AMBIENTE

Um desmatamento de mais de 6 bilhões de dólares

Desmatamento na Amazônia Brasileira se agravou a partir do Novo Código Florestal, em 2012, e se intensificou nos últimos anos
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 17 de março de 2022
Um desmatamento de mais de 6 bilhões de dólares

Foto: Felipe Werneck/Ibama

Terra Indígena Pirititi, em Roraima

Foto: Felipe Werneck/Ibama

Em 21 de março de 2022, completa-se uma década da instituição do Dia Internacional das Florestas, pela Organização das Nações Unidas (ONU). Dois meses depois daquela data, em 25 de maio de 2012, a então presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou o Novo Código Florestal brasileiro.

Sob o nome oficial de Lei de Proteção da Vegetação Nativa, a Lei Federal 12.651/12, articulada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e depois aprovada pelo Congresso Nacional, acabou se tornando um verdadeiro “paradoxo”, conforme a opinião de ambientalistas. A mudança do código florestal é um dos marcos que definem a atual situação do país, que hoje é o líder mundial de desmatamento de florestas. É o que afirma Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon

NESTA REPORTAGEM
Até então, o Brasil tinha o código florestal, instituído em setembro de 1965 (Lei 4.771/65). Ele, ao lado de outros regramentos, possibilitou, segundo Barreto, que uma série de políticas bem-sucedidas entre os anos de 2004 e 2012 fizesse do país “um sucesso estrondoso” na contribuição para reduzir os gases de efeitos estufa no mundo.

Obteve-se 83% de queda no desmatamento só no caso da Amazônia Legal brasileira, que, se fosse um país, seria o sexto maior entre todos os continentes em extensão territorial.

Representando 67% das florestas tropicais do mundo, com um terço das árvores do planeta em seu solo, foi esse feito que transcorreu durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e até metade do primeiro mandato de Dilma Rousseff, que consolidou o país como importante expoente nas discussões climáticas realizadas mundo afora.

“Mais do que isso, trouxe os governos da Alemanha e da Noruega como principais financiadores do Fundo Amazônia, criado em 2008 pelo decreto presidencial 6527”, diz André Albuquerque, doutor em Economia do Meio Ambiente e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Presidente Dilma e a então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira

Foto: Wilson Dias/ABr

Presidente Dilma e a então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira

Foto: Wilson Dias/ABr

Novo Código gerou desmate de 1 milhão de hectares em meia década

André Albuquerque é o principal autor de um artigo publicado em agosto passado no International Economics, da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, com sede na Holanda.

O texto Environmental regulation and bail outs under weak state capacity: Deforestation in the Brazilian Amazon (em tradução livre, Regulação ambiental e resgates sob fraca capacidade estatal: Desmatamento na Amazônia Brasileira) está disponível somente em inglês. É uma análise que denuncia os efeitos de uma faceta considerada “oportunista” pelo pesquisador.

“Se refere à anistia dada aos que se comportaram mal antes, promovendo desmates ilegais, sinalizando para um setor que já é bastante acostumado a pedir anistias de financiamentos agrícolas, que é muito organizado no Congresso, compreender que pode continuar se comportando mal que, num futuro, poderá pedir uma nova anistia”, prevê. Ele faz uma alusão ao setor do agronegócio, o qual financia a Frente Parlamentar da Agropecupária (FPA), no Parlamento.

“Ao fornecer uma fiança aos proprietários de terras com desmatamento ilegal, o Novo Código Florestal criou incentivos para que proprietários que eram cumpridores da lei também se aventurassem em atividades de desmatamento, na perspectiva de receberem futuras anistias”, ainda acrescenta.

Para se ter uma ideia do tamanho do estrago, o estudo mostra que de 2012 (ano da aprovação do Novo Código) até 2017, em apenas cinco anos, as propriedades rurais particulares investigadas apresentaram uma perda acumulada de quase um milhão de hectares de floresta (976 mil hectares).

Monetariamente, isso equivale a uma perda de estimados US$ 2,4 bilhões, quando são consideradas somente as emissões de carbono, afirma Albuquerque. “Com parâmetros conservadores para o preço do carbono, de US$ 5 por tonelada de CO2”, enfatiza.

A estimativa de perdas em carbono, de acordo com especialistas, valoradas a um preço de carbono aos mesmos US$ 5/tonelada de CO2, estaria por volta de U$ 3,8 bi nos cinco anos seguintes (2017-2021), o que totalizaria U$ 6,2 bilhões ao longo de uma década. Só entre 2019 e 2021, já no governo Jair Bolsonaro, o prejuízo estimado é de U$ 3 bilhões. Esses dois anos representam metade das perdas de toda uma década de desmatamentos em termos de emissões de carbono.

Desde 2004, com o Protocolo de Quioto, a redução da emissão de dióxido de carbono (CO2) passou a ter valor econômico. A ideia central é fazer com que países reduzam ou limitem as emissões. Como uma espécie de prêmio ou compensação, conforme a ótica, o que deixou de ser jogado para a atmosfera gera os chamados créditos de carbono.

Eles podem ser negociados no mercado internacional. Outros gases que, de forma equivalente, são geradores do efeito estufa, também podem ser convertidos em créditos de carbono através do conceito de carbono equivalente. É o caso do gás metano, 21 vezes maior do que o potencial do CO2.

Boiada: conforme o Inpe, depois da alta de 34% no desmatamento no primeiro ano de governo Bolsonaro (2019), ainda subiu mais 21,97% em 2021

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Boiada: conforme o Inpe, depois da alta de 34% no desmatamento no primeiro ano de governo Bolsonaro (2019), ainda subiu mais 21,97% em 2021

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Código incentiva o risco moral

Albuquerque entende que o Novo Código Florestal brasileiro faz surgir “um comportamento conhecido na literatura econômica como risco moral”

Foto: Paula Ramos/Divulgação

Albuquerque entende que o Novo Código Florestal brasileiro faz
surgir “um comportamento conhecido na literatura econômica como risco moral”

Foto: Paula Ramos/Divulgação

Albuquerque entende que o Novo Código Florestal brasileiro faz surgir “um comportamento conhecido na literatura econômica como risco moral”. Esse risco, explica, diz respeito a uma situação em que um indivíduo, ao ver diminuídos os perigos de uma perda ou de uma penalização, “acaba optando por uma posição mais arriscada, que provavelmente não tomaria antes”. Alguns exemplos são bem intuitivos: “É como um motorista que toma menos cuidado com seu veículo depois de contratar um seguro”.

No final das contas, a Lei 12.651/2012, destacam Albuquerque e Barreto, estabeleceu dois regimes legais distintos. “A grosso modo, de um lado, aqueles que cumpriam a lei até 2008 devem continuar a cumpri-la”, diz Albuquerque. Já para os que não cumpriam a legislação até 22 de julho de 2008, completa Barreto, o Novo Código acabou prevendo anistias e condições especiais para regularizar sua situação.

Agravando o problema, diante de uma série de revisões promovidas no próprio Congresso, ainda não existe um prazo previsto para que essas regularizações sejam concluídas.

Foram longe demais fazendo a lei pegar

Os pesquisadores Paulo Barreto e André Albuquerque apontam que o retrocesso começa quando o governo federal, na ótica da bancada ruralista, “teria ido longe demais na política ambiental”.

Foi a partir da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), através do Decreto 6.514/2008, que o ex-senador Blairo Maggi (PP/MT) reconhece no documentário Lei da Água – Novo Código Florestal que o Congresso Nacional retomou um Projeto de Lei de 1999 para mudar a legislação que rege o uso da terra no país, o Código Florestal.

O decreto que regulamentou uma lei dez anos após sua aprovação previa multas para desmatamento em Reserva Legal, no valor de R$ 5 mil por hectare. Não é à toa que, em 2005, Maggi, então governador do Mato Grosso, foi contemplado com o antiprêmio Motosserra de Ouro, criado pela Greenpeace “por sua relevante contribuição ao desmatamento e à destruição da Floresta Amazônica”

Após o impeachment da presidente Dilma Rousseff – com ampla adesão e articulação da FPA –, Maggi foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Michel Temer (MDB/SP), de 12 de maio de 2016 a 1º de janeiro de 2019.

Barreto lamenta: “No caso brasileiro, a maior emissão de gases que causam aquecimento global é referente à mudança de uso de solo, sendo que o desmatamento é o principal fator. Lula mostrou que podia fazer a lei pegar”.

A reação, entende ele, foi a perda de controle da presidente Dilma, que conseguiu somente fazer pequenas alterações. “Os presidentes anteriores foram mais hábeis, ela perdeu o controle. O Congresso já tinha tentado emplacar essa anistia antes, mas o FHC não deixou e o Lula não deixou. Este é um tipo de assunto que, quando está começando no Congresso, se o Executivo se importa com o tema, ele neutraliza. Se você deixa o negócio crescer, vira o que virou. Juntou as duas coisas ali. Quando a presidente se deu conta, não conseguiu mais controlar”, explica.

Para Albuquerque, a ressuscitação de um PL que já havia sido rejeitado na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural e na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, no entanto, mostra que o desgaste da presidente Dilma, que culminou no seu impeachment, já havia começado.

Desastre anunciado que acabou acontecendo

Paulo Barreto: “No caso brasileiro, a maior emissão de gases que causam aquecimento global é referente à mudança de uso de solo, sendo que o desmatamento é o principal fator. Lula mostrou que podia fazer a lei pegar”

Foto: Glaucia Barreto/Divulgação

Paulo Barreto: “No caso brasileiro, a maior emissão de gases que causam aquecimento global é referente à mudança de uso de solo, sendo que o desmatamento é
o principal fator. Lula mostrou que podia fazer a lei pegar”

Foto: Glaucia Barreto/Divulgação

O certo é que, recorda Barreto, “toda a comunidade científica brasileira dizia que ia ser um desastre. E foi um desastre”. Na ocasião dos debates sobre a revisão do Código Florestal, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) publicaram um documento em conjunto, alertando para o aumento do desmatamento.

Ninguém imaginava que o desastre poderia ser maior ainda do que se pensava, com a eleição de um presidente que dá “sinais claros e inequívocos de que o país não deve sequer ter uma política ambiental”, reflete Albuquerque.

Para o pesquisador, esse é o terceiro ponto que chama de inflexão nas políticas relativas ao desmatamento na Amazônia.

Se a primeira mudança passou a ocorrer com o lançamento do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), em 2004, a segunda foi a reação da bancada ruralista que se insurgiu à saída de uma “situação em que a lei era para inglês ver para a promoção do império da lei”, compara Albuquerque.

Os números são claros. O desmatamento na Amazônia Legal caiu de 27,8 mil quilômetros quadrados (km2) em 2004 para 7,5 mil km2, em 2009, registra Albuquerque.

Já no primeiro ano do governo Bolsonaro, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o crescimento do desmate na Amazônia brasileira cresceu 34% em relação a 2018. Foram 10.129 km2 de árvores abatidas, ante 7.536 km2.

Com a mesma metodologia, verificada pelos satélites do Inpe, a área desmatada entre o período de 1° de agosto de 2019 e 31 de julho de 2020 foi de 10.851 km2. Esse número cresceu mais 21,97% de 1° de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021: 13.235 km².

Albuquerque entende que Bolsonaro sinaliza de forma explícita o seu descontentamento com o aparato ambiental brasileiro. São fortes declarações contrárias, o “afrouxamento de políticas de comando e controle e de desmonte das instituições ambientais”.

Assim, diagnostica o pesquisador, o governo atual cria um ambiente de incentivo ao desmatamento sem precedentes na história recente. “Nesse contexto, é razoável admitir um recrudescimento nas taxas de desmatamento, com possíveis consequências irreversíveis para a maior floresta tropical do mundo”, conclui.

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