CULTURA

Quem matou o papa?

Gilson Camargo / Publicado em 30 de março de 2006

Albino Luciani, o papa João Paulo I, estava decidido a subverter dogmas da Igreja Católica e distribuir para a população todo o ouro do Vaticano. Foi assassinado em 28 de setembro de 1978, após 33 dias de um pontificado cercado de mistério, conspiração e traições. Essa é a trama de O último papa, romance do escritor português Luís Miguel Rocha, que chega às livrarias de Portugal em abril, num lançamento simultâneo com Estados Unidos e Reino Unido. No Brasil, depois de uma disputa entre seis editoras, deverá ser lançado ainda no primeiro semestre pelo selo Sumo de Letras, da Objetiva.

Nascido no Porto, Rocha, de apenas 29 anos, escreveu roteiros para a tevê portuguesa e traduziu escritores ingleses até lançar, em 2003, seu primeiro romance, Um país encantado, que retrata a ditadura do Estado Novo em Portugal (1933-1974) e as relações com o Brasil. Por conta de O último papa, a imprensa portuguesa passou a rotulá-lo de “o novo Dan Brown”. A referência não é gratuita. O autor de O código Da Vinci leu 40 páginas enviadas pela agente literária de Rocha, Jéssica Woolard, e decidiu assinar um comentário para a capa. A primeira reação ao livro: a casa do autor foi arrombada, o computador e os originais do livro roubados.

A versão de assassinato para a morte de Albino Luciani não é nova. Já fora defendida por David Yallop no controverso Em nome de Deus (1984) e por John Cornwell em Um ladrão na noite (1989). Em seu romance, além de sustentar que o papa pretendia socializar as riquezas da Igreja, Rocha levanta outras razões para o crime, como a vontade de João Paulo I de permitir que mulheres entrassem para o sacerdócio e a intenção de autorizar o controle da natalidade por meio de contraceptivos. Ele vai além: o assassinato seria o resultado de uma conspiração da Loja P2, ligada à Maçonaria, com ramificações na cúria romana, no governo italiano e na América Latina. “O plano era eliminar um homem que iria incomodar a Igreja”, diz Rocha, lacônico, nesta entrevista concedida por e-mail, de Roma, ao Extra Classe.

Extra Classe – Que teoria o senhor sustenta em O último papa?
Luis Miguel Rocha
– Sustento a teoria de que João Paulo I foi assassinado. A teoria desenvolve-se no enredo do livro.

EC – Quem planejou o assassinato?
Rocha
– O plano foi delineado por várias pessoas com o intuito de suprimir um homem que iria tornar-se incomodativo.

EC – Há provas?
Rocha
– Existem provas documentais. Relatórios, apontamentos, um sem número de coisas.

EC – Por que Luciani queria ser o último papa rico da história do Vaticano?
Rocha
– O fato de querer distribuir as riquezas da Igreja não faz dele um socialista. Ele apenas queria restaurar a Igreja à imagem de Jesus Cristo.

EC – Por que a obra recorre à ficção?
Rocha
– Como romance, é natural que tenha uma parte ficcional. Uma forma de não tornar a obra um documento chato.

EC – Seu escritório foi invadido e os originais do livro roubados. Seria uma reação ao livro?
Rocha
– Não faço essa associação. Penso que foi um assalto ocasional.

EC – Teme alguma reação?
Rocha
– Nunca pensei nisso.

EC – A imprensa portuguesa o tem rotulado de “o novo Dan Brown”. O que acha disso?
Rocha
– Dan Brown é Dan Brown. Eu sou eu.

EC – No primeiro romance, Um país encantado, o senhor retrata a ditadura do Estado Novo em Portugal e as relações com o Brasil. O que o Brasil representa para o seu país?
Rocha
– O país encantado é um livro muito diferente de O último papa. Trata de Portugal, das raízes portuguesas, do desencanto do país, do hipnotismo que paira enquanto o tempo passa. Das relações com o Brasil, um país fantástico, um grande exemplo para Portugal e para os portugueses.

EC – E a questão da corrupção, tem paralelo?
Rocha
– Penso que o Brasil virá a ser a nova terra da oportunidade. Compreendo essas denúncias de corrupção, que num país como o Brasil são tratadas a céu aberto, na opinião pública, como o que deve ser numa democracia. Em Portugal, as coisas correm mais pela calada, é um país muito pequeno, onde todos se conhecem, e através de cunhas e tráfico de influências obscuras, alguns se vão governando. Mas tudo fica no silêncio, a coberto das autoridades, enquanto o país se afunda. Nesse aspecto deveríamos fazer como no Brasil e tratar as coisas abertamente.

DARCY AZAMBUJA
Os dois volumes de Darcy Azambuja (Vida e obra, 128 p.; e Contos escolhidos, 192 p.; JÁ Editores – organizado por Geraldo Hesse) proporcionam uma incursão pela história política e literária do Rio Grande do Sul na sua proposta de reconstituir a trajetória de um dos autores mais representativos da literatura gaúcha, ideólogo da Constituição Estadual de 1935. Braço direito do governador Flores da Cunha até 1937, quando Getúlio Vargas deu o golpe do Estado Novo, Azambuja estreou na literatura em 1925, com No galpão, coletânea de contos sobre a vida campeira, que o colocou lado a lado com Erico Verissimo e Simões Lopes Neto. Professor de Direito Constitucional e um dos pioneiros do Direito da PUCRS, autor de Teoria Geral do Direito, Azambuja lecionava fumando cigarros de palha e grafava democracia com a inicial maiúscula.

HISTÓRIA
Ensino de História – fundamentos e métodos (Cortez, 408 p.), de Circe Maria Fernández Bittencourt, propõe uma reflexão acerca dos conteúdos e métodos mais adequados para o ensino dessa disciplina para crianças, jovens e adultos. Integra a coleção Docência em formação, destinada a subsidiar a qualificação de professores a partir da formação inicial.

VIRTUDES
A sobrevivência da humanidade aos efeitos da globalização e à crise geral pela qual passa o sistema de vida no planeta depende de transformações e de uma coalizão de forças que se unam em torno de valores éticos e morais. É a proposta da coleção Virtudes para um outro mundo possível (Editora Vozes), do teólogo e escritor Leonardo Boff. O primeiro volume Hospitalidade: direito e dever de todos (199 p.) estabelece os fundamentos para uma convivência minimamente fraterna em uma “casa comum”, ou seja, no planeta Terra.

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