CULTURA

Da Lomba do Pinheiro para o mundo

ARTE +
Por Juarez Fonseca / Publicado em 16 de agosto de 2022

Envios diários

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Da Lomba do Pinheiro para o mundo

Foto: Cláudio Etges/Divulgação

Vladimir Soares, radicado na Alemanha desde 2013, chega à cidade no final de agosto para recitais na Casa da Música e na Fundação Ecarta, e para atuar como solista em concerto da Orquestra de Câmara da Ulbra

Foto: Cláudio Etges/Divulgação

O músico porto-alegrense Vladimir Soares, radicado na Alemanha desde 2013, chega à cidade no final de agosto para recitais na Casa da Música e na Fundação Ecarta, e para atuar como solista em concerto da Orquestra de Câmara da Ulbra.

Vladimir Soares tinha 11 anos em 1996 quando começou a estudar flauta doce na Escola Municipal Heitor Villa-Lobos, na Vila Mapa, bairro Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre. Já vivendo na Alemanha, 21 anos depois, em 2017, ele concluía o segundo mestrado na Escola Superior de Música e Artes Cênicas de Sttutgart, recebendo nota máxima e láurea acadêmica – o que não ocorria na classe de Flauta Doce havia 25 anos!

Vamos saber um pouco mais desse extraordinário músico nascido em uma família pobre e hoje considerado um dos maiores executantes de flauta doce no mundo?

“Tive uma infância normal, boa”, começa Vladimir na conversa por WhatsApp feita na madrugada do Brasil para encontrá-lo disponível (pelo fuso horário) na manhã da Alemanha, pois tem o resto do dia ocupado. “Minha mãe sempre trabalhou em serviços gerais, em limpeza de casas, como doméstica. Meu pai era vendedor ambulante de frutas e verduras. Infelizmente, ambos já morreram. Meus parentes mais próximos são dois irmãos, que moram em Gravataí e em Alvorada, mantemos contato direto. Uma vez por ano, vou ao Brasil para visitá-los, e aos amigos que aí ficaram também”, recorda.

Na Lomba do Pinheiro

Da Lomba do Pinheiro para o mundo

Foto: Rreprodução/Divulgação

Em 2019, Vladimir gravou em Londres seu primeiro álbum solo, ao lado do cravista alemão Fabian Grosch, Anna Bon di Venezia – 6 Flute Sonatas, Op.1. Italiana, Anna Bon (1738-1767) é uma rara compositora na história da música de concerto.

Foto: Rreprodução/Divulgação

A escola da Lomba do Pinheiro tinha uma atividade extraclasse oferecida aos alunos, o Clube de Flauta Doce. Ele se inscreveu e assim teve início sua vida musical. Criado em 1992 pela professora de música Cecília Rheingantz Silveira, o Clube foi o embrião da Orquestra Villa-Lobos (veja box). Vladimir a integrou até os 19 anos. Com seu talento natural, aprendeu ainda a tocar violoncelo e piano. A saída da orquestra se deu quando teve de decidir o que iria estudar, e fez vestibular para o curso de Música da Ufrgs. Sua agenda de flautista já estava movimentada.

“Saí da orquestra como integrante, mas permaneci ligado a ela como monitor e dei aulas por um bom tempo. Paralelamente, estudei no Instituto de Artes da Ufrgs, de 2007 a 2010, me graduei com habilitação em flauta doce na classe de Lúcia Carpena.”

Nesse meio-tempo, fez outros cursos, atuou como educador e venceu quatro concursos para jovens solistas: o da Orquestra de Câmara Fundarte em 2008, 2009 e 2010, e o da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre em 2011. Foi aí que a Alemanha surgiu em seu horizonte.

Integrava o grupo Flautarium, da Ufrgs, que em 2012 foi participar do Festival Internacional de Performance em Música Antiga em Tatuí, cidade no interior de São Paulo, que abriga o maior conservatório de música da América Latina. Estava lá também, dando aulas, Hans-Joachim Fuss, professor de flauta doce na Escola Superior de Música e Artes Cênicas de Sttutgart. Ele ouviu o grupo e o convidou para se aperfeiçoar lá. Toparam na hora, claro.

Flauta

“Eu estava em Tatuí porque sou flautista doce e todo flautista doce tem em seu repertório música barroca e música renascentista. Sempre gostei de participar desses festivais para adquirir experiência e conhecer outras pessoas que fazem o mesmo tipo de música, para formar grupos, tocar em conjunto, tocar em orquestra. Participei de uma masterclasse do professor Fuss, que me ouviu e perguntou se eu gostaria de fazer a prova específica para ingressar no mestrado em Música de Câmara na escola em que leciona. Disse sim, pois sempre quis estudar fora, era um sonho antigo.”

Qual seria a primeira iniciativa a tomar? Aprender alemão, naturalmente. Foi fazer cursos. Quando marcou a data da viagem (com passagem paga do próprio bolso), imaginava estar afiado no idioma. Qual o quê… Chegando lá, viu que precisava continuar o aprendizado e até pouco tempo atrás, quase dez anos depois, seguia estudando.

“Saí daqui achando que já sabia alguma coisa, e quando cheguei lá, vi que não sabia quase nada. O alemão é uma língua muito complicada. Falo fluente, dou aulas em várias escolas, mas ainda erro alguma declinação, alguma conjugação aqui e ali. O país também é muito diferente culturalmente falando, a mentalidade, o temperamento das pessoas, mas me adapto facilmente a diferentes situações. Melhorei como músico e como pessoa.”

Ao chegar a Stuttgart, em 2013, o objetivo de Vladimir era retornar ao Brasil ao fim do mestrado em Música de Câmara, dois anos depois. Então, decidiu fazer outro mestrado, em Flauta Doce, aquele em que foi laureado. Mas gostou tanto de viver lá, que foi ficando. É uma cidade com 700 mil habitantes, a metade de Porto Alegre, e tem 16 orquestras sinfônicas! Quis viver um pouco mais a rica experiência. E foi ficando. Se candidatou a professor de música em uma escola, surgiram outras escolas…

“Trabalho com crianças e adolescentes, dou aulas individuais, aulas em grupo, tenho uma orquestra de flautas doces. Além disso, na Escola Superior de Música conheci gente do mundo inteiro, tem estudantes da Ásia, da África, da América. Isso me deu uma vivência muito rica. A Alemanha é um país multinacional, tem muitos imigrantes…”, contextualiza.

Da Lomba do Pinheiro para o mundo

Foto: Cláudio Etges/Divulgação

“Trabalho com crianças e adolescentes, dou aulas individuais, aulas em grupo, tenho uma orquestra de flautas doces”, conta Vladimir

Foto: Cláudio Etges/Divulgação

O começo na Alemanha

No início da “aventura”, ele teve ajuda de um empresário que apoia músicos e que pagava sua moradia. Em troca, nos fins de semana fazia faxina na empresa dele. Isso ficou no passado. Vladimir adquiriu cidadania alemã em 2021. Hoje tem 93 alunos, dá mais de 40 horas semanais de aulas, formou o Rosarium Quartett, de flautas doces, integra a Orquestra de Câmara de Stuttgart, tem participado de festivais e feito concertos de Música de Câmara em vários países. O repertório Barroco é seu preferido.

Em 2019, ao ouvi-lo tocando na cidade de Wernau (da região administrativa de Stuttgart), o crítico Erst Leuze escreveu: “Como se pode tocar flauta tão extraordinariamente rápido com a maior naturalidade, como se fosse tão fácil? E como se pode tocar uma flauta em dó como se fosse um Stradivari? Além disso, todo o programa de cor, embora Música de Câmara exija 100% de segurança. Um mágico da flauta”.

No mesmo ano de 2019, ele gravou em Londres seu primeiro álbum solo, ao lado do cravista alemão Fabian Grosch, Anna Bon di Venezia – 6 Flute Sonatas, Op.1. Italiana, Anna Bon (1738-1767) é uma rara compositora na história da música de concerto, que morreu muito cedo, aos 29 anos. Vladimir também faz transposições para flauta doce de peças como, por exemplo, uma sonata de Bach escrita para violino… Os compositores que mais toca: Vivaldi, Telemann e Dario Castello.

E de música popular, gosta? Sim, gosta de todos os tipos de música, se considera bem eclético, mas mais para “ouvir e curtir”, pois não surgiu ainda a oportunidade para tirá-lo de seu foco. Tocaria Pixinguinha e Antônio Carlos Jobim, por exemplo, ou chorinho, onde sua flauta se adaptaria às mil maravilhas. De qualquer forma, vive e trabalha na Alemanha e diz que, lá, não conhece “músicos qualificados para tocar esse repertório da música popular brasileira”.

Orquestra Villa-Lobos: 30 anos de um projeto revolucionário

Da Lomba do Pinheiro para o mundo

Foto: Acervo Pessoal

Orquestra Villa-Lobos, em 1998, com Vladimir, no Clube do Comércio (Porto Alegre)

Foto: Acervo Pessoal

Em abril deste ano, a Orquestra Villa-Lobos comemorou 30 anos. Surgiu como um projeto social liderado pela professora de música Cecília Rheingantz Silveira na Escola Municipal Heitor Villa-Lobos na Vila Mapa, bairro Lomba do Pinheiro. Cecília é aquela pessoa do tipo imprescindível, pelo tanto que fez e continua a fazer. Sem ela, esta história não seria contada.

Os 14 alunos iniciais do Clube da Flauta Doce cresceram como orquestra e, atualmente, são cerca de 300 jovens estudando música na escola e em instituições conveniadas pelo Centro de Promoção da Criança e do Adolescente São Francisco de Assis, organização que mantém a parceria da orquestra com a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre.

Mais de 20 educadores se dividem em 100 turmas, com maioria dos alunos/músicos oriundos da escola e integrantes da orquestra, que já fez mais de 1,2 mil concertos no Brasil e exterior para mais de 350 mil pessoas. Constantemente premiado, o projeto tem dois álbuns lançados, o primeiro de 2002, Trenzinho Caipira. Sempre sob a liderança/regência de Cecília.

Apresentações em Porto Alegre

Dia 28 de agosto, Casa da Música, 11h – Nobres Recitais Casa da Música – Casa da Música – Vladimir (flauta) e Fernando Rauber (cravo).

Dia 31 de agosto à tarde, Casa da Música – Masterclasse de flauta doce para os alunos da Orquestra Jovem Casa da Música.

Dia 3 de setembro, Fundação Ecarta, 18h – recital solo com compositores da Idade Média ao Século XX.

Dia 4 de setembro, Associação Leopoldina Juvenil, 18h – Solista em concerto da Orquestra de Câmara da Ulbra.

* Colaborou Dinorah Araújo

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