POLÍTICA

Brasil assina acordos sobre florestas e metano na COP26, mas não entusiasma ambientalistas

São medidas para ganhar tempo, mas insuficientes para cumprirem a meta de subir apenas 1,5°C a temperatura do planeta até o final do século, avalia o diretor do Observatório do Clima, Cláudio Ângelo
Por Flávio Ilha / Publicado em 3 de novembro de 2021
Marabá, sul do Pará: maior causa do desmatamento na Amazônia, a pecuária de corte que fornece aos grandes frigoríficos como JBS engorda o gado em terras indígenas griladas

Foto: Tommaso Protti/ Greenpeace

“É muito importante lembrar que a emissão de metano, no Brasil, está muito mais ligada à pecuária do que à extração de petróleo e gás”, destaca Suely Araújo, ex-presidente do Ibama.

Foto: Tommaso Protti/ Greenpeace

As principais lideranças políticas mundiais assinaram nesta terça-feira, 2, em Glasgow, dois acordos que prometem “salvar a reputação” da 26ª Conferência do Clima (COP26), que se realiza de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasgow, Escócia. A expressão é do diretor do Observatório do Clima, Cláudio Ângelo, em alusão às dificuldades para se avançar numa agenda que cumpra a meta de subir apenas 1,5°C n a temperatura do planeta até 2100.

Um dos acordos prevê zerar o desmatamento ilegal de florestas até 2030 e tem o aval do governo brasileiro, apesar dos fatos mostrarem o contrário. A Declaração sobre Florestas e Uso do Solo foi referendada por 104 países que, juntos, somam 85% da cobertura florestal mundial. Outro documento – o Compromisso Global do Metano – prevê reduzir em 30% as emissões do gás também até 2030. Além do Brasil, outros 96 países assinaram o acordo.

“São medidas para ganhar tempo, mas insuficientes para cumprirem a meta de 1,5°C até o final do século. Estão mais para salvar a reputação de Glasgow do que avançar no cumprimento das regras do Acordo de Paris”, disse Ângelo. O pacto das florestas terá subsídios de US$ 19,2 bilhões entre recursos públicos e privados como compensação aos países em desenvolvimento.

O fundo é menos de 20% dos US$ 100 bilhões prometidos anualmente aos países em desenvolvimento na COP21, realizada em Paris em 2015, como compensação às medidas de combate ao aquecimento global. A meta de 1,5°C é considerada vital para evitar um colapso climático no planeta. As projeções dos cientistas variam de 3°C a 5°C nos próximos 80 anos se nenhuma medida drástica de controle for adotada. Nos últimos 100 anos, a temperatura média da Terra (em torno de 15°C) elevou-se 0,8°C – dos quais 0,6°C entre os anos 1990 e 2020.

No caso do metano, o gás é responsável por cerca de 30% do atual aquecimento global. Além de ser produzido em larga escala pelos rebanhos de gado, também, é liberado de aterros sanitários e pela produção de combustíveis fósseis. Mas, diferentemente do gás carbono (CO2), permanece pouco mais de duas décadas na atmosfera. O CO2 é absorvido num intervalo entre 100 e 150 anos.

“É muito importante lembrar que a emissão de metano, no Brasil, está muito mais ligada à pecuária do que à extração de petróleo e gás. Por isso, acho muito difícil o governo atual querer implantar qualquer restrição nesse sentido. Provavelmente será uma missão para o próximo mandatário”, disse Suely Araújo, ex-presidente do Ibama.

Brasil na contramão da economia verde

Os quatro principais pontos da Declaração sobre Florestas e Uso do Solo incluem proteção a povos indígenas como ‘guardiões da floresta’, promoção de uma cadeia ambientalmente sustentável de oferta e demanda de commodities, financiamento para promoção de economia verde e defesa de regulamentações que limitem o financiamento e comércio internacional de produtos ligados ao desmatamento. Mecanismos que estão na contramão da política ambiental brasileira.

Nos últimos dois anos, a devastação florestal medida pelo sistema oficial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Prodes, ficou mais de 40% acima de 2018 e mais de 60% acima do que foi medido na última década, entre 2010 e 2020.

Foto: Arquivo Pessoal

Márcio Astrini: Enquanto os líderes mundiais aproveitam a COP26 para tentar manter vivo o objetivo de 1,5ºC, Bolsonaro regride a 2015 e mostra que se importa com o futuro do planeta tanto quanto com as vítimas da covid-19.

Foto: Arquivo Pessoal

Para Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, a adesão do Brasil ao acordo contradiz a meta do governo, que é reduzir a área desmatada em 2021 a 8.762 quilômetros quadrados – cerca de 16% a mais do que quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu o poder.

“Dizer que seu objetivo é entregar o país com um desmatamento 16% maior do que quando você assumiu não é um plano, é uma confissão de culpa”, critica Astrini. É o terceiro plano de combate ao desmatamento que o governo divulga, depois de ter revogado o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm) logo que assumiu.

A Declaração sobre Florestas, que deverá vir acompanhada de um fundo de US$ 19 bilhões, é o segundo documento do tipo produzido nos últimos sete anos. Em 2014, em Nova York, dezenas de países assinaram uma declaração prometendo eliminar o desmatamento até 2020. O Brasil jamais subscreveu o texto. O documento de Glasgow, que deve ser um dos principais resultados da COP26, estica o prazo e conta com a adesão de todos os grandes países tropicais.

Na segunda-feira, 1, o Brasil já havia anunciado a intenção de elevar o corte na emissão de gases de efeito estufa para 50% até 2030. Mas não informou qual base de cálculo será utilizada para essa atualização. Em 2020, o governo de Bolsonaro alterou a NDC (a meta nacional no Acordo de Paris) e acrescentou 400 milhões de toneladas de CO2 ao objetivo anterior, de 2015. Agora, anunciou que pretende voltar ao índice do NDC de 2015 nos próximos nove anos.

“Parece aquelas promoções de black friday: tudo pela metade do dobro”, ironizou Cláudio Ângelo. “Se quisesse mesmo apresentar um compromisso compatível com o Acordo de Paris, a meta deveria ser de 80% de corte. Enquanto os líderes mundiais aproveitam a COP26 para tentar manter vivo o objetivo de 1,5ºC, Bolsonaro regride a 2015 e mostra que se importa com o futuro do planeta tanto quanto com as vítimas da covid-19”, completou Márcio Astrini.

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