POLÍTICA

Oposição quer anular decreto que suspende máscaras para crianças no RS

Requerimento do PDT, PSOL e PT aponta que decisão do governador Eduardo Leite (PSDB) viola Lei federal e coloca em risco ambiente escolar
Da Redação / Publicado em 2 de março de 2022

Foto: Alex Rocha/PMPA

Decreto estadual flexibiliza uso de proteção por crianças dos 6 aos 11 anos

Foto: Alex Rocha/PMPA

As bancadas do PDT, do PSol e do PT na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) protocolam no início da tarde desta quarta, 2, um requerimento para que o presidente do legislativo determine a sustação do decreto do governador Eduardo Leite (PSDB), publicado no sábado de Carnaval, 26, que retirou a obrigatoriedade do uso de máscaras por crianças até 12 anos no estado. O requerimento será submetido à Comissão de Constituição e Justiça e, se acolhido, será transformado em Projeto de Decreto Legislativo para ser votado pelos deputados gaúchos.

Para as bancadas signatárias, o Decreto n° 56.403, de 26 de fevereiro de 2022, do governador viola o artigo 3º-A, caput e inciso III, da Lei Federal n. 13.979, de 2020, que tratam da obrigatoriedade do uso de máscara e destacam, entre outros estabelecimentos, os de ensino. No requerimento são apresentadas, ainda, posição de órgãos técnicos e de diversas entidades da sociedade civil que atuam junto às famílias das vítimas de covid-19.

Falsa polêmica

O requerimento foi encaminhado à mesa no início da sessão desta quarta-feira. “Estamos aqui por preocupação com as nossas crianças. A variante Ômicron segue com altas taxas de contaminação e esta decisão do governador trará fortes consequências para a educação, pois atingirá estudantes, professores e familiares. As crianças já se adaptaram ao uso de máscara, já é um item do material escolar, pois foi criado um sentimento de coletividade com o cuidado com a vida e a saúde”, afirmou deputada Sofia Cavedon (PT).

A parlamentar, que é professora e presidiu a Comissão de Educação da ALRS, lembrou que os indicadores de contágio e óbitos estão em alta no estado, que tem apenas 43% das crianças dos 6 aos 11 anos vacinadas e defendeu a manutenção do uso de máscaras. “Neste momento, o governo precisa promover uma campanha de vacinação nas escolas e não passar uma mensagem de que o risco da Covid-19 já passou, que é o que este decreto faz. Avançar na educação é retirar a proteção individual que garante a proteção coletiva?”, questionou.

Luciana Genro (PSol) afirmou que as crianças têm mais facilidade de adaptação ao uso da proteção que os adultos e contestou os argumentos usados no decreto sobre prejuízo à aprendizagem. “São as crianças que estão muitas vezes dando lições aos seus familiares sobre o uso de máscaras, portanto, não há fundamento de mérito e nem fundamento legal para este decreto do governador Eduardo Leite”, apontou. Na tribuna, durante a sessão plenária, Luciana demonstrou indignação com o que chamou de “falsa polêmica”.

“Ver parlamentares defendendo essa medida do governador me dá vergonha e raiva, pois estão levando essa disputa política que ocorre no mundo adulto para dentro das escolas, e isso vai gerar brigas entre os que usam e não usam máscara num ambiente onde o uso da máscara estava incorporado, pois não sabemos de um caso sequer de criança que se recusou a ir para a escola porque tinha que usar máscara”, disparou.

 

O que diz o decreto

De acordo com o novo decreto estadual, crianças de 6 a 11 anos passam a ter o uso de máscara recomendado. A utilização do item de proteção deve ser supervisionada pelos pais ou por um adulto responsável.

A partir dos 12 anos, o uso da máscara é obrigatório pelos protocolos estabelecidos no Sistema 3As de Monitoramento, mecanismo que gerencia a pandemia no estado.

“Cheguei a provocar o governo federal por conta de legislação que estabelece a desobrigação do uso de máscaras apenas para crianças com menos de três anos, mas parece não haver disposição federal para a alteração da lei. Com base em parecer técnico da Secretaria da Saúde, a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) revisou o decreto que estabelece as regras para o uso infantil de máscaras”, justificou Leite.

No dia 25, Fábio Ostermann (Novo) protocolou projeto de lei que dispensa o uso de máscaras por crianças menores de 12 anos nas escolas gaúchas. Assim como o decreto de Leite, a proposta do deputado despreza os altos índices de contágio e morte por covid-19 no estado e argumenta que a máscara seria prejudicial ao aprendizado: “Não podemos penalizar ainda mais as crianças, que já foram muito prejudicadas no seu aprendizado e desenvolvimento durante todos esses meses de pandemia”, argumenta Ostermann.

O parecer técnico assinado pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), da Secretaria Estadual da Saúde (SES), levanta pontos de atenção que devem ser considerados para o uso recomendado da máscara em crianças entre seis e 11 anos.

Um desses aspectos é a transmissão generalizada, comunitária ou sustentada da doença. Também deve-se observar a capacidade individual da criança nos cuidados com a manipulação da máscara. Para crianças que convivem com pessoas que possuem alto risco de desenvolvimento de doenças graves, o uso de máscara é aconselhado.

Entidades contestam argumentos do governo

No sábado, entidades e organizações representativas da Saúde, da Educação e em defesa das vítimas da covid-19 publicaram nota de repúdio ao decreto estadual, questionando o sentido da liberação do uso de máscaras por crianças em idade escolar e enfatizando que a medida contraria os organismos internacionais e nacionais de saúde.

Desde janeiro de 2022, a Academia Americana de Pediatria (AAP), o Centro Americano de Controle de Doenças e o National Health Service (NHS) recomendam o uso de máscaras por crianças acima de dois anos de idade, posição também defendida pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Além disso, devido à regra federal, o governo estadual não poderia flexibilizar o uso de máscaras a não ser no sentido contrário, ou seja, ampliar o uso para mais faixas etárias, manifestaram as entidades no comunicado.

Com uma semana de aulas presenciais, os registros de casos positivos para a covid-19 já extrapolam as projeções mais negativas devido à baixa cobertura vacinal para a faixa etária de 5 a 11 anos (43,9%), aliada à alta taxa de transmissão da variante ômicron. O estado ostenta indicadores alarmantes sobre contágio e mortes. A taxa de óbitos cresceu, colocando o estado como a segunda maior taxa do país: 3,31 óbitos/100 mil habitantes. A média nacional é 2,39.

As entidades ponderam ainda que, para enfrentar com responsabilidade esse cenário, “largamente previsto por especialistas e até mesmo óbvio, o governador deveria providenciar distribuição gratuita de máscaras PFF2/N95, organizar equipes de vacinação para percorrer as escolas públicas e promover campanha pública efetiva pela vacinação de todas as pessoas”.

Por essas razões, protestam, “o decreto do governador é inaceitável. Ainda mais que tal decisão foi tomada sem ouvir os órgãos e autoridades de saúde e de educação públicas do Estado, muito menos as representações de trabalhadores e do controle social”.

O Comitê Estadual em Defesa das Vítimas da Covid-19 e as entidades que assinam o documento pedem a imediata alteração do decreto, “para que assegure a obrigatoriedade do uso de máscaras para todas as pessoas com idade acima de dois anos”.

Risco para estudantes e professores

O Sindicato dos Professores (Sinpro/RS) contesta os argumentos que embasam o decreto e defende manutenção do uso de máscara acima dos 6 anos. Em correspondência enviada ao governo do estado, às prefeituras e às mantenedoras, o Sindicato solicita a “manutenção da obrigatoriedade do uso de máscaras dentro instituições de ensino por todas as faixas etárias acima dos 6 anos de idade, visto que o ambiente escolar é um espaço de aglomeração”.

Pelos dados do governo, menos de 50% da população nesta faixa etária está vacinada e a variante ômicron tem índices de contágio muito elevados. Uma flexibilização das medidas de segurança com esse cenário pode levar a um quadro de contágio generalizado devido às especificidades do ambiente escolar, aponta Cássio Bessa, diretor do Sinpro/RS.

“A proliferação da doença nos ambientes escolares poderá se expandir levando a mais afastamentos de professores e estudantes das aulas presenciais”, alerta o dirigente.

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