POLÍTICA

Por que a política de preços de Parente asfixia a Petrobras e o Brasil

O governo perdeu o controle sobre os reajustes, que passaram a ser diários no golfo norte-americano, a exemplo do que ocorreu no final do segundo governo de FHC
Por Gilson Camargo / Publicado em 29 de maio de 2018
Por que a política de preços de Parente asfixia a Petrobras e o Brasil

Foto: Marcos Corrêa/PR

A política de preços dos combustíveis capitaneanda por Pedro Parente à frente da Petrobras e avalizada por Temer levaram o país ao colapso

Foto: Marcos Corrêa/PR

Em apenas um mês, de 22 de abril a 22 de maio, a Petrobras reajustou os preços da gasolina e do diesel nas refinarias 16 vezes. O preço da gasolina aumentou de R$ 1,74 para R$ 2,09, o que totaliza reajuste de 20% no período. O litro do diesel, que em 22 de maio custava R$ 2,00, aumentou 18%, passando a R$ 2,37. Para o consumidor final, os preços médios nas bombas de combustíveis subiram de R$ 3,40 para R$ 5,00, no caso do litro de gasolina, o que representa reajuste de 47%; e o litro do óleo diesel, de R$ 2,89 para R$ 4,00, com reajuste de 38,4% no período.

A escalada de preços provocou atos e interdições de rodovias pelo país a partir do dia 20 de maio pelo movimento de caminhoneiros, que questiona os reajustes diários, principalmente do óleo diesel. Com um modelo de transporte de cargas dependente do modal rodoviário, o país foi impactado pelas interdições em poucos dias, com o desabastecimento de combustíveis e alimentos e graves reflexos na mobilidade e na prestação de serviços. Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o descontrole de preços é resultado da política adotada pela Petrobras, um modelo dependente das oscilações do mercado internacional.

“O Brasil aumentou a produção de petróleo, reduziu o refino e está exportando mais  petróleo cru”, resume o analista do Dieese e assessor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cloviomar Caranine. Ao optar de forma exclusiva pela paridade internacional como política para a definição dos preços de derivados de petróleo no mercado interno e abrir mão do refino para exportar petróleo bruto, a atual presidência da Petrobras fez uma aposta equivocada que visa a para favorecer os acionistas. Segundo levantamento do Dieese, a capacidade de refino de petróleo no país é de 2,4 milhões de barris por dia, ante uma demanda de 2,2 milhões de barris por dia, autossuficiente, portanto.

Ao atrelar os preços ao mercado externo, o governo perdeu o controle sobre os reajustes, que passaram a ser diários no golfo norte-americano, a exemplo do que ocorreu no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso.

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

“O país precisa ter claro que a Petrobras é uma empresa estatal e que o setor de refino é muito estratégico. Se é estatal, não pode visar apenas o lucro, mas atender os interesses da maioria da população”, avalia Cararine

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O que está acontecendo agora, diz Caranine, é o mesmo descontrole que ocorreu no início da década de 2000 quando, não por acaso, a presidência da estatal adotou a mesma política da atual gestão de Pedro Parente. A estatal passou a praticar nas refinarias os mesmos preços dos derivados no mercado internacional. A partir de outubro de 2016, os preços começaram a sofrer variações mais frequentes e, a partir de julho de 2017, as correções passaram a ser diárias.

A paridade internacional de preços veio acompanhada de outras duas decisões, que compõem o quadro da mudança na gestão da Petrobras: a redução da produção nas refinarias próprias da empresa e o anúncio da venda de outras quatro no Brasil. Essas medidas abrem espaço para o aumento da participação de empresas privadas no setor e a entrada de capital estrangeiro. “Enquanto os preços lá fora não tinham disparado e o câmbio também apresentava alguma estabilidade, estava tudo bem, mas quando os preços dispararam no mercado externo, veio a crise. O país precisa ter claro que a Petrobras é uma empresa estatal e que o setor de refino é muito estratégico. Se é estatal, não pode visar apenas o lucro, mas atender os interesses da maioria da população”, avalia.

Segundo o economista, essa política de preços dependente do mercado internacional que favorece as importações, tem um objetivo estratégico: atrair as petrolíferas estrangeiras para a aquisição das refinarias da Petrobras. “Ninguém vai querer comprar uma refinaria se não tiver a garantia de preços mais altos”, constata Cloviomar. Atualmente um quarto do diesel consumido no país é importado. “Pagamos o preço da gasolina como se não produzíssemos petróleo e passamos a depender cada vez mais das empresas que importam derivados”, alerta.

CENÁRIO ADVERSO – Em Nota Técnica divulgada no sábado, 26, o Dieese faz um diagnóstico da crise e atribui o descontrole de preços às políticas adotadas por Pedro Parente ao assumir a estatal em 2016. Os reajustes diários, pontua o relatório, estão relacionados a fatores de natureza conjuntural, especialmente a elementos da geopolítica do petróleo e valorização do dólar diante do real e a fatores internos como as escolhas da política de preços adotada pela Petrobras.

“Nos últimos três meses, houve crescimento de cerca de 23% da cotação do barril de petróleo no mercado internacional, principalmente em razão do retorno das sanções dos Estados Unidos sobre o Irã, do aumento geral da tensão no Oriente Médio, envolvendo Israel, Palestina e Síria, e da queda na produção de petróleo da Venezuela. Irã e Venezuela são dois grandes países exportadores de petróleo que, ao reduzirem as exportações, provocam aumento nos preços do barril, influenciando também o dos derivados. Além disso, desde o segundo semestre do ano passado, um acordo na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), entre Arábia Saudita e Rússia, dois importantes produtores e representantes de polos politicamente opostos dentro da Organização, apontou para a necessidade de aumento da cotação internacional”, contextualiza.

De acordo com o Dieese a paridade internacional desencadeou uma série de efeitos sobre a economia brasileira, afetando diretamente os consumidores e também os setores da indústria que utilizam os derivados de petróleo nas suas linhas de produção. “O país se torna mais vulnerável aos efeitos externos, reduzindo a capacidade de intervenção sobre os preços” quando o preço do barril dispara. “Também passa a comprar no mercado internacional um bem que poderia produzir internamente”.

Petrobras tem capacidade para refinar 2,4 milhões de barris/dia

Foto: Agência Petrobras

As refinarias da empresa possuem capacidade de refinar 2,4 milhões de barris/dia, mas estão utilizando apenas 68% dessa capacidade. Além disso, parte dessa produção de derivados está sendo direcionada para atender ao mercado externo

Foto: Agência Petrobras

A produção de petróleo no Brasil, em abril de 2018, foi de 2,6 milhões de barris/dia (sem considerar 673 mil barris de gás natural). No mesmo mês, as refinarias da Petrobras processaram 1,6 milhão de barris/dia e o consumo interno de derivados ficou em 2,2 milhões de barris/dia. Mesmo produzindo 400 mil barris de petróleo a mais do que o necessário para atender ao consumo nacional, o país importou cerca de 600 mil barris de derivados/dia. Isso porque a política adotada pela atual gestão da Petrobras optou por aumentar a exportação de petróleo cru e reduzir a utilização de suas refinarias. “As refinarias da empresa possuem capacidade de refinar 2,4 milhões de barris/dia, mas estão utilizando apenas 68% dessa capacidade. Além disso, parte dessa produção de derivados está sendo direcionada para atender ao mercado externo”, explica.

Para o economista do Dieese, os cortes na Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide), no PIS/Cofins ou no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que integram o acordo fechado entre governo e lideranças de caminhoneiros serão meros paliativos se o governo não mudar a política do setor de petróleo de forma a tornar mais estrutural a dinâmica de preços. As medidas propostas pelo Dieese são o recuo da política de paridade internacional nos preços dos derivados, principalmente diesel, gás de cozinha e gasolina, e a inclusão de outros fatores, como a produção de petróleo e refino no país, os custos para essas produções, câmbio, demanda por derivados. E considerar ainda o aumento no volume de petróleo refinado em refinarias próprias, que atualmente utilizam apenas 68% da capacidade total. “É possível refinar 2,4 milhões de barris/dia e atender a demanda interna (com cerca de 2,2 milhões/dia), dependendo menos do mercado internacional”, aponta.

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