CULTURA

Zé Darcí retrata a negritude em suas telas

Por Gilberto Blume / Publicado em 5 de março de 2024
O artista Zé Darcí inaugura exposição na Galeria Ecarta em Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

Autodidata, míope e artista temporão (começou a pintar aos 40 anos de idade), ele está cada vez mais presente na cena gaúcha, notadamente em Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre.

Foto: Igor Sperotto

A Galeria Ecarta chega em março de 2024 dando continuidade aos conceitos que defendeu na virada do ano, quando exibiu exposições populares e transgressoras de ceramistas, feministas e artistas trans. Agora, renova sua vocação e será novamente palco contemporâneo e experimental trazendo Zé Darcí.

Com pinturas de Zé Darcí, O passado não é mais o que era estará em cartaz entre 5 de março e 7 de abril, sob curadoria do artista visual e coordenador da Galeria Ecarta, André Venzon.

Zé Darcí representa em sua arte o negro gaúcho. Relê fatos históricos, religiosos, culturais, sociais e políticos em pinturas que não excluem cor alguma da paleta. Suas criaturas negras são coloridas.

Na Ecarta, o público poderá ver mais de 50 telas, entre elas os 13 quadros que compõem a série Heroísmo Farroupilha, em que aborda, à própria maneira, a bravura dos Lanceiros Negros, sabidamente traídos e massacrados na Batalha dos Porongos (1844).

A Galeria também irá exibir a inédita série de 12 orixás, pintada entre janeiro e fevereiro deste ano em acrílico sobre papel. Os orixás de Zé Darcí são uma poderosa e eficiente introdução para alcançarmos o significado da busca do artista pela ancestralidade, pela história, pela espiritualidade.

A mostra é completada com paisagens, críticas sociais e reivindicações de soluções ao êxodo rural, entre outras temáticas assíduas nas cerca de 250 telas que já assinou.

“Os quadros de Zé Darcí são muito densos, não têm uma solução simples, tanto em termos técnicos como poéticos”, descreve Venzon.

O artista nasceu, mora e pinta nos longes de Arroio Grande, no sul do RS, a cerca de 350 quilômetros de Porto Alegre. Autodidata, míope e artista temporão (começou a pintar em 2000, aos 40 anos de idade), ele está cada vez mais presente na cena gaúcha, notadamente em Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre.

Seu trabalho conquistou o Margs após a coletiva Presença negra, em 2022, mostra que ele abriu com Bará. Após a exposição, o Museu adquiriu Caminhando para o Futuro, de 2006, e incorporou-a ao próprio acervo. Zé Darcí também tem obras no acervo do Museu de Arte Contemporânea do RS (Macrs), entre outros endereços-referência.

Algumas obras do artista estão à venda na Galeria Ecarta.

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Quem é Zé Darcí

José Darcí Gonçalves ingressou na Travessa Rua dos Cataventos às 14h da sexta-feira, 16 de fevereiro, hora exata da entrevista que marcáramos. Garoava, fazia 20 graus, dia cinzento.

Mesmo sob essas condições, ele veio ao centro de Porto Alegre a pé a partir do Sindicato dos Servidores do Daer, na Cidade Baixa, onde geralmente se hospeda na capital.

De pronto, vê-se que José Darcí é homem assumidamente simples (“Vim de uma família simples. Não sei ser o que não sou”).

Naquela sexta, arrastava chinelos Havaianas, vestia bermuda jeans, camiseta polo e uma jaqueta fina para aparar o chuvisco. No rosto, óculos fundo de garrafa. Às costas, uma mochila pesando 3,3 quilos. Sob o braço, uma pasta contendo um calhamaço de cópias de trabalhos com 5,1 quilos. Aos 63 anos, José Darcí mede 1,57 metro e pesa 61 quilos.

Esse José Darcí franzino, sobrecarregado e simples que se invisibiliza no vaivém da Rua da Praia cresce – e cresce muito – quando sentamos no mezanino da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) para conversar. Na Casa de Cultura, ele está em casa.

Mostra de Zé Darcí na Galeria Ecarta de março a abril de 2024

Foto: Reprodução

Zé Darcí representa em sua arte o negro gaúcho e relê fatos históricos, religiosos, culturais, sociais e políticos

Foto: Reprodução

Surge o artista

Aí brota Zé Darcí artista, o pintor que dá cor ao cotidiano das pretas e dos pretos do Rio Grande do Sul.

Ele se ilumina ao falar da sua arte e enumerar conquistas obtidas na ainda curta carreira.

Desenhista desde guri, Zé Darcí começou a pintar apenas no início dos 2000, ao ingressar em um curso do Senac, incentivado por amigos e colegas do Daer, onde se aposentou em 2017.

“Eu não pintava nada disso que pinto hoje. Eu desenhava naturezas mortas, sempre a lápis, sem cor. Jamais imaginei que meu trabalho tivesse tamanha relevância em minha vida.”

Luz é vida

Zé Darcí não para. Natural e estabelecido em Arroio Grande, onde mora com a esposa e duas filhas, o artista vem à capital gaúcha com frequência.

“Venho bastante a Porto Alegre, e estou sentindo que vou vir muito mais. Me sinto quase porto-alegrense”, entrega.

Na capital, está envolvido com coletivos de artista, feiras, exposições. Também vai habitualmente a Rio Grande e Pelotas, todas cidades em que mantém relações afetivas e profissionais cada vez mais intensas.

“Pelotas é a minha referência cultural. Nossa região (Sul) é muito rica, encontrei a fonte da minha vida”, conta.

Na cidade natal, batalha para concretizar um sonho ambicioso, a criação do Ateliê da Laje, espaço multicultural que vai abrigar artistas, pessoas com deficiência, idosos e toda sorte de criadores e criaturas admiradoras de arte.

As boas-novas vêm aos borbotões. No dia 23 de fevereiro, uma semana após a conversa que travamos em Porto Alegre, Zé Darcí celebrou em sua conta no Instagram @zedarciartista: “Hoje recebi os documentos. Oficialmente, o Ateliê da Laje se tornou instituto. Recebemos o CNPJ da Receita Federal. Quero fazer do Ateliê um polo de turismo e cultura”, avisa Zé Darcí.

A tarde cinzenta avança, o artista olha pelos janelões da CCMQ pelas lentes dos óculos (grau 13 de miopia) e decreta: “Para mim, luz é vida”.

Serviço
Pinturas de Zé Darcí – O passado não é mais o que era
Galeria Ecarta (Av. João Pessoa, 943, bairro Farroupilha, Porto Alegre)
De 5 de março a 7 de abril, de terça a domingo, das 10h às 18h (inclusive nos feriados)
Entrada franca

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