POLÍTICA

Parlamentares e STF reagem a ameaças de Bolsonaro

Senadores, deputados e membros do judiciário repudiam convocação feita pelo presidente para atos contra o Congresso e o STF
Por Gilson Camargo* / Publicado em 26 de fevereiro de 2020
Transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República é crime de responsabilidade, adverte Mello: “o presidente da República pode muito, mas não pode tudo”

Foto: Nelson Jr./ STF/ Divulgação

Transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República é crime de responsabilidade, adverte Mello: “o presidente da República pode muito, mas não pode tudo”

Foto: Nelson Jr./ STF/ Divulgação

Parlamentares, membros do judiciário e representantes de entidades de classe reagiram nesta quarta-feira, 26, ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro, que compartilhou via WhatsApp um vídeo convocando a população para atos contra o Congresso Nacional previstos para o dia 15 de março.

A reação no Senado foi de defesa da democracia e separação entre os poderes. Alguns parlamentares apontam que o presidente cometeu crime de responsabilidade, passível de impeachment.

O líder da minoria na Casa, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), acusa Bolsonaro de agir como “um extremista” e não como presidente do país. Ele cobrou uma resposta dos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia; do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. “As forças democráticas precisam repudiar este comportamento vil e impedir a escalada golpista. A democracia exige defesa e retaliação ao ocorrido”.

A manifestação do STF não veio de Toffoli, mas do ministro Celso de Mello, que em uma nota jocosa enviada a jornalistas afirmou que o apoio do presidente a um ato contra o Congresso e a Corte, “caso seja confirmado”, demonstra “uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce”. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cobrou responsabilidade do presidente e equilíbrio entre os poderes.

O líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), também cobrou uma posição das instituições democráticas e afirmou que se trata de crime de responsabilidade, motivo para impeachment de presidentes. “Os líderes das instituições democráticas precisam se posicionar de forma clara às inferências, se comprovadas, do presidente da República contra o Congresso. Estamos alinhados a todas as forças contra este crime de responsabilidade”.

O líder do PDT, senador Weverton (MA), alertou para a gravidade do comportamento de Bolsonaro. “É muito grave a informação de que o presidente da República está convocando ato contra os outros poderes. Congresso e STF fechados, só numa ditadura. Precisamos unir os que acreditam na democracia. Golpe de novo, não!”, alertou.

Também para o líder do bloco Senado Independente (PSB, Patriota, Cidadania, PDT e Rede), senador Veneziano Vital do Rego (PSB-PB), o compartilhamento do vídeo pelo presidente foi irresponsável e um “atentado à democracia”. “Lastimável o gesto antidemocrático e irresponsável do presidente da República, que conclama a população brasileira para um ato no próximo dia 15 contra o Congresso nacional e contra o Supremo atentando contra a democracia e demonstrando o seu propósito ditatorial de fragilizar as instituições republicanas”, criticou.

Já a líder do Cidadania, Eliziane Gama (MA), destacou que sugerir o fechamento do Congresso coloca em risco a democracia, mas também pode comprometer acordos comerciais internacionais importantes para a economia do país. “O presidente da República tem obrigação de preservar a harmonia entre os poderes. De forma alguma o presidente eleito pode ter qualquer relação, mesmo que distante, com ato que sugere fechamento do Congresso Nacional e subversão da ordem democrática. O Brasil é signatário de dezenas de acordos comerciais que podem ajudar muito os brasileiros, e todos estes acordos multilaterais são feitos com democracias. Sugerir subversão da ordem democrática e fechamento do Congresso é uma afronta a esses acordos, é uma afronta ao Brasil”.

Críticas a provocações do presidente foram unanimidade no Senado, exceto por Alcolumbre, que silenciou

Foto: Agência Senado/ Divulgação

Críticas a provocações do presidente foram unanimidade no Senado, exceto por Alcolumbre, que silenciou

Foto: Agência Senado/ Divulgação

Os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Angelo Coronel (PSD-BA) se pronunciaram pedindo explicações ao presidente e cobrando diálogo entre os Poderes. “O Congresso é um dos pilares da democracia e não podemos nos calar e aceitar que, a qualquer crise entre os poderes, se envolva o nosso Exército, que sempre esteve a postos para manter a ordem e a nossa soberania e não servir de ameaça para quem não quer ou não tem a arte do diálogo”, protestou Coronel.

Os senadores petistas Humberto Costa (PE) e Jean Paul Prates (RN) alertaram para a tendência à normalização dos desmandos do presidente. “Se for verdade que o presidente da República está disparando, de seu celular pessoal, convocação para um ato anti-Congresso, estamos diante um consumado crime de responsabilidade. Não é possível mais que atitudes dessa natureza sejam tratadas como normais”, apontou Humberto.

O líder do MDB e da Maioria no Senado, senador Eduardo Braga (AM), ressaltou em seu Twitter o artigo 2º da Constituição: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. “Agredir o Congresso Nacional é agredir o equilíbrio institucional e a democracia. É o debate político no Parlamento que equaciona tensões e interesses contraditórios da sociedade. Mais do que legislar, cabe ao Congresso fiscalizar e controlar os atos do Executivo, coibindo eventuais abusos. Independente de posições partidárias ou ideológicas, é dever de todos respeitar e garantir o pleno exercício do Legislativo”, conclamou.

Crimes de responsabilidade e improbidade

Em nota, a Executiva Nacional do PSol acusou o presidente de cometer crimes de responsabilidade e improbidade e cobrou um posicionamento dos presidentes da Câmara e do Senado, que silenciaram diante das provocações de Bolsonaro. “O Partido Socialismo e Liberdade (PSol) repudia veemente a participação do Presidente da República, Jair Bolsonaro, na convocação de manifestações de caráter golpista que pedem o fechamento do Congresso Nacional”, afirma o comunicado.

Para o PSol, a atitude “se soma a outras que marcam o caráter antidemocrático do projeto bolsonarista – disseminação de preconceito e intolerância, ameaças à oposição, louvação de regimes autoritários – mas representa um passo a mais na escalada autoritária da extrema-direita: o envolvimento direto de Bolsonaro na convocação dessas manifestações marca um sentido de ruptura democrática, o que é inaceitável. Ao envolver-se diretamente na convocação de manifestações pelo fechamento do Congresso Nacional, Bolsonaro comete crime de responsabilidade e crime de improbidade”. O partido exigiu “uma resposta dura” e destacou que “o silêncio dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal precisa ser rompido urgentemente”.

Base governista

Integrante da base governista, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), defendeu o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, que no início do mês disse que o governo não deveria “ceder às chantagens” do Congresso em relação à derrubada dos vetos de Jair Bolsonaro ao orçamento impositivo, uma das pautas da manifestação do dia 15 convocadas pelo presidente. “Eu estou nos bastidores e posso dizer com propriedade: não duvidem do general Heleno”, provocou a senadora.

Major Olímpio (SP), líder do PSL no Senado, reforçou que a pauta das manifestações era apoio ao veto presidencial ao orçamento impositivo e ao PL da prisão após segunda instância. Mas afirmou que com a divulgação da mensagem presidencial contra o Congresso, a situação pode ficar “perigosa”. “Eu ainda quero crer que possa ter havido um ruído de comunicação. Pode ter sido um familiar, o que já aconteceu em situações anteriores. Mas (se se confirmar) a coisa fica muito perigosa e pode gerar uma crise institucional. Uma relação que já é muito difícil hoje, pode ficar ainda mais desgastada”.

Alexadre Frota quer impeachment de Bolsonaro

Ex-aliado de Jair Bolsonaro, o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) pediu a advogados que preparem um pedido de impeachment contra o presidente com base na incitação da população contra o Congresso e o STF. Frota criticou a iniciativa e prometeu trabalhar nas trincheiras das redes contra o antigo aliado. “Eu acabo de solicitar a uma junta de advogados que, diante dos fatos, ameaças e do disparo do vídeo do celular dele. Vou entrar com o impeachment, vou assinar. Bolsonaro prometeu que sempre lutaria pela democracia. Mentiroso. Ele está abrindo uma crise institucional”, disparou.

SUPREMO – Para o ministro do STF, Celso de Mello, o apoio do presidente a um ato contra o Congresso Nacional e a Suprema Corte mostra “uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce”. Após a manifestação do ministro, Bolsonaro confirmou que enviou vídeos em grupos de WhatsApp convocando a população a ir às ruas protestar contra o STF e o Congresso. Diante da repercussão negativa e da imputação de crime de responsabilidade, o presidente recuou e, em mensagem no Twitter, atribuiu seu comportamento a uma “manifestação pessoal”. Bolsonaro classificou a rede social por onde são articulados disparos em massa de grupos bolsonaristas como mero canal onde “algumas dezenas de amigos trocamos mensagens de cunho pessoal”.

Para Celso de Mello, a atitude de Bolsonaro revela “a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!”.

“O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”, concluiu o ministro.

Crime de responsabilidade

Diversos parlamentares dispararam mensagens nas redes sociais reafirmando que Bolsonaro incorreu em crime de responsabilidade. “Bolsonaro está disparando de seu celular pessoal vídeo no WhatsApp convocando manifestações contra o Congresso Nacional para o próximo dia 15 de março. O ato é crime de responsabilidade. Não podemos conviver com esse nível de ataque e não reagir à altura!”, protestou a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) no Twitter.

“O presidente da República cometeu (mais um) crime de responsabilidade ao convocar protesto contra o Congresso Nacional e o STF. São explícitos os planos de Bolsonaro contra a democracia, ninguém deveria ter dúvidas a essa altura do campeonato. Reagiremos à altura”, afirmou a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP).

Golpe contra a democracia

O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, afirmou que a Igreja Católica poderá questionar o presidente da República, Jair Bolsonaro, por difundir vídeos que convocam para manifestações de apoio a ele e contra o Poder Legislativo. O bispo cobrou “responsabilidade” de quem foi eleito e “equilíbrio” entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Em nota, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) afirmou que a atitude de Bolsonaro configura um “golpe contra a democracia” e “um atentado contra a Constituição.

A seguir, a íntegra da manifestação:

Atentar contra as instituições é um golpe contra a democracia

A imprensa noticiou nesta terça-feira (25) que o presidente da República Jair Bolsonaro encaminhou convocação, por mensagem de Whatsapp, para protestos no dia 15 de março, pedindo o fechamento do Congresso Nacional.

O ato representa um atentado contra a Constituição Federal e o livre exercício dos poderes constituídos, nos termos do art. 85, II, da Carta da República, em evidente crime de responsabilidade.

Nenhuma divergência entre poderes justifica que o chefe do Executivo adote uma postura de enfrentamento, insuflando a população a um ato de autoritarismo, ultrapassando os limites da legalidade, parâmetro absoluto do Estado Democrático de Direito.

A ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) entende que a investida contra as instituições sinaliza um golpe contra a democracia de nosso país, indicando uma ruptura. E requer, de toda a sociedade, uma posição firme que exija respeito ao Poder Legislativo e todos os seus membros.

Exige dos poderes Legislativo e Judiciário, em consequência, uma resposta imediata à conduta criminosa do presidente da República, que afronta a sociedade brasileira em sua cidadania plena.

*Com informações da Agência Senado

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