OPINIÃO

Passivos ambientais da Petrobras no estado do Rio de Janeiro

Por Jacob Binsztok / Publicado em 8 de dezembro de 2021

Foto: Steferson Faria/ Agência Petrobras

A Petrobras socializa os danos socioambientais do antigo Comperj ao mesmo tempo em que remunera com expressivos dividendos seus acionistas – só em 2021 já receberam R$ 31,6 bilhões

Foto: Steferson Faria/ Agência Petrobras

A liquidação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, no Leste Fluminense, promovida pela Petrobras em 2020, revela o fracasso das tentativas de construir uma estratégica refinaria, destinada ao beneficiamento de 150 barris diários de petróleo (bdp) mediante parcerias entre a empresa e as corporações nacionais e estrangeiras, como o Grupo Ultra, Braskem, BNDES, China National Oil and Gas Exploration on Development Company (CNODC) e, por último, a norueguesa Equinor, substituindo a antiga Statoil.

Em virtude de problemas de ordem técnica e sobretudo políticos, representados pelos impactos da Operação Lava Jato, empreiteiras nacionais ficaram impedidas de participar de obras públicas, o que promoveu a reestruturação do empreendimento.

O projeto previa a construção de uma Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) com capacidade de processar 21 metros cúbicos por dia e do gasoduto Rota 3, encarregado de transportar matéria-prima oriunda dos reservatórios do pré-sal da Bacia de Santos para Itaboraí.

A reestruturação promovida pela Petrobras na área do antigo Comperj obedeceu às concepções preconizadas pelo ultraneoliberalismo assumido pelo governo federal, que liberou um passivo ambiental de grandes proporções, estimado em 40 milhões de metros quadrados (4 mil hectares), impactados por obras de terraplanagem, considerada na época uma das maiores do país, e executada por um consórcio formado pelas empresas Odebrecht, Queiróz Galvão e Andrade Gutierrez.

Especulação imobiliária

Cabe destacar que a construção do Comperj foi precedida de uma intensa desapropriação de recursos naturais e de movimentos de especulação imobiliária, na medida em que a empresa adquiriu por preços elevados cerca de 250 sítios de pequenos agricultores e de segunda residência, que contribuíam para a manutenção da biodiversidade dos ecossistemas locais.

Em alguns casos, os sítios de segunda residência foram adquiridos por profissionais liberais e comerciantes urbanos capitalizados, em atividade ou aposentados, que incorporaram modernos procedimentos de gestão e inovação tecnológica, tornando-se “ilhas” de excelência no agro do Leste Fluminense.

A socialização dos passivos ambientais do Comperj ocorre quando a Petrobras, em 2021, transfere unilateralmente essas áreas para a administração do estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de construir o Distrito Industrial de Itaboraí, sem atentar para a notória incapacidade financeira de estados e municípios em arcarem com os pesados custos de obras de infraestrutura representados pelas necessárias intervenções na malha viária e na construção de novos gasodutos.

O abandono das obras inviabilizou inúmeros estabelecimentos comerciais de pequeno porte, localizados nas principais vias de acesso ao Comperj, destinados à prestação de serviços, como oficinas de manutenção e reparos de carros e caminhões, lojas de materiais de construção, restaurantes e bares, postos de gasolina e pousadas.

Esses estabelecimentos geralmente eram dirigidos por comerciantes locais ou por antigos assalariados que investiram suas economias em atividades próprias e ficaram desprovidos dos recursos do trabalho e da renda auferida dos negócios.

Impacto urbanístico

Os impactos do abandono também se refletiram no centro urbano de Itaboraí, município com 218 mil habitantes em 2021, onde são encontrados prédios comerciais e residenciais finalizados e inacabados, em grande parte ociosos, em virtude da ausência de atividades que justifiquem a ocupação desses imóveis.

Assim, verificamos que a Petrobras, cumprindo as diretrizes ultraneoliberais ditadas pelo governo federal, pretende socializar passivos ambientais de grande porte do antigo Comperj e, paralelamente, remunera com expressivos dividendos seus acionistas, que receberam em 2021, até agora, R$ 31,6 bilhões, repartidos entre grandes grupos nacionais, estrangeiros e o Estado brasileiro.

Desindustrialização e concentração de renda

Os dividendos são originários da política de Preços de Paridade de Importações (PPI), adotado pela empresa a partir de 2016 no governo Temer, que atrelou os preços dos combustíveis nacionais à variação do dólar e ao valor internacional do barril de petróleo.

A venda de 80 ativos também contribuiu para a magnitude dos dividendos, pois a empresa transferiu para a iniciativa privada a produção de campos terrestres, a geração de energia elétrica, a produção de fertilizantes, biocombustíveis, fontes alternativas, parques de refino, terminais, oleodutos, gasodutos e campos maduros em águas profundas.

Concluindo, constatamos que a reestruturação produtiva realizada pela Petrobras no estado do Rio de Janeiro privilegiou ações pautadas pela desindustrialização, reprimarização e financiarização, contribuindo para a concentração de renda e de riqueza na sociedade fluminense e brasileira.

Logo, a empresa deixou de operar como um instrumento de política energética do Estado, garantindo a segurança do abastecimento, desenvolvimento econômico e acesso energético às camadas mais vulneráveis da população, para se tornar um veículo voltado para a acumulação interna de capital.


Jacob Binsztok é professor titular de Geografia Humana da Universidade Federal Fluminense, doutor em Geografia pela USP, é coordenador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Agroambientais (Nepam), da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPq e da Faperj. jacob.binsztok@gmail.com

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