CULTURA

Morre o escritor e editor Walmor Santos, um desbravador que acreditava nos sonhos

O comunicado, feito pela filha, Renata Santos, na noite desta quinta-feira, 22, consternou amigos e o mundo da literatura, no qual Walmor percorria com amor e desenvoltura
Por Lelei Teixeira / Publicado em 23 de julho de 2021

Foto: Escola Estadual Vila Velha, de Palmeira das Missões

Foto: Escola Estadual Vila Velha, de Palmeira das Missões

“A vida é um sopro, então não deixe de abraçar quem você ama, demonstre seus sentimentos sempre, nunca saberemos quando será a última vez”. Assim Renata Santos, filha do editor e escritor Walmor Santos, comunicou a morte do pai ontem, 22 de julho, notícia que comoveu amigos, parceiros de trabalho, leitores, o nosso universo literário. “Uma pessoa das letras, grande orientador, incentivador e crítico”, definiu o jornalista Paulo de Tarso Ricordi em seguida no Facebook e os comentários emocionados não cessaram mais.

Walmor sabia da fragilidade da sua saúde nos últimos anos. No início de maio, depois de oito dias de internação no Instituto de Cardiologia, publicou na sua página no Facebook que estava de volta e que começaria a sair, “responsavelmente” – “Chega dessa solidão pandêmica”, escreveu.

Adepto da doutrina Espírita, ele partiu consciente de que nada mais poderia ser feito. E, como era seu desejo, foi cremado na manhã desta sexta-feira, 23, sem velório e sem cerimônia. Deixa quatro filhos, Rafa, Renata, Ricardo e o caçula Roberto (com quem publicou livros infantis), netos e netas, e uma obra literária vasta e muito rica.

Sônia Zanchetta, coordenadora da Área Infantil da Feira do Livro de Porto Alegre, diz que Walmor manifestou muito entusiasmo com o Clube de Leitura para Adolescentes, criado pela Biblioteca Comunitária Sol e Lua, de Cachoeirinha. E eles tinham planos para o mês de agosto, no sentido de mobilizar e trazer os jovens para a leitura. Além disso, acrescenta Sônia, doou vários livros para a Biblioteca, reafirmando que “assim que melhorasse daria um jeito de ir até lá para um encontro com a meninada”.

O professor Luis Augusto Fischer conta que no final dos anos 1980, início dos 90, Walmor o procurou e falou do desejo de ser escritor. Já tinha um livro de poesias publicado na juventude e seguia escrevendo. Segundo Fischer, ele foi dono de um restaurante chamado 1 Minuto, que servia lanches e refeições rápidas. Já tinha sido dono de gráfica. Depois, procurou a oficina do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil. “Era daqueles desbravadores corajosos, inteligentes e pertinazes, uma grande figura humana”. Fischer reforça que Walmor mesmo levava os livros que escrevia e de outros autores que editava para escolas e cidades do interior e que era verdadeiramente um espírita militante.

Catarinense de São João do Sul, Walmor Santos morava em Porto Alegre e faria 71 anos em 16 de agosto. Proprietário de uma editora pequena, WS Editor, gostava de lançar novos escritores e tinha prazer em levá-los para as escolas. Sua convivência com o universo escolar era enorme. Dava palestras e ministrava cursos para professores de todos os níveis de ensino sobre “Leitura e a Arte da Transform(ação)”.

Valorizava a experiência concreta nos ambientes escolares, através da troca, olho no olho, com alunos e professores. Experiência que o levou até a Jornada Literária de Passo Fundo em 2003 e a prestar assessoria para a Secretaria Estadual da Educação. Criou o grupo Cria Contos, os projetos Autor na Sala de Aula e Comunidade Leitora (este em parceria com Nóia Kern) e a Revista Literária Blau, já extinta. Também foi presidente da Associação Gaúcha de Escritores (biênio 1999/2001).

Como escritor, Walmor aventurou-se por vários gêneros. Do conto, passou pela crônica e chegou ao romance com Contestado (Editora Record) sobre o conflito entre a população cabocla e os poderes estadual e federal em Santa Catarina e no Paraná no início do século XX, um dos mais importantes movimentos sociais do país . Sua novela A noite de todas as noites foi finalista do Prêmio Jabuti em 2001.

No livro Anjos caídos à mesa ele diz: “Em todos os lugares, mesmo quando estamos nos sentindo na lama, essa lama…tem alma. Observe. Sinta. Há beleza e vida em todas nossas fases, momentos, situações da vida”.

Era um sonhador, como reconheceu lindamente em um dos poemas que escreveu – “Um guri, um jovem e um adulto muito rico. Tive montanhas de sonhos. Não importa quantos deles eu realizei. Creio que foram poucos. Mas são os sonhos que nos levam adiante. Sem eles somos folhas secas em pedras tumulares”.

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