CULTURA

Dyonélio e os ratos

César Fraga / Publicado em 22 de agosto de 2004

A editora Planeta, que está republicando toda a obra do escritor gaúcho Dyonélio Machado (1895-1985), relança agora seu livro de maior repercussão, Os Ratos (208 páginas – R$ 29,00), cuja primeira publicação data de 1935. Com esse trabalho, Dyonélio ganhou projeção nacional, além de ganhar o prêmio Machado de Assis naquele ano, ao lado de outros três autores que também despontavam no cenário literário brasileiro: Erico Verissimo, Marques Rebelo e João Alphonsus de Guimaraens.

Dyonélio foi contemporâneo de Jorge Amado e Graciliano Ramos na década de 1930 em que o país ensaiava sua passagem do arcaísmo para a modernidade da era Getúlio Vargas, que estava chegando.

Nesse cenário, Naziazeno Barbosa, personagem central do livro, tem sua miséria cotidiana exposta em 24 horas de sua vida na forma de um romance. Diferente de seus contemporâneos, Dyonélio apresenta-nos um anti-herói urbano, funcionário público pertencente a uma pequena burguesia marginalizada e suburbana. Enquanto seus pares escritores, Amado e Graciliano, concentravam-se em romances regionais, como Vidas Secas, o escritor gaúcho optou por uma ficção urbana, focada mais na miséria humana do que na pobreza em si. O texto é seco e entrecortado por diálogos simples e pensamentos reveladores de aspectos psicológicos do personagem, que se vê emaranhado em um pesadelo real gerado pela falta de dinheiro. Naziazeno tem um dia para dar conta de uma dívida com seu leiteiro, que na manhã do dia narrado ameaça, diante dos vizinhos, interromper o fornecimento de leite. Ao longo do dia, assistimos ao esfacelamento físico e mental do personagem, que, a cada lance da trama, tem sua angústia crescente diante do estado de degradação gerada pela via-crúcis encenada nas ruas de Porto Alegre em busca de 53 mil réis. O dinheiro garantirá não somente o leite de seu filho pequeno na manhã seguinte mas também algum respeito da esposa e vizinhos.

No posfácio da nova edição, Davi Arriguci Jr. aponta como o maior acerto artístico de Dyonélio neste romance fato de ter encontrado uma imagem analógica ao universo emocional de seu personagem na metáfora animal que dá forma ao drama moral que narra. O “rato” está por toda parte – nos olhares esquivos, nas ações entrecortadas, nos gestos miúdos, nos aspectos do corpo e na cor das roupas – até se configurar como símbolo aterrador do homem acuado.

Dyonélio Machado pertenceu à segunda fase do Modernismo. Foi militante comunista, sendo, inclusive, deputado pelo PCB antes do Estado Novo. Durante a ditadura Vargas, foi preso político, mas apesar de suas convicções ideológicas se refletirem na obra, não pesaram sua escrita. Além de escritor, também foi psiquiatra e jornalista. Estreou na literatura com o livro de contos Um pobre homem, em 1927. Entre seus títulos, destacam-se O louco do Cati (1942), Deuses econômicos (1966), Endiabrados (1980) e Fada (1982).

Com Os Ratos, D.M. ganhou prestígio, porém quase restrito ao meio literário. Trata-se de um romance tanto fundamental quanto desconhecido do grande público. Um paralelo torna-se inevitável: Naziazeno, o personagem, temia que os ratos devorassem os trocados que conseguira e não dormia para manter a vigilância. Esta reedição, por sua vez, dá-nos a chance de evitar que parte importante da memória literária brasileira seja devorada pelo esquecimento. Melhor que devoremos Os Ratos antes.

Piscar de olhos
Em um tempo de imagens editadas e de um mundo em fragmentos nada melhor do que se afundar na leitura deNum piscar de olhos (Jorge Zahar, 150 páginas, R$ 26,00), de Walter Murch. Este cidadão foi quem montou som e imagem do filme Apocalipse Now, pelo qual ganhou um Oscar. Segundo o próprio Fancis Ford Cooppola, nada é tão fascinante como passar horas ouvindo as teorias de Walter sobre a vida, o cinema, além de inúmeras partículas de sabedoria que ele deixa pelo caminho, como migalhas de pão de João e Maria: orientadoras e nutritivas.

 

Escrever e falar bem
A professora Clair Alves, que também é poeta e escritora, lança simultaneamente A Arte de escrever Bem e A arte de falar bem. Os livros são lançados pela Citadela Editorial e possuem cada um 110 páginas em média. Os dois manuais podem ser adquiridos em conjunto por R$ 30 reais.
Informações citadela@citadelaeditorial.com ou pelos fones (51) 3311-3671 / 3225 9944

 


Cidades que educam

Cidade Educadora – Princípios e experiências(Cortez/IPF/CE-AL, 159 páginas), organizado por Moacir Gadotti, Paulo Roberto Padilha e Alicia Cabezudo faz parte da coleção Cidades Educadoras. O livro é uma iniciativa do Instituto Paulo Freire e da Oficina Regional das Cidades Educadoras da América Latina, tendo em seu eixo central textos referentes aos estudos sobre o tema que dá nome à coleção.
www.paulofreire.org / www.cortezeditora.com.br

 

Virtualidade
Em genealogia do virtual – comunicação, cultura e tecnologias do imaginário (Sulina, 278 páginas, R$ 33,00), reúne uma coletânea de textos dividida em duas partes com artigos organizados por Francisco Menezes Martins e Juremir Machado da Silva. Dentre os autores estão Gilles Lipovetsky, Armand Mattelart, Edgar Morin, Elihu Katz, Nicholas Garnham, Pierre Levy.www.sulina.com.br

 


Poesia dissonante

O sempre polêmico Glauco Mattoso lança seu novo rebento, Pegadas noturnas – dissonetos barrockistas(Lamparina – 214 páginas). Segundo Millor Fernandes, os sonetos de Mattoso são camonianos, perfeitos como técnica, transbordantes de idéias, nojentos como temática e assustadores pelas confissões. (021-2232-1768)

 

 

Sobre o poder
Em 1954, o então jovem estudante e hoje jornalistaFlávio Tavares teve um encontro casual com Salvador Allende na China, logo após o suicídio de Getúlio Vargas. Esse é o ponto de partida para Tavares escrever suas novelas de não-ficção sobre o poder no Brasil em O dia que Getúlio matou Allende (Record, 333 páginas),www.record.com.br

Comentários