CULTURA

Prosa bem temperada

Luiz Carlos Barbosa / Publicado em 24 de setembro de 1999

O cheiro agradável da cebola frita recompensa o trabalho de descascá-la e cortá-la. Mas os aromas domésticos e prosaicos hábitos cotidianos são apenas pretextos para um prosa também bem temperada de erotismo e insinuações literárias sem nenhuma jactância. Com estes ingredientes e algumas pitadas de humor judaico, a jornalista Cíntia Moscovich, 41 anos, estréia em livro com “O reino das cebolas”. A reunião de contos lançada pela Mercado Aberto, com a chancela da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, através do Fumproarte, tem uma escritura enxuta. Celebra aquela máxima machadiana de que escrever é cortar palavras. Cíntia ordena orações originais, livre daqueles lugares comuns que, às vezes, atacam até mesmo escritores experientes. Salvo alguma desatenção, só encontrei este tropeço: “o corpo preso à cama de lençóis amarfanhados”, página 26, no conto “Guri”. Aliás, este conto é um dos mais densos do livro. Porém, sem dúvida, o que tem escritura mais profunda e instigante é o que abre o volume, “Volver al Sur”: “Uma compressão aguda iniciou-se no cotovelo direito e o quadril estourou em fogo. A cabeça fez sucessivos movimentos de translação sobre o eixo do corpo, enquanto o rosto recebia ásperas pontadas”. Inclusive, este conto bem poderia estar na lombada do livro, ao invés de “O reino das cebolas”, uma vez que a noção de Sul é uma recorrência constante nesta prosa que se lê com prazer e apetites variados.

VIAGEM AOS LIMITES

O relato de viagem é um dos gêneros de leitura mais encantadores. Foi consagrado nas edições para jovens, sempre interessados neste sentimento essencial que está plasmado na idéia de aventura. Nas décadas mais recentes, ressurgiu atraindo leitores de todas a idades. Pois o jornalista e editor Airton Ortiz, que se revelou um sensível aventureiro de viagens radicais, oferece agora “Aventura no topo da África – trekking no Kilimanjaro”, um trabalho que se lê de um só golpe porque combina expectativa, tensão e induz a pensar sobre a vida contemporânea. Por conta das páginas em que o autor reflete sobre as andanças, sobre as pessoas com quem convive e a relação ser humano-natureza, há instantes de pleno relaxamento, em uma perspectiva metafísica. Viajando com Ortiz, mesmo aqueles que conhecem a África e a exuberância vigorosa de sua natureza hão de descobrir detalhes tocantes. Graças à sensibilidade e à observação do jornalista sobre as naturezas, inclusive a da alma.

OUTRAS VIAGENS

Toda viagem tem um quê de radical e, como essência, a aventura. Mas como recomenda Andréa Sebben, até mesmo esta experiência requer um preparo em benefício da própria experimentação. Afinal, melhor o planejamento do que o voluntarismo. Este é o recado que a autora passa neste que é mais do que um simples manual de viagem. “Intercâmbio cultural” é uma plataforma cheia de informações para os jovens que desejam viajar e viver um período no exterior, conhecer outras culturas e aprender com prazer. Não deixa também de ser um alívio para os pais e familiares: mais do que dicas que vão desde os cuidados de saúde, documentação e até a bagagem, Andréa alerta para as dimensões sociais do intercâmbio cultural.

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