GERAL

A economia dos bits entra em pane

Gilson Camargo / Publicado em 21 de maio de 2000
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Agência Estado

Investtidores se aglomeram em frente à Bolsa de Valores de Nova York, no crack de 1929

Agência Estado

O mais novo ícone do poderio econômico e financeiro dos Estados Unidos virou uma curiosidade turística por conta do pior desempenho no mercado financeiro internacional nas últimas três décadas. A Nasdaq (em português, Cotação Automatizada da Associação Nacional de Vendedores de Títulos), pregão de ações das empresas de internet e alta tecnologia na Bolsa de Valores de Nova York, irrompeu o mês de abril em decadência, com perdas acumuladas de 25% depois que a Justiça condenou a Microsoft no processo antimonopólio. A decisão fez sumir do mercado US$ 350 bilhões. O pânico chegou a lembrar o desfecho da crise especulativa que culminou com a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.

Oque aconteceu com a Nasdaq no mês de abril pode ser interpretado como o desfecho de um ciclo especulativo em que as ações das empresas de tecnologia atingiram níveis irreais de valorização, por conta do entusiasmo que cerca as empresas da internet. “O que existe é uma idéia de pânico que pode estar sendo forçada, pois há quem ganhe muito dinheiro com isso. Até pode ser o início, mas ainda não é uma grande crise do mercado financeiro”, avalia o economista Flávio Fligenspan, professor de economia da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e diretor-técnico da FEE (Fundação de Economia e Estatística). Segundo ele, o mercado dispõe hoje de mecanismos de proteção mais eficientes e há, sobretudo, uma diferença substancial no contexto da economia mundial em relação a 1929, período em que a variável financeira ainda era incipiente. “Ainda assim, não estamos completamente livres de uma crise mais forte se persistirem as quedas provocadas pela especulação”, adverte.

Erik Camarano, da Pólo Agência de Desenvolvimento: valor exagerado

Foto:René Cabrales

Erik Camarano, da Pólo Agência de Desenvolvimento: valor exagerado

Foto:René Cabrales

A nova economia, como é chamado o movimento financeiro em torno dessas empresas de alta tecnologia, proporcionou ga- nhos de eficiência e produtividade na atividade econômica, que significam avanços para as sociedades envolvidas com essas tecnologias, m as também gerou muito mais especulação em torno de ativos que simplesmente não existem. “Um crescimento tão consistente da economia norte-americana, por um período muito longo e sem pressão inflacionária, é algo que balança algumas regras conhecidas na economia”, desconfia Fligenspan.

A cultura da economia virtual, por isso mesmo, gerou um enorme movimento especulativo com as ações das empresas, em relação às quais se perdeu completamente o controle sobre a valorização. Há cinco anos, havia uma única empresa com negócios centrados na internet na Bolsa de Valores de Nova York, a América Online, que valia US$ 1bilhão. No auge das quedas de abril, mais de quatro mil empresas ofereciam ações e a soma dos seus valores superava a cifra de US$ 1 trilhão, ou cerca de um quarto da economia norte-americana.

Localizado na Times Square, em Nova Iork, o prédio da Nasdaq parece ser o único indício de existência física da chamada nova economia. Os corretores foram substituídos por 400 mil terminais de computadores aos quais estão conectadas corretoras de valores e usuários – de megainvestidores a adolescentes – de diversos países. A Nasdaq mantém uma coerência com o produto que vende todos os dias: é totalmente virtual.

Empresas como a Amazon, a maior loja virtual do mundo, podem ser tomadas como exemplares da abstração empresarial que caracteriza alguns negócios na rede. Quando surgiu, há cinco anos, a Amazon era apenas uma livraria via rede. Hoje comercializa desde ferramentas a produtos de limpeza. Seu valor de mercado é de US$ 21,5 bilhões, ou dezessete vezes o patrimônio da clássica rede de livrarias Barnes & Noble, que existe há 127 anos. Detalhe: a Amazon nunca deu lucro. Em 1999, a empresa acumulou um prejuízo de US$ 350 milhões, mas isso não impediu que suas ações valorizassem 42% durante o ano no pregão eletrônico.

Há exemplos de empresas virtuais que desafiam as leis de mercado em outra direção: o site de leilões e-Bay, por exemplo, teve em 1999 um lucro de US$ 6 milhões de dólares, o primeiro resultado positivo desde sua fundação, há cinco anos. Mesmo com esse desempenho, modesto para os padrões do mercado virtual, a e-Bay vale US$ 26 bilhões de dólares, 4,3 mil vezes mais do que o seu faturamento. “A valorização exagerada é uma negação da hipótese de eficiência dos mercados, em que o preço de uma ação tem de refletir o valor patrimonial da empresa”, pondera o economista Erik Camarano, diretor de pesquisas e informação da Pólo – Agência de Desenvolvimento.

Na primeira semana de abril, as ações das empresas de alta tecnologia negociadas no pregão eletrônico acumularam quedas de 25%. Os US$ 350 bilhões que evaporaram nesses sete dias equivalem ao PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina. Junto com o tombo da Nasdaq, que chegou a se recuperar, mas voltou a alternar novas quedas com alguns resultados positivos ao longo da última semana de abril, mergulharam empresas virtuais como a Value America, que perdeu 96% do valor em relação ao seu maior desempenho de 1999 e a farmácia virtual Drugstores.com, que foi reduzida a apenas 10% do seu valor de mercado. Nem estrelas da credibilidade do portal Yahoo!, uma das únicas pontocom que dão lucro, escaparam da desvalorização. A empresa de Jerry Yang, 30 anos – detentor de US$ 3,05 bilhões de dólares, a quarta maior fortuna entre empresários da internet – amargou uma desvalorização nominal de 50% em relação à sua melhor cotação, alcançada em janeiro, quando o valor de mercado do Yahoo! atingiu US$ 95,98 bilhões. Referência obrigatória desde a explosão das empresas de internet no mercado de ações, a sede da Nasdaq atrai a curiosidade dos turistas em busca dos centros de consumo e dos ícones do capitalismo. Mas interessa muito mais aos próprios norte-americanos: entre os investidores estão trabalhadores, jovens e aposentados que investem suas economias em ações de empresas de tecnologia no pregão virtual. De acordo com o Fed, o banco central dos Estados Unidos, os americanos têm US$ 13,3 trilhões investidos em ações de empresas virtuais. As “aposentadas de Manhattan” – expressão recorrente de economistas para identificar investidores de classe média que tomam empréstimos bancários para apostar na valorização das ações de empresas da internet – chegam a movimentar um terço da economia do país.

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Foto:René Cabrales

Marcelo Silveira, da UFRGS: jogo de azar

Foto:René Cabrales

Para Luiz Miranda, chefe do Departamento de Economia da Ufrgs, o combustível da Nasdaq não se resume à concentração dos papéis de empresas de alta tecnologia, informática e biotecnologia. “O fulcro do dinamismo da Nasdaq tem a ver com o acesso de pessoas criadas sob o signo da velocidade, na sua maioria adolescentes inexperientes, que trabalham mais no curto do que no longo prazo, com uma postura de ganhar rápido”, define. Segundo o economista, a falta de experiência e a pressa dos investidores em comprar e vender, aliadas a um intenso fluxo de pequenos capitais na bolsa, levaram à sobrevalorização das ações. “Essa série de peculiaridades deixou a bolsa numa situação de alta exposição”, interpreta Miranda.

Desencadeada pela condenação da Microsoft, a crise também provocou estragos na agora chamada velha economia. Embora não negociem títulos de empresas da internet, pregões como da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) seguiram os passos vacilantes da Nasdaq num fenômeno que os economistas costumam denominar de “efeito manada”. Nele, o comportamento de investidores de maior porte determina a compra ou a venda em massa das ações de uma ou de um bloco de empresas.

Enquanto a Bovespa movimenta cerca de R$ 1 bilhão por dia, a Nasdaq chega a US$ 30 bilhões diários.

Para Erik Camarano, os efeitos da crise da Nasdaq sobre a Bovespa, se explicam pelo volume de investimentos externos existentes no Brasil. “As bolsas de valores não acompanhariam esse movimento do mercado se a economia brasileira fosse fechada. Temos uma estreita ligação com o mercado externo. Tanto os investidores estrangeiros no Brasil quanto os brasileiros que operam no exterior tendem a vender ações em momentos de crise para atender compromissos prévios”, diz. Segundo Camarano, a tensão que os movimentos da Nasdaq provoca no mercado brasileiro também está relacionada ao volume de dinheiro em jogo: a Bovespa movimenta a média de R$ 1bilhão por dia, enquanto o fluxo na Nasdaq oscila em US$ 30 bilhões.

Há dois caminhos para se entender o que aconteceu com a Nasdaq ao longo do mês de abril, segundo o chefe do Departamento de Economia da Ufrgs. Miranda avisa que é preciso ser redundante para entender o “efeito bolha” criado pela valorização das ações em um nível irreal. “Havia uma sobrevalorização excessiva dos preços das ações dessas empresas, o que mais cedo ou mais tarde iria provocar uma reação em cadeia. Quem detinha esses papéis teria que realizar os lucros vendendo suas ações, o que fez os preços desabarem”, explica. Trata-se, portanto, da correção de uma valorização antiga, totalmente sem ligação com os fundamentos da economia.

Segundo Camarano, a expectativa é de que o “efeito bolha” venha a provocar correções de rumo no mercado da internet. “A lógica do mercado vale tanto para a velha quanto para a nova economia: as empresas têm de dar lucro se quiserem sobreviver”, conclui.

O jornalista e webmaster Marcelo Silveira, 40 anos, dez de experiência na internet, compara a Nasdaq a um jogo de azar. “O que a bolsa movimenta são custos estimados, que só se realizam com a venda. É um jogo de supervalorização dessas ações, que não têm lastro na realidade”. Ele acredita que a importância da internet também está inflacionada. “A internet é uma ferramenta imprescindível, mas ela não é a solução para todos os problemas. Se o teu produto não vende, não será na rede que ele vai funcionar”.

A condenação da Microsoft no processo antimonopólio movido pelo governo e 19 estados norte-americanos contra o multibilionário Bill Gates – que em um único dia ficou US$ 1,15 bilhão menos rico e terá sua empresa fatiada – foi o empurrão que faltava para que os investidores se retirassem e as ações de tecnologia despencassem ladeira abaixo. “Quando Bill Gates, que representa o alter ego de metade dos especuladores adolescentes e inexperientes que operam na Nasdaq, perde dinheiro, eles tratam de vender logo. É o efeito manada, uma espécie irracional, que age movida pelo pânico”, compara Miranda.

Exuberância irracional

Empresas fundadas na internet a partir de 1995 valem nas bolsas de valores muito mais que instituições sólidas da velha economia, como a casa de leilões Sotheby’s, fundada em 1744, que é cotada na Bolsa de Valores de Nova Iorque em US$ 1,21 bilhão. A casa virtual de leilões e-Bay, fundada em 1995, vale US$ 25,78 bilhões na Nasdaq, a bolsa que negocia as ações de empresas de alta tecnologia.

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