OPINIÃO

Como a pandemia segue impactando nossas vidas

Por Marco Weissheimer / Publicado em 12 de agosto de 2022

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Como a pandemia impactou (e segue impactando) nossas vidas

Foto: Lucas Moura/ Secom/ PMS

Foto: Lucas Moura/ Secom/ PMS

Como medir o impacto da pandemia de covid-19 em nossas vidas? A própria ideia de “medir” já é complicada. Como medir? E o impacto, na verdade, constitui-se de muitos impactos, alguns mais dramaticamente expostos, como a perda de vidas de alguém próximo, outros menos evidentes e mensuráveis.

Foram pelo menos dois anos de isolamento, mas, durante esse período, o mundo não parou. Pelo contrário, mudanças estruturais profundas aconteceram no modo de funcionamento do trabalho, das relações de produção, de troca, na geopolítica e nas formas de relacionamento social, entre outras dimensões.

Em meio a tudo isso, em 2022, a vida começou a “voltar ao normal”. Para muitas pessoas, sempre é bom lembrar, o isolamento sequer foi uma opção, pois tiveram que seguir trabalhando na rua (os que tinham trabalho, é claro).

Por razões até compreensíveis, muita gente não quer mais saber de falar ou pensar sobre a pandemia, preferindo virar a página do modo mais rápido possível. É compreensível, porque foram dois anos extremamente duros.

No entanto, não é só que a pandemia não acabou e já somos defrontados com um alerta sanitário global para a varíola dos macacos, mas que ela impactou e segue impactando nossas vidas em uma dimensão que não pode simplesmente ser varrida para debaixo do tapete. Quer dizer, poder pode, quem quiser pode fazê-lo, mas disso não se seguem os impactos que irão juntos para debaixo do tapete.

Ainda mais para nós, moradores do Brasil e, em particular do Rio Grande do Sul, que vivemos um processo de violação massiva de direitos e de privatização de patrimônios públicos que, em outros países, apontados como os mais desenvolvidos e exemplos a serem seguidos por nossas “elites liberais”, estão sendo colocados de novo sob o guarda-chuva do controle público em função de seu caráter estratégico, como, por exemplo, as empresas de abastecimento de água e de energia.

A situação de isolamento causada pela pandemia favoreceu que o slogan formulado pelo governo Bolsonaro de “passar a boiada” fosse adotado em diversos estados, como aconteceu aqui no RS com o governo Eduardo Leite. A privatização da CEEE-G (braço de geração da Companhia Estadual de Energia Elétrica), no final de julho, é o capítulo mais recente do atropelo da boiada no Estado.

Mas os atropelos não se limitam às violações de direitos fundamentais e destruição de patrimônios públicos, o que já seria suficientemente grave.

Nos últimos dois anos, a chamada “crise climática”, expressão que parece não carregar a carga dramática necessária para instruir a percepção sobre o que está acontecendo no planeta, também se agravou. Temos, portanto, uma confluência de crises, a qual se soma à crescente militarização da agenda política das nações.

Assim, sair desse período de dois anos de pandemia, com a ideia de que “precisamos voltar logo à normalidade”, sem dar o devido peso ao que está acontecendo no mundo, parece ser a receita certa para alimentar novas tragédias.

Vários analistas, como o cientista político José Luís Fiori, por exemplo, vêm alertando para os sinais de guerra no horizonte, entre os quais o que está acontecendo na Ucrânia pode ser só uma “preliminar”. “Uma nova ordem mundial está nascendo à sombra dessa nova guerra europeia, como já aconteceu no caso da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais”, escreveu Fiori no artigo O mundo depois da Ucrânia.

Essa nova ordem mundial, acrescenta, “está cada vez mais parecida com seu modelo original criado pela Paz de Westfália de 1648. A grande diferença é que agora esse sistema incorporou definitivamente a China, a Rússia, a Índia e mais outros 180 países, e não terá mais uma potência ou região do mundo que seja hegemônica e defina unilateralmente suas regras”.

É neste mundo que estamos, neste agosto de 2022. A “normalidade” que vivemos é marcada por uma confluência de crises, cuja dimensão e gravidade possivelmente sejam inéditas na história recente da “civilização”, conceito que também parece ser questionado pelos acontecimentos recentes.

No início da pandemia e do processo de isolamento, muito se disse sobre a oportunidade de aprendermos algo com o que estava acontecendo, sobre a possibilidade de uma mudança de percepção mais profunda sobre nossa presença e nossas relações no planeta.

Passados mais de dois anos e muitas perdas, parece que essa mudança não ocorreu, ou, se ocorreu, ainda transita em níveis mais subterrâneos e clandestinos.

Marco Weissheimer é jornalista. Escreve mensalmente o Extra Classe.

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