
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A capacidade de reação do Supremo não basta para defender a democracia, depois do perdão de Bolsonaro a um criminoso condenado pelo próprio Supremo.
Todos nós dependemos da capacidade de reação do país. A reação não pode ser apenas das instituições, mas da cidadania.
Com o Congresso sob controle de Bolsonaro e do Centrão, a maioria parece esperar que o STF tenha força para reagir. Mas é improvável que tenha êxito se tentar reagir sozinho.
O Supremo já faz o que pode para enfrentar a extrema direita, mesmo que não tenha feito tudo. E mesmo que ainda vacile em relação aos inquéritos que envolvem as milícias analógicas e digitais do Planalto, o STF segue em frente.
Mas o país não segue. O país está inerte. O Brasil submergiu na inação, na resignação, na acomodação, na alienação. Nem todos, mas possivelmente a maioria está quieta demais.
Se o Supremo conseguir reverter o perdão a Daniel Silveira, Bolsonaro irá preparar um novo lance logo adiante. E teremos o agravamento do duelo da extrema direita com a mais alta Corte do país.
E o Brasil continuará assistindo ao embate e ao mesmo tempo debatendo os movimentos de Bolsonaro. Tudo o que fizemos há muito tempo é assistir de longe as ações de quem está no poder.
É quase um tabu, desde o golpe de 2016, abordar a incapacidade de reação da população. Não para criticá-la, mas para compreendê-la.
É quase proibido tentar entender o distanciamento dos jovens. É considerado velho e saudosista quem observar que, de cada cinco jovens com 16 anos ou mais, apenas um tira o título de eleitor.
O Brasil perdeu até a capacidade de se perguntar sobre o distanciamento dos estudantes diante da degradação do país.
Por tudo isso, é cômodo cobrar respostas categóricas do Supremo às ameaças das facções bolsonaristas. O STF foi escolhido como primeiro alvo dos que estão no poder, incluindo os militares.
No golpe de 64, o primeiro agredido foi o Congresso, com o AI-1 que iniciou a cassação de políticos e amordaçou Senado e Câmara.
Em outubro de 1965, para ampliar o alcance do golpe, a ditadura investiu contra o Supremo e assumiu o controle do Judiciário, ao aumentar de 11 para 16 o número de ministros do STF.
Além de ampliar o número de integrantes, para obter maioria, o golpe cassou três ministros do STF por aposentadoria compulsória.
Os três discordavam dos golpistas. Vamos registrar seus nomes, mesmo que não estejam em escolas de Direito e em placas de ruas que abrigam nomes de bandidos: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva.
Outros dois ministros decidiram renunciar, em solidariedade aos cassados. Um era o presidente do STF, Gonçalves de Oliveira. O outro deveria ser o próximo presidente da Corte e chamava-se Antonio Carlos Lafayette de Andrada.
Bolsonaro não precisa atacar o Congresso, que ele controla. Sua prioridade é atacar o Supremo.
Seu sonho é fazer o que os militares fizeram em 1965, quando interferiram diretamente no Supremo e ampliaram ao mesmo tempo os poderes da justiça militar.
Bolsonaro atacou a mais alta Corte por saber que os políticos com mandato em Brasília estão em maioria sob seu comando e que a sociedade está resignada.
O impasse com o Judiciário é parte essencial da sua estratégia de amplificar conflitos e fortalecer sua base mais radical.
Se pudesse, Bolsonaro faria o que os generais fizeram depois de 64. Mas ninguém deve duvidar que, além do perdão, ele pode fazer mais como afronta ao Supremo.
Pode e vai fazer mais. É só a população continuar acomodada à espera apenas das reações do STF.