ECONOMIA

Uma fábrica de presente

A confirmação de que a montadora General Motors decidira instalar uma fábrica no RS foi festejada, mas pouco se sabe sobre as condições do negócio e a relação custo-benefício para o estado
Por Renato Hoffman e Valéria Ochôa / Publicado em 5 de março de 1997

Ilustração: Pedro Alice

Ilustração: Pedro Alice

As negociações e o anúncio definitivo foram cercados de expectativas, informações e contrainformações. Finalmente, os executivos da General Motors (GM) disseram sim ao assédio do governador Antônio Britto e sua equipe. A confirmação de que a montadora decidira instalar uma fábrica no Rio Grande do Sul invadiu mídia no fim do ano como um presente de Natal. O fato foi festejado incondicionalmente, mas pouco se esclareceu as condições do negócio e a relação custo-benefício para a economia do estado e para o setor público. O consenso na imprensa substituiu a investigação jornalística minuciosa dos números que envolvem o empreendimento a ser implantado no município de Gravataí. Difícil era saber para quem é o presente: para a GM ou para a economia gaúcha? Afinal, quanto custa uma GM e quem paga a conta?

Os gaúchos fecharam 1996 ouvindo barulho de muita festa. Com direito a cerimônia no Palácio do Planalto, churrascadas e chegada triunfal no aeroporto Salgado Filho, o governo do estado e a General Motors (GM) anunciaram, no final do ano, a implantação de uma unidade da empresa no Rio Grande do Sul. Um investimento estimado em US$ 600 milhões e a promessa de criação de milhares de empregos.

O acordo com a GM, segundo o secretário de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do RS, Nelson Proença, dá um novo rumo à economia gaúcha e coloca o estado na mira de investidores estrangeiros.

“Para atrair a indústria automobilística, os governos estaduais estão abandonando a agricultura, apertando o cerco da fiscalização sobre as pequenas e médias empresas, vendendo estatais e dando fábricas de presente para os grandes grupos estrangeiros”, critica o senador Roberto Requião (PMDB/PR), ex-governador do estado que mais tem recebido montadoras.

NESTA REPORTAGEM
“No Paraná, o governo está financiando 50% (US$ 500 milhões) da Renault e vendendo a Companhia Paranaense de Eletricidade (Copel)”, compara.

O governo do Rio Grande do Sul financiará 40% da unidade (US$ 240 milhões) e foi generoso na concessão de incentivos para garantir o sim da GM. Comprometeu-se a financiar um terreno de 450 hectares, a construir um centro de facilidades (rede elétrica, telefonia, água e esgoto), a recuperar estradas (BRs 101 e 116), a construir um terminal portuário privativo para a distribuição, e a dar 15 anos de isenção de ICMS.

“Depois, a GM começará a pagar o imposto retroativo”, explica o secretário Nelson Proença.

Os fornecedores diretos, que terão suas fábricas dentro do complexo da montadora ganharão as mesmas vantagens fiscais oferecidas à GM e financiarão, por sua vez, 40% do investimento.

O grupo GM, que faturou US$ 15 bilhões no ano passado, vai entrar com 20% dos US$ 600 milhões: US$ 120 milhões.

Subsídios e vantagens para a General Motors

Para se ter uma ideia das vantagens oferecidas, se a alíquota do ICMS permanecer nos atuais 12%, a montadora terá o retorno total do investimento global num prazo de três anos e dez meses (cerca de R$ 155 milhões ao ano).

Caso o ICMS volte para os 17%, com o fim do acordo do setor automotivo, a GM recuperaria o capital aplicado em dois anos e nove meses (cerca de R$ 220 milhões ao ano).

Este cálculo, segundo estudo da assessoria econômica da bancada do Partido dos Trabalhadores na Assembleia Legislativa do RS, refere-se à produção inicial de 160 mil unidades anuais, com aumento para 400 mil unidades em dez anos (dentro do prazo de isenção fiscal).

Com a isenção do imposto por 15 anos, o estado deixará de arrecadar cerca de R$ 1,7 bilhão, quase três vezes o valor do projeto, ainda conforme o mesmo estudo. O cálculo é simples.

“É como dar duas fábricas de graça em troca de uma”, compara o deputado estadual Flávio Koutzii (PT).

“Estão inventando um capitalismo sem capital, porque se a GM ressarcir todo o capital investido, quem vai pagar o investimento é o governo do estado”, reforça o economista Luiz Augusto Estrela Faria, da Fundação de Economia e Estatística (FEE).

O secretário Nelson Proença afirma que o estado está abrindo mão do que não tem. Segundo ele, o que o governo Britto fez foi zerar a disputa para equilibrar com os outros estados.

Proença acredita na validade da política de isenções fiscais como instrumento de correção de desigualdades regionais.

Mas ressalva que os acordos não podem comprometer as receitas públicas. O secretário garante que no caso da GM não há comprometimento da receita do estado, porque é um dinheiro que nunca entrou nos cofres públicos.

Proença também assinala que as isenções fiscais não pesaram muito na decisão da GM de se instalar no Rio Grande do Sul o economista Faria concorda.

“A estratégia da indústria automobilística é a criação de unidades em todos os mercados do mundo acompanhando de perto o movimento das economias que são importantes para o setor”, observa.

No caso mais específico da GM, o Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), segundo ele, foi fator decisivo. “Com uma planta aqui, a GM fica próxima do centro do pais e perto da Argentina”.

Reforço na guerra fiscal

Foto: Agência RBS

Roberto Requião

Foto: Agência RBS

Depois de perder a Renault para o Paraná, o governador Antônio Britto decidiu reforçar seu arsenal e entrar de uma vez na guerra fiscal para atrair novos empreendimentos.

O dote inclui a criação de um fundo para financiar o capital de giro da montadora, de uma linha de crédito com recursos do programa de privatizações, de uma empresa para implantar a infraestrutura da fábrica e a ampliação dos benefícios do Fundopem.

Foto: Palácio Piratini

Nelson Proença

Foto: Palácio Piratini

A guerra fiscal entre os estados, adotada há cerca de 20 anos para atrair investimentos privados, é negativa para o país, segundo o economista da FEE, Alfredo Meneghetti Neto, assessor da Secretaria de Planejamento do Estado.

“Se não houver monitoramento dos estados para averiguar a validade dos benefícios fiscais concedidos, se terá dúvidas do que eles possam significar para as receitas estaduais”, explica. Meneghetti diz que no Brasil se fazem poucos estudos científicos para responder a esta questão e atender aos dispositivos constitucionais.

“Com a opção de dar subsídios, os governos gastam os recursos que deveriam financiar as suas políticas sociais. É uma escolha perversa, de favorecimento do setor privado”, analisa o economista Luiz Augusto Faria, da FEE.

O senador Roberto Requião (PMDB/PR) alerta que um benefício concedido a uma empresa deve ser estendido a todas as outras. No caso do Paraná, Requião acusa o governador Jaime Lerner (PDT) de manter em segredo os acordos com a Renault.

No Rio Grande do Sul, segundo o secretário Proença, o controle das isenções cabe ao Conselho de Reforma do estado, órgão responsável pela aprovação dos projetos.

 

Benefícios aprovados no legislativo

O pacote de quatro projetos formalizando as negociações com a GM foi aprovado pela Assembleia Legislativa no final do ano passado. Se, para garantir a Renault, o governo paranaense bancou 50% de USS 1 bilhão, o custo do projeto, o Rio Grande do Sul não ficou atrás e garantiu 40% do investimento da General Motors.

Parte do dinheiro arrecadado pelo Estado com a venda de 35% das ações da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) poderá ser utilizada para financiar a instalação da montadora.

Essa possibilidade foi aberta com a aprovação de uma mudança no Fundo de Reforma do Estado. A lei determina que esses recursos sejam usados para o pagamento da dívida pública, investidos na área social ou aplicados em projetos estratégicos.

A brecha para enquadrar a GM está nos requisitos exigidos para que um projeto seja considerado estratégico.

Um investimento superior a R$ 200 milhões, que se utilize de tecnologia inovadora, crie pelo menos 1.500 empregos e utilize matéria-prima e componentes produzidos no estado. O valor financiado poderá ser pago em 120 parcelas, com juros de 6% capitalizados e carência de 60 meses.

A GM também poderá dispor de um fundo específico para financiar o capital de giro durante a fase de instalação da unidade.

O Fundo de Fomento Automotivo do Estado (Fomentar) será formado com verbas do orçamento público. A montadora terá 15 anos para pagar, com 10 anos de carência e sem juros. O pacote de benefícios também inclui o Fundopem.

A infraestrutura necessária (redes de água, energia elétrica a telefonia, etc.) à implantação do complexo GM será bancada pelo Estado.

Para isso, o governo criou a Companhia Especial de Implantação do Complexo Automotivo (Ceic). A estatal vai captar recursos junto ao BNDES e outras instituições de fomento industrial.

O capital social da empresa, de R$ 159,9 mil, será subscrito pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo Banrisul.

Mudança no perfil econômico

Da mesma forma que o Polo Petroquímico de Triunfo, na década de 70, representou o surgimento de um novo setor industrial no estado, a chegada da montadora da GM provocará importantes mudanças no perfil econômico da região.

“A GM representa uma indústria de ponta, de uma área importante hoje no mundo, que agrega maior valor ao produto final”, explica Faria.

A indústria gaúcha de transformação é mais concentrada nos setores da alimentação e de calçados, com um pequeno percentual na metalurgia, como talheres, ferramentas, e na área de máquinas e equipamentos agrícolas.

Mas a maioria da indústria é representada por produtos intermediários, como os petroquímicos e autopeças.

O estado do Rio Grande do Sul não tem uma história econômica marcada por grandes mudanças estruturais.

O último salto importante foi exatamente a implantação do Polo Petroquímico, uma decorrência da refinaria de petróleo Alberto Pasqualini.

Apesar de criar uma série de custos, principalmente para o setor público, que arcou com todos os investimentos em infraestrutura, foi o Polo que fortaleceu a indústria química, até então quase insignificante no parque industrial gaúcho e na economia do estado (que cresceu de menos de 1% para os atuais cerca de 6% do PIB do estado).

A Companhia Riograndense de Saneamento Básico (Corsan), por exemplo, ficou quase tecnicamente falida porque deu de presente o saneamento”, ressalta Faria. Isso tudo sem contar as isenções fiscais.

PETROQUÍMICA – Este padrão de benefícios fiscais e custeio de infraestrutura se repete agora no caso da GM. A empresa ganhou tudo, infraestrutura, isenções fiscais, terreno, o que garantirá o ressarcimento de todo do investimento em cima destes benefícios.

Os acordos com as montadoras fazem parte da política industrial ditada pelo governo federal. Demonstram uma prioridade ao setor de bens de consumo duráveis, de mercado ágil e altamente articulado no quadro de internacionalização econômica.

O custo disso é abrir mão de amplos setores intermediários. Autopeças, no caso dos veículos; componentes no caso dos eletroeletrônicos. Sem contar no ramo de produtos de menor valor agregado, como os têxteis.

Segundo dados da FEE, o Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho tem hoje a seguinte composição: 15% da agricultura, 6% do Polo Petroquímico, 35% da indústria e o restante, 44%, do setor de serviços – comércio, governo, setor financeiro.

O Rio Grande do Sul já não é como alguns estados da essencialmente agrícola região Centro-Oeste mas a agricultura tem um peso maior do que em outros estados brasileiros, onde o setor primário representa, em média, entre 10% a 11% do PIB. É que o setor agrícola gaúcho alavanca boa parte dos serviços e da indústria local.

Ou seja: a indústria que beneficia produtos agrícolas, a da alimentação, curtumes, uma parte da química, de tecidos, a indústria de máquinas e implementos agrícolas, de fertilizantes, a refinaria, entre outras.

“Estima-se que isso represente mais ou menos 40% do PIB do estado, que se move a partir da agricultura”, expõe Luiz Estrela Faria, economista da FEE.

Outra parte da economia do RS, diz, Faria, também ligada à agricultura, está muito vinculada às indústrias do centro do país, na condição de fornecedora. Por sinal, as regiões do estado que dependem eminentemente da agricultura estão bem falidas.

Faria cita pelo menos três motivos para este quadro decadente: uma sequência de safras ruins, a falta de uma política agrícola do governo federal e um alto padrão de endividamento dos dos produtores.

Ao contrário dos países europeus, asiáticos e dos Estados Unidos, no Brasil não existe política agrícola. Faria argumenta que à medida em que o Banco do Brasil não fornece crédito agrícola. Lembra que as taxas de juros se mantêm altas, a Companhia de Financiamento da Produção foi fechada e não existe mais garantia de preço mínimo.

“O Brasil está seguindo uma orientação prescrita pelos Estados Unidos para os países da América Latina”, esclarece Faria.

E, nesta orientação, está a política antiinflacionária, o congela mento do câmbio, a privatização de empresas públicas. Aliás, é da privatização de estatais que o estado vai tirar parte dos recursos para investir na infraestrutura da GM.

O tempo dos gaúchos

O economista da Fundação de Economia e Estatística do RS (FEE), Luiz Augusto Estrela Faria, diz que hoje indústria automobilística é a mais poderosa do mundo – produz 50 milhões de veículos por ano e fatura US$ 70 bilhões.

No entanto, ele observa que daqui a pouco, ela será “desbancada pela indústria de informática, que já está ganhando espaço”.

Foto: René Cabrales

Luiz Estrela Faria

Foto: René Cabrales

A incógnita fica para o cenário do estado daqui a 15 anos, quando os gaúchos começarão a receber de volta os investimentos do estado na GM.

“Quem garante que daqui a pouco a montadora não decida ir embora?”, pergunta o senador paranaense Roberto Requião. “Nos acordos firmados não há nada que impeça esta possibilidade”, adverte.

ENTUSIASMO – Porém, o secretário Nelson Proença revela que “só o anúncio da montadora já serviu para despertar a curiosidade dos investidores”.

Entre outros impactos para a economia, ele cita um estudo da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), que prevê a criação de 200 mil novos empregos na cadeia produtiva da GM.

O investimento também vai viabilizar, segundo Proença, a indústria do plástico – terceira geração do Pólo Petroquímico de Triunfo, além da indústria metalúrgica e da borracha.

“A GM representa uma mudança no perfil industrial no estado, que passa a produzir mercadorias com maior valor agregado e utiliza mão-de-obra mais qualificada”, entusiasma-se.

Os fabricantes de componentes e autopeças também ficaram excitados.

Executivos do setor estimam que a montadora terá pelo menos 50 grandes fornecedores.

Um estudo da consultoria WS & Associados, do ex-presidente da Autolatina, Wolfgang Sauer, indica que o parque de autopeças gaúcho pode fornecer de 50% a 60% dos itens utilizados pelos modelos da General Motors

Sem garantia

Mas nada garante que as montadoras comprem os componentes da indústria local de autopeças.

A política automotiva brasileira prevê uma alíquota de 70% de imposto para os carros importados.

O acordo entre o governo e as montadoras que permitiu o lançamento de carros mundiais, como o Palio da Fiat, no Brasil – diz que para cada carro produzido no Brasil, elas podem importar outro com um imposto 50% mais baixo, isto é, com uma alíquota de 35%.

As montadoras também podem importar peças com uma alíquota de importação de apenas 2%.

Além do mais, com os métodos de produção adotados pelas novas unidades das montadoras espalhadas pelo mundo – como é o caso da GM, verifica-se uma tendência de redução do número de fornecedores diretos – ao invés de várias empresas abastecerem a fábrica com peças, apenas uma fornece uma parte completa e montada do carro, como o chassi, por exemplo.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista trabalha com dois cenários para o setor automotivo brasileiro no ano 2.000.

O primeiro leva em conta uma produção anual de 2,5 milhões de veículos e uma redução de 18% no número de empregos no setor, em relação a 1996. O segundo, com uma produção de 2 milhões de veículos, em que o corte de postos de trabalho seria de 36% em relação ao ano passado.

Segundo o Sinfavea (Sindicato dos Fabricantes de Veículos), cada emprego numa montadora representa 3,3 vagas no restante da cadeia produtiva (componentes eletrônicos, vidros, plásticos, pneus, etc.).

Neste caso, seriam perdidas 62 mil vagas no cenário mais otimista, e 121 mil no mais pessimista.

A nova fábrica de caminhões da Volkswagen, inaugurada em novembro do ano passado, em Resende (RJ), por exemplo, opera com apenas oito fornecedores, num sistema de consórcio modular.

Dos 1,4 mil trabalhadores envolvidos na produção, um pouco mais de 200 são funcionários da Volkswagen.

A terceirização avançada fez com que o grupo loschpe-Maxion, que antes fornecia rodas e apenas dois itens do chassi, passasse a responder pela montagem de mais de 300 componentes, em parceria com outros fornecedores.

O senador Requião relata que no Paraná a Volvo demitiu 50% dos funcionários ao longo do processo de automação da fabrica. Hoje, importa motores da Suíça e está gerando empregos na Índia, onde a mão-de-obra é mais barata. Também a Fiat Tratores reduziu de 2.100 para 900 o número de trabalhadores empregados.

“Daqui a 50 anos, as montadoras não vão gerar mais do que 500 empregos, enquanto que, com um investimento de US$ 500 milhões, daria para gerar 500 mil empregos no campo”, compara Requião.

Ele chama a atenção para o que aconteceu com a Chrysler norte-americana que, num final de semana, demitiu 5.500 operários da matriz e no outro anunciou sua vinda para o Brasil (Paraná).

Projeto da fábrica

Segundo informações divulgadas pela Folha de São Paulo, a GM também decidiu implantar o sistema modular na fábrica gaúcha.

Os dez principais fornecedores da nova linha de montagem vão se instalar dentro da fábrica para produzir conjuntos de componentes para o novo carro da GM – um “popular” que de deve chegar ao mercado 20% mais barato do que os modelos atuais. O projeto foi batizado internamente como “Arara Azul”.

“Estima-se que destes fornecedores, o Rio Grande do Sul tenha apenas três ou quatro empresas que estão dentro do padrão exigido”, observa a economista Maria Lucrécia Calandro, pesquisadora da FEE.

Ela cita como possíveis fornecedoras diretas da GM uma vez que já são fornecedoras das montadoras – as empresas gaúchas DHB Componentes Automotivos S/A (bombas hidráulicas, conjunto de coluna de direção, regulagem), de Porto Alegre, ATH Albarus (juntas homocinéticas), de Porto Alegre, a CEV Componentes Eletrônicas (computadores de bordo), de Porto Alegre, pertencente ao grupo loschpe-Maxion, e a Eletrônica Selenium Ltda, de Canoas.

EMPREGO – Entretanto, isso tudo representa pouca coisa na criação de novos postos de trabalho, ao contrário da overdose de expectativa criada durante o anúncio do investimento. A cadeia produtiva automobilística se caracteriza hoje pelo emprego de tecnologia avançada, o que representa pouco em matéria de mão de obra.

“O número de empregos é irrisório porque é uma indústria de altíssima tecnologia e que emprega pouco”, adianta Faria.

A nova fábrica de caminhões da Volkswagen em Resende, no Rio de Janeiro, é um exemplo palpável. Apesar de estar sendo implantada dentro do prazo previsto, os números ainda são tímidos e os primeiros reflexos localizados.

Por enquanto, os mais beneficiados foram os setores imobiliário e de serviços ⁃ com a chegada de cerca de 160 novos moradores à cidade, transferidos de São Paulo pela Volks – e os fornecedores. Na região foram contratadas 240 pessoas até a segunda quinzena de fevereiro deste ano.

“Não há Resende antes ou depois da Volks. Já havia boas expectativas para a cidade antes” garante o presidente do Conselho Regional da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Henrique Oliveira Lima.

Setor agroindustrial foi preterido

A crise na agricultura gera reflexos em toda a cadeia do setor agroindustrial, no conjunto da economia e no plano social. Se não tiver soja, a indústria de esmagamento não esmaga a indústria de máquinas não vende e demite. Os trabalhadores rurais sem perspectivas vão para cidade em busca de emprego e acabam engrossando o exército de 600 mil desempregados no estado, conforme dados da CUT/RS.

“Teria mais efeito sobre a economia do RS apostar no complexo agroindustrial do que na vinda de uma montadora”, assegura Luiz Augusto Estrela Faria, economista da FEE.

Ele sustenta:

“se a agricultura tivesse uma boa safra e bons preços neste ano, a indústria metalúrgica empregaria muito mais gente do que vai empregar a GM, porque iria vender mais arados, mais tratores, colheitadeiras… Esta indústria desempregou 20 mil trabalhadores cerca de seis mil só na região metropolitana, desde o início do plano Real. A unidade da GM vai gerar cerca de 2 mil empregos diretos e 8 mil indiretos, segundo os cálculos mais otimistas”.

PERVERSO – Com investimento no campo, calcula Faria, haveria um crescimento sustentável de longo prazo. “Tem muito espaço para a ocupação produtiva de terra no estado”, assegura.

Para ele, seria necessário que a tecnologia dominada fosse difundida, os agricultores treinados e informados de como trabalhar melhor os recursos de que dispõem.

Para auxiliar, o governo estadual poderia utilizar o sistema financeiro estadual para selecionar investimentos que tenham maior repercussão em termos de geração de emprego, de impostos e de renda para o próprio Estado.

“É antissocial dar subsídios para uma empresa do porte da GM, um desperdício do ponto de vista social. Ela não precisa. O que é o RS perto da GM? Ela é maior do que todo o estado”, inquieta-se.

Conhecido como um dos municípios mais fortes na agropecuária do estado, Alegrete assistiu a uma evolução impressionante do êxodo rural, desde o início da década de 90. Em 1991, a população rural era de 11.944 pessoas.

No ano passado, caiu para 9.950 habitantes, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Falta assistência total ao homem do campo”, queixa-se o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele município, Amâncio Macedo.

“Sem saúde e educação, segundo ele, os agricultores estão migrando em busca de melhores oportunidades nas cidades. Não é uma situação peculiar a Alegrete. Todos os municípios gaúchos que têm a sua principal fonte de renda na agropecuária estão enfrentando sérias dificuldades”.

ALEGRETE – Macedo estima que Alegrete tem cerca de dois mil desempregados do campo, que somam-se aos cerca de 15 mil da área urbana. “Os produtores estão enfrentando a maior dificuldade em conseguir empréstimos nos bancos estaduais. E muita burocracia”, descreve, adiantando que a Federação dos Trabalhadores Rurais está gestionando, junto ao governo do estado, a liberação de recursos para as propriedades familiares.

Em 1992, o governo Collares concebeu um programa de apoio à agricultura, através da redução do ICMS de produtos da cesta básica (o percentual de alguns itens baixou de 10% para 7% e de outros de 12% para 7%).

Na época a expectativa do governo era de que o incentivo fosse repassado aos preços finais, beneficiando o consumidor.

“Como o governo não negociou estes incentivos com os empresários, o que aconteceu foi uma ampliação da margem de lucro dos próprios empresários”, ensina o economista Alfredo Meneghetti Neto, assessor da Secretaria de Planejamento do Estado.

“Seria muito importante, mais ainda do que uma reforma tributária, que se implementasse novamente uma redução de alíquotas de impostos, só que negociada com a classe empresarial. Isso traria um benefício fantástico para a economia”.

A maioria das prefeituras gaúchas nos municípios que dependem da agricultura está falida.

Meneghetti revela que hoje se discute no governo a proposta de passar o Imposto Territorial Rural (ITR) para os municípios, para que aumentem as receitas e para que o fundo da agropecuária tenha recursos para ajudar os pequenos produtores.

A segunda alternativa para o governo auxiliar estes municípios, segundo o assessor da Secretaria de Planejamento do Estado, seria melhorar os critérios de repasse do ICMS aos municípios impondo limitações, por exemplo, para evitar casos como o de Triunfo que, em função do polo petroquímico tem um alto retorno do imposto

CAMPO – “A geração de emprego no campo é a mais barata que existe porque o grau de capitalização da agricultura ainda é relativamente pequeno”, explica Faria.

No caso dos trabalhadores sem terra, por exemplo o custo de assentamento por família é de R$ 11.591,70 (terra e benfeitorias) e R$ 19.267,90 (infraestrutura e serviços), num total de R$ 30.859,60, de acordo com um último levantamento (1995) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Do valor investido para cada família, o governo se ressarciria de R$ 23.66283. O desembolso a fundo perdido ficaria em R$ 7.196,77.

Segundo estimativas do Incra, o Rio Grande do Sul tem hoje 4.200 famílias acampadas (1.400 em Jóia e 2.800 em Santo Antônio) e 5.135 famílias assentadas. Mas o Movimento Sem Terra no RS contabiliza mais de 100 mil famílias sem terra no estado.

Se o Estado recolhesse o ICMS da GM (cerca de US$ 150 milhões ao ano, se for mantida a alíquota de 12%), poderia construir cerca de 150 escolas, como o exemplo dado pela ex-secretária da Educação, Neuza Canabarro: a construção de uma escola, com 3. 400 metros quadrados está estimada em US$ 1 milhão.

Esta escola atenderia 1.500 alunos em 14 salas de aula, e contaria com um ginásio de esportes de 800 metros quadrados, cozinha industrial, refeitório, biblioteca, salas da secretaria, direção, supervisão, orientação educacional, sanitários, inclusive com banho quente, laboratórios de computação e sala de som. Sem contar a área livre para recreação.

Empresas migram para o nordeste

A indústria calçadista gaúcha está de mudança para o Nordeste, levando na bagagem milhões de reais em investimentos e deixando para trás um exército de desempregados.

Segundo o deputado João Fischer (PPB), pelo menos 15 fabricas de calçados do Vale do Sinos já desembarcaram em estados como Bahia, Ceará e até Paraíba. Só as duas maiores do setor, a Grendene e a Azaleia, juntas, estão investido R$ 130 milhões em três novas unidades, e vão gerar 17 mil empregos diretos.

Outros três mil postos serão abertos pela Ramarim, de Nova Hartz, que instalará sua segunda fabrica em Jequié (BA), investindo R$ 15 milhões.

Não são as belezas naturais do litoral nordestino que estão atraindo os empresários. Eles estão sendo seduzidos pelos incentivos fiscais oferecidos pelos governos estaduais da região e pelo baixo padrão salarial da mão de obra local.

Segundo Rudimar Dallonder, da Grendene, em média, o custo da folha de pagamento naqueles municípios é 30% inferior ao do Rio Grande do Sul. Além disso, os estados oferecem financiamento do ICMS devido, linhas de crédito às exportações e terrenos com toda a infraestrutura.

O deputado do PPB gaúcho, que preside a Comissão de Economia da Assembleia Legislativa, acredita que o Estado pode criar mecanismos semelhantes para incentivar a permanência das indústrias do setor coureiro-calçadista.

“É importante que o governo atraia novos investimentos, mas precisamos manter os já existentes”, pondera. O deputado calcula que, nos últimos meses, o estado tenha perdido cerca de 10 mil empregos diretos, com a migração de investimentos de indústrias gaúchas para outras regiões do país.

“Se o Estado concedesse ao setor calçadista incentivos semelhantes aos dados à GM, com certeza não haveria problema de desemprego”, assegura Fischer, acrescentando: “Apesar das dificuldades, a indústria coureiro-calçadista ainda é responsável pelo emprego de mais de um terço da mão-de-obra gaúcha e é o produto de maior volume de exportações.

O parlamentar sublinha que as pequenas e médias empresas, responsáveis por um grande número de empregos, não têm acesso às linhas de crédito existentes.

O Fundopem, programa estadual que incentiva novos investimentos, está setorizado, principalmente em nove segmentos: químico e petroquímico, metalmecânico, alimentício, plástico, fumo, energético, calçadista e de confecção, tecnológico e de autopeças.

FUNDOPEM – Somente no ano passado, o Conselho de Administração do Fundopem aprovou 107 projetos de expansão ou instalação de indústrias. Este número equivale ao dobro da média anual de benefícios concedidos até 1996, que era de 59.

O Fundopem é formado com recursos orçamentários e permite que as empresas em expansão ou implantação deixem de pagar até 75% do ICMS adicional por um período de oito anos.

O problema do Fundopem, segundo o deputado Flávio Koutzii, do PT, é que apenas as grandes empresas têm condições de se beneficiar.

“Em média, apenas cinco grupos ficam com 60% dos recursos do fundo a cada ano”, explica.

Somente o projeto da Philip Morris para a implantação de uma nova fábrica no município de Santa Cruz, do Sul, o maior aprovado no ano passado, representa 35% dos incentivos do Fundopem no período.

Desde que foi criado, em 1989, o programa beneficiou 0,05% do total das empresas gaúchas, segundo o último censo do IBGE.

O coordenador do Fundopem, Manoel Luiz dos Santos, garante que 60% dos projetos aprovados são de pequenas e médias empresas.

Enquanto isso, o Programa RS Emprego, destinado às micro e pequenas empresas, dispõe de uma linha de créditos de insuficientes R$ 20 milhões.

As grandes empresas que participam do Fundopem têm oito anos de isenção de ICMS, enquanto as micro e pequenas precisam devolver os empréstimos do RS Emprego em três anos com juros e correção monetária.

Para se candidatar aos benefícios do Fundopem, a empresa precisa ter um projeto de expansão de, no mínimo, R$ 50 mil e estar disposta a se instalar em regiões de pequena concentração industrial. Se o projeto for em zona de grande número de indústrias, o investimento mínimo deverá ser de R$ 200 mil reais.

Até agora, conforme o líder do PT no Legislativo, o Fundopem não conseguiu comprovar sua eficácia na geração de novos empregos, Gigantes do setor petroquímico, por exemplo, diminuíram o número de pessoas contratadas.

A PPH Polipropileno, que entrou para o Fundopem em 1992 com 486 empregados, terminou o ano de 1995 com 401 trabalhadores, ou seja, fechando 85 vagas.

O mesmo ocorreu com a Oxiteno, que recebeu o beneficio em 1990 com uma previsão de gerar 187 novos postos de trabalho. Depois de encerrar as atividades em 1993 e reabrir em 1995, a empresa fechou o exercício com 48 empregos diretos.

Mesmo assim, no ano passado, o governo do Estado encaminhou à Assembleia uma proposta de alteração do Fundopem que privilegiava as empresas de alto potencial tecnológico, e, por tanto poupadores de mão de obra.

Gravataí é a mais cotada

Foto: René Cabrales

O terreno indicado para a GM fica à margem da Freeway

Foto: René Cabrales

Quinto maior município do estado, Gravataí deverá ser a sede da GM.

Com 200 mil habitantes e um orçamento de R$ 36 milhões, a cidade administrada por Daniel Bordignon, do Partido dos Trabalhadores, disputa o empreendimento com Guaíba e Eldorado do Sul.

Gravataí ofereceu 15 anos de isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e indicou o terreno da foto acima, que será desapropriado pelo governo estadual.

As características do solo do município garantem pontos favoráveis para a decisão final da GM.

Segundo técnicos, são solos bem drenados e mais permeáveis. Outras vantagens do município em relação a seus concorrentes, diz o prefeito, são a boa infraestrutura, a estação da Eletrosul, a escola do Senai e o fato de sediar empresas ligadas ao setor automotivo, como a Pirelli Pneus e a Tintas Renner.

Gravataí fica a 22 quilômetros de Porto Alegre e 320 quilômetros do porto de Rio Grande.

O que é o grupo GM

De olho no pentacampeonato do Carro do Ano, mais importante prêmio da indústria automobilística nacional, a General Motors do Brasil gastou US$ 400 mil, em setembro de 1996, para levar 70 jornalistas especializados ao Salão do Automóvel, em Paris.

Dois repórteres de Porto Alegre fizeram parte da comitiva. Os convidados e seus acompanhantes foram acomodados em 90 apartamentos do hotel Meridién de Montparnasse, durante quatro dias.

A estratégia da GM, de bajular os profissionais que votam no concurso, deu certo nas temporadas anteriores, quando os jornalistas foram brindados com viagens à Flórida, New Orleans e Barcelona. Por coincidência, ou não, a GM levou o troféu com os lançamentos do Ômega, Corsa, Corsa Sedã e Vectra.

A boca-livre para os jornalistas, apesar de discutível do ponto de vista ético, faz parte da rotina entre as montadoras instaladas no Brasil.

O vale-tudo tem um objetivo explícito: o título de Carro do Ano serve para alavancar as vendas e aumentar a fatia de mercado de cada empresa.

No Brasil, o logotipo da GM está em cerca de 26% dos veículos que circulam pelas ruas.

No ano passado, o maior grupo privado do mundo faturou US$ 150 bilhões com uma produção de 7,5 milhões de veículos. As duas fábricas brasileiras contribuíram com US$ 6,3 bilhões ao produzirem 400 mil unidades.

MERCOSUL – Os executivos da empresa não escondem que a meta até O ano 2000 é ampliar a participação da GM para 30% do mercado brasileiro.

A empresa vem perdendo espaço nos Estados Unidos para as concorrentes Ford e Chrysler, mas aposta suas fichas no crescimento do Mercosul. As vendas de automóveis na Argentina, Uruguai e Paraguai dobraram nos últimos quatro anos.

No Brasil, a produção deverá chegar a 2,5 milhões de unidades na virada do século.

O plano de globalização da companhia, fundada em 1908 por Willian Chapo Durant prevê investimentos de US$ 3,5 bilhões até 1999.

Além das três novas fábricas anunciadas no final do ano passado (a montadora gaúcha, a fábrica de motores e transmissões em Santa Catarina e uma unidade de estamparia em São Paulo), a GM espera a definição de políticas de incentivo fiscal para se instalar no Nordeste.

As novas plantas brasileiras também vão servir de base de testes para um carro popular adaptado ao mercado da China, país que tem 1,2 bilhão de habitantes.

A GM está no Brasil desde 1925, mas a primeira fábrica foi inaugurada em 1930, em São Caetano do Sul, região do ABC paulista.

No início, montava 20 carros por dia e aumentava seu faturamento produzindo as geladeiras Frigidaire.

Hoje, a General Motors Corporation é uma holding que controla várias outras empresas. É líder no setor de equipamentos aeroespaciais, através de Hughes Eletronics. Fabrica satélites de comunicação, tem 2,3 milhões de assinantes de TV à Cabo e opera no ramo da telefonia celular. Outras duas empresas ligadas ao grupo, a Delphi e a Delco, produzem 70% dos componentes eletrônicos usados nos veículos da empresa.

Comentários