CULTURA

Museu nasceu da paixão pelo mar

Dóris Fialcoff / Publicado em 8 de julho de 1997

Para quem gosta de conhecer a origem das coisas, andar pelas ruas de uma cidade histórica é um prazer indescritível. Característico da colonização portuguesa, fundado em 19 de fevereiro de 1737, Rio Grande é o município mais antigo do estado. Com configuração de uma restinga costeira, sua localização, no litoral sul, é privilegiada. Limites ao Norte com Pelotas e a Lagoa dos Patos, ao Sul com Santa Vitória do Palmar, a Leste com o Oceano Atlântico e o canal do Rio Grande e a Oeste também com Pelotas, Arroio Grande e Lagoa Mirim. Praticamente, a cidade é cercada de água por todos os lados.

Isso talvez explique a paixão dos rio-grandinos pela vida dos mares e uma iniciativa pioneira, no Brasil, quando ecologia e preservação ambiental, nem faziam parte do vocabulário popular. Em 1953, quando um grupo de interessados em assuntos do mar se reuniu e idealizou uma sociedade de estudos oceanográficos, lançou as bases de uma séria e relevante investida que hoje se chama Museu Oceanográfico Professor Eliézer de Carvalho Rios. O grupo queria saber mais sobre os mares do Sul, principalmente da costa gaúcha, sua geologia, suas espécies, peixes, algas, crustáceos. Não eram objetivos modestos para a época a determinação de realizar estudos científicos, promover a formação de pessoal necessário para o desenvolvimento da oceanografia, estabelecer um centro de sua orientação e divulgação, lutar para o crescimento da pesca racional e ainda prestar assistência técnica, quando solicitada. Neste horizonte, claro, um museu oceanográfico.

FURG – “Embora a idéia do museu já existisse há algum tempo, foram dois rio-grandinos, os professores Eliézer de Carvalho Rios e Boaventura Nogueira Barcellos, e o iugoslavo, engenheiro Nicolas Vilhar, que efetivamente tornaram realidade o Museu Oceanográfico”, ensina Lauro Barcellos, o diretor do Museu.

Desde o seu início, a Sociedade de Estudos Oceanográficos de Rio Grande (SEORG) esteve instalada em um prédio cedido pela Prefeitura Municipal, na Praça Tamandaré. Mas, em 1961, iniciaram as primeiras manifestações para a construção de uma nova sede. Com o apoio decisivo da Fundação Cidade do Rio Grande que, em 1969, assumiu o compromisso de zelar pelo patrimônio da SEORG, o projeto da nova sede começou a ser executado em 1971. Construído com o apoio financeiro de empresas locais, o Museu Oceanográfico Professor Eliézer de Carvalho Rios abriu oficialmente suas portas no dia 8 de setembro de 1973. Dois anos mais tarde, através de uma doação, a instituição foi integrada à Fundação Universidade do Rio Grande (Furg), o que possibilitou a ampliação das pesquisas e estudos, pelo trabalho conjunto entre o museu e o curso de Oceanologia, iniciado em 1971.

Adaptações biológicas, fisiológicas, de comportamento ocorrem num ritmo surpreendente, modificando espécies, ambientes e climas. Mais que buscar, organizar e preservar testemunhos materiais do homem e do meio ambiente, “o objetivo do museu é mostrar um pouco da vida dos oceanos, da sua geologia, da sua história e das suas relações com o homem, revelando que natureza é essa, que biodiversidade é essa e que importância tem isso para nossa vida”, esclarece Barcellos. Assim ele resume a proposta do museu que, no final das contas, tem o sentido da proteção do meio ambiente, mobilizando a comunidade para isso. “Com as imagens e os objetos, as pessoas vão sendo impregnadas de interesse”, completa.

Ao entrar no Museu Oceanográfico de Rio Grande, o visitante já pressente que terá muitas surpresas. Algumas delas resultam da desatenção daquilo que caracteriza o próprio planeta. A Terra é constituída por 70% de água, habitat natural de milhões de espécies que a maioria dos homens não conhece. Apesar disso, hoje mais do que nunca verifica-se uma exagerada curiosidade em saber se há e qual a natureza da vida em outros planetas. Seria mais razoável a preocupação com as espécies extintas que deram fim a tantas outras que integravam o ecosistema). Ou ainda, seria mais urgente saber como e por que morrem seres vivos quando estão em seu habitat natural. Afi-nal, o ser humano não é o único afetado por este processo, mas aquele que pode ter consciência disso.”

BALEIA – Peixe-cofre, peixe-leão, peixe-lixa, peixe-voador, peixe-enxada, peixe morcego. Ossadas, esqueletos completos permitem ao visitante ter uma idéia do tamanho dos mamíferos marinhos. Do lado de fora do museu está instalado um gigantesco esqueleto da baleia azul que mede 23,02 metros e, em 1992, encalhou no Chuí, a dois quilômetros da divisa com o Uruguai. “Esse é o primeiro encalhe que se tem registrado da espécie para o Brasil e o segundo para toda a Costa Atlântica da América do Sul”, relata o oceanógrafo Eduardo Secchi, pesquisador, colabora-dor e responsável pelo laboratório de mamíferos marinhos da instituição. Secchi assegura que a baleia azul é o maior animal “que vive e já viveu na face da terra” – o maior exemplar da espécie registrado na história tinha 33,58 metros. Barbatanas desse imenso mamífero também estão expostas. São escuras, quase pretas e muito rígidas. Antigamente eram utilizadas para a confecção de armações de vestidos, pentes e varetas de sombrinhas, mas a pesca predatória sempre foi, principalmente, em função do óleo e da carne.

Os animais que chegam enfermos e debilitados ao litoral vão para o Centro de Recuperação de Animais Marinhos do Museu. Depois, devidamente tratados, são reconduzidos ao oceano. O Centro possui um local fechado, uma enfermaria, onde são realizadas as intervenções necessárias, medicação, etc. Além disso, a céu aberto, existem dois tanques de 2,5 metros de profundidade. Dois para o caso de estarem recuperando espécies diferentes. Em um deles está um lobo marinho, que foi encontrado muito pequeno, com infecção no pescoço, dentro de um canal que refrigera equipamentos da Refinaria de Petróleo Ipiranga. “Não é comum ter filhotes desta espécie aqui, então nós não sabíamos para onde levá-lo, se para o Uruguai ou para a Ilha dos Lobos, em Torres. Não sabíamos a procedência dele e como estava com infecção, provavelmente não sobreviveria no ambiente natural. Ele cresceu aí e nós o usamos como uma forma de educar as pessoas”, explica Secchi.

Contribuir na Educação é um dos objetivos básicos do Museu Oceanográfico. “Há dez anos temos o Programa de Educação Ambiental, específico sobre o meio ambiente local. A cada mês, durante duas semanas, 40 estudantes de primeiro grau, em dois grupos de 20, aprendem o que é o estuário, o que é e para que serve o porto, por que tem um canal, que economia gera isso, porque a riqueza da cidade vem da água. “Esse trabalho é todo financiado pela Refinaria de Petróleo Ipiranga. Eles são preocupados com o ambiente. Acho que se todos fizessem um pouco, somaria”, assevera Lauro Barcellos.

ACERVO – “O acervo todo foi feito através de trocas, que culminou com a enorme coleção que possuímos hoje. As pessoas trazem para cá e nós vamos ensinando-as o que devem fazer, se devem ou não tirar, ficar na própria natureza. Isso é uma das nossas preocupações, para evitar depredações”, esclarece, o diretor do museu, acrescentando que o acervo aumenta de forma muito rápida, em função das pesquisas que são realizadas.

Depois dos insetos, os moluscos constituem a maioria da população de animais do planeta. Eles desempenham um papel importantíssimo na cadeia alimentar, fundamental na transferência de energia, porque grande parte das espécies marinhas se alimentam de moluscos. “O ambiente se degrada numa velocidade espantosa, principalmente nas zonas costeiras, onde tem uma produção humana muito grande e as condições são péssimas”, alerta Barcellos, justificando a preocupação do museu em tentar sensibilizar a comunidade, de modo que todos fiquem atentos para isso. “Nesse equilíbrio todo, necessário para tudo isso se manter, é preciso que existam as espécies”.

O melhor exemplo é a Lagoa dos Patos, uma via de comunicação para as relações comerciais das cidades da região com o mundo. Segundo Lauro Barcellos, grande parte dos navios carregam cargas altamente perigosas. “Se, por ventura, ocorrer um derramamento de alguma substância tóxica na Lagoa dos Patos, vai matar vida. A nossa preocupação é que este ambiente não seja colocado em risco dessa maneira”, explica, salientando também a importância dos convênios mantidos para realização de pesquisas. “Com o Boticário, por exemplo, financia-se o estudo das toninhas, uma espécie de mamífero marinho que vive aqui na costa.”

Pesquisas científicas. Como, de fato, seus resultados se aplicam à vida das pessoas, das sociedades? Segundo Barcellos, elas podem visar proteger uma espécie, fornecendo uma série de procedimentos sobre uma determinada pescaria. “Os museus e os centros de pesquisas não fazem as leis, dão subsídios aos legisladores. Por exemplo, o porto solicita uma pesquisa sobre as condições químicas da água. O porto vai avaliar os resultados e tomar providências sobre eles. Nós não temos o poder de polícia e nem de legislar. Nós contribuímos com a informação”, esclarece. A premissa básica para fundamentar uma pesquisa científica é ter um questionamento básico. O segundo passo é buscar um método para tentar respondê-lo, “mas o que acho mais importante é nós analisarmos se esta questão é realmente viável e relacionada com a realidade concreta, por que não se pode estar gastando recurso com coisas que não levam a nada”, assinala Lauro Barcellos.

O acervo do único Museu Oceanográfico da América do Sul, com esta característica tão específica, subsidia muitos estudos, inclusive, as suas 39 mil amostras e 160 mil exemplares de moluscos constituem o maior centro de informações sobre a espécie no Brasil. Devido aos trabalhos realizados e publicados ao longo do tempo, a instituição é reconhecida internacionalmente, muitas vezes servindo como fonte para outros pesquisadores do mundo a fora. O estudante, pesquisador ou o simplesmente curioso ainda pode contar com uma biblioteca especializada com 1.500 livros.

ANTÁRTIDA – Há cerca de 13 anos, o Brasil está na Antártida realizando intensas pesquisas que mobilizam a aeronáutica e a marinha, sobre a vida, a meteorologia, a oceanografia, o movimento das massas de ar, deste sexto continente descoberto, na qual o país tem a sua parte. Por isso, em 7 de janeiro deste ano, com apoio da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, foi inaugurado o Museu Antártico em Rio Grande. Geminado ao Museu Oceanográfico, está instalado em cinco containers idênticos aos que são utilizados para a construção da Estação Antártica Brasileira “Comandante Ferraz”. “A idéia é mostrar o que é a Antártida, o quão próximo nós estamos dela”, explica Lauro Barcellos, completando ainda que “se interpretarmos corretamente o que acontece lá, podemos prever e entender o que acontece aqui, os processos climáticos antárticos, que são formadores do clima”. Procurado por pesquisadores de todo o mundo, o museu é referência científica, cultural e de turismo. O visitante, principalmente o leigo, se der sorte, poderá encontrar em Rio Grande o habitante mais simpático e característico dos Pólos. Trazido para ser recuperado, muito assustado, um pingüim foi retirado do porta malas do carro de quem o achou e levado ao Centro de Recuperação de Animais Marinhos, onde imediatamente mergulhou num dos tanques.

Esquimó e luzes

O Museu Oceanográfico de Rio Grande funciona todos os dias, das 9 às 11 horas e das 14 às 17 horas e fica fechado em apenas cinco dias do ano: 1º de janeiro, Natal, Páscoa, Finados e eleições. O valor do ingresso é de R$ 2,00. Também espaço para exposições temporárias e itinerantes, atualmente acolhe a mostra Pólo Norte: A arte esquimó. Para agosto está prevista a exposição Faróis, luzes do Atlântico, em parceria com o Comando do 5º Distrito Naval e Serviço de Sinalização Náutica do Sul e a Associação Praticagem da Barra do Estado do Rio Grande do Sul. O objetivo é informar à comunidade aspectos relevantes dos faróis do litoral sul, de Torres ao Chuí, suas funções e a necessidade de assegurar-lhes o permanente funcionamento, pois oferecem segurança aos navegantes, além de serem símbolos de nacionalidade.

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