ter alguma chance de não viver num planeta muito hostil para a nossa espécie e várias outras, a gente vai ter que se transformar em outro tipo de gente muito rapidamente” (Eliane Brum, Jornalista e escritora).

E quem pode transformar as pessoas? A educação

Por esta razão, todas as instituição de ensino, da educação infantil à pós-graduação, precisam, emergencialmente, se transformarem em espaços integrais de educação ambiental sustentáveis. Uma educação ambiental permanente, não neutra, crítica, integradora, prática, transversal, inter e multidisciplinar, vivencial e com participação da sociedade e da comunidade.

Na natureza nada é em vão. É nosso dever proteger nosso patrimônio natural, pois a nação que destrói seu solo destrói a si mesma.


Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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