ECONOMIA

Depressão econômica será inevitável

Especialistas apontam que medidas equivocadas do governo federal e lentidão na tomada de decisões podem aprofundar a crise brasileira depois da quarentena
Por César Fraga / Publicado em 13 de abril de 2020
Comercio fechado na Avenida Paulista durante a quarentena

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Comercio fechado na Avenida Paulista durante a quarentena

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Praticamente consenso entre especialistas, a pandemia do novo coronavírus não só afeta a saúde das pessoas, mas também a forma como governos, sociedades e a economia se relacionam. Uma das consequências de curto e médio prazos inevitáveis será uma profunda depressão econômica mundial que envolverá também o Brasil, queira o governo de Jair Bolsonaro ou não.

Resta saber como reagirá este mesmo governo que defende o Estado mínimo, diante de emergências que exigem Estado forte. “Hoje, dane-se o Estado mínimo, você precisa gastar e é preciso errar pelo lado do excesso”, afirma a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington.

Para ela, não é hora de pregar a calma e a serenidade, “o momento é de urgência”, alerta em seu Twitter, ao cobrar decisões rápidas de autoridades diante do quadro inédito pelo qual passam o Brasil e os demais países. Ela tem mobilizado boa parte da comunidade econômica em torno de soluções, propostas e pressão às autoridades, liderando um debate entre as principais cabeças da economia brasileira

A economista Mônica de Bolle afirma que ao invés de tentar acalmar o mercado financeiro, Paulo Guedes deveria estar solucionando os problemas dos milhões de brasileiros que já não têm como se sustentar

Foto: Twitter/ Reprodução

A economista Mônica de Bolle afirma que ao invés de tentar acalmar o mercado financeiro, Paulo Guedes deveria estar solucionando os problemas dos milhões de brasileiros que já não têm como se sustentar

Foto: Twitter/ Reprodução

De Bolle critica a condução do ministro de Economia, o liberal Paulo Guedes, para enfrentar a crise e avalia que ao invés de tentar acalmar o mercado financeiro, o chefe da pasta deveria estar solucionando os problemas dos milhões de brasileiros que já não têm como se sustentar.

Ela vem criticando diariamente em suas redes sociais a postura de negação do presidente Jair Bolsonaro, que tenta minimizar a pandemia e quer afrouxar as regras de quarentena. Esse comportamento, adverte, pode degenerar para uma situação “de absoluta instabilidade social e institucional”.

A economista é categórica, se você não aplicar o isolamento social e deixar a epidemia correr solta, como já vimos em Nova York, onde o sistema de saúde entrou em colapso e a economia degringolou junto “não há como evitar o colapso econômico, ele vem na mesma forma, na verdade vem pior”, explica.

Crise já vinha de antes da pandemia

Alerta semelhante já fazia desde o começo da pandemia o professor titular de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Luis Fiori. Segundo ele, a crise econômica já vinha acontecendo muito antes e independentemente do coronavírus e só tende a se aprofundar por conta da pandemia, da guerra de preços do petróleo e da recessão mundial que deverá ocorrer, piorando ainda mais a situação.

“De forma que hoje, a única dúvida que existe é se o desastre à frente assumirá a forma de uma estagnação prolongada, acompanhada da destruição da indústria e de seu mercado de trabalho, ou a forma pura e simples de um colapso, com a desintegração progressiva da infraestrutura, dos serviços públicos e do próprio tecido social”, questiona.

Fiori: a dúvida é se virá uma estagnação prolongada ou o colapso

Foto: Divulgação

Fiori: a dúvida é se virá uma estagnação prolongada ou o colapso

Foto: Divulgação

Fiori destaca que essa realidade se reflete no crescimento pífio do PIB brasileiro dos últimos três anos e mais ainda no declínio continuado da taxa de investimento da economia, que era de 20,9% em 2013, e que hoje é de 15,4%, a despeito do impeachment de Dilma Rousseff – que ele define como “golpe de Estado” –, da reforma Trabalhista, da reforma da Previdência e das privatizações.

“Ao contrário do prometido, a economia não só não cresceu como aumenta a cada dia a fuga de capitais, que só nos primeiros meses de 2020 já é maior do que em todo o ano de 2019. A esperança depositada nos investidores internacionais também esmaeceu com a notícia de que, em 2019, o Brasil simplesmente desapareceu do Índice Global de Confiança para Investimento Estrangeiro, da consultoria americana Kearney, que indica os 25 países mais atraentes para os investidores internacionais. O mesmo ranking em que o Brasil ocupava a terceira posição nos anos de 2012 e 2013, tendo caído para o 25º em 2018, e do qual foi simplesmente eliminado na hora das grandes reformas ultraliberais de Paulo Guedes que supostamente iriam atrair os grandes investidores internacionais.”

Segundo ele, esse quadro só deve piorar com a nova crise econômica mundial que se anuncia, com o avanço da pandemia do coronavírus e com o início de uma nova guerra de preços na indústria do petróleo. As agências financeiras privadas e os organismos internacionais já estão prevendo uma redução do investimento global na ordem de 15%, e uma queda do PIB mundial na ordem de 1,9%, com a possibilidade de uma recessão mundial no primeiro semestre de 2020, que pode prolongar-se no segundo semestre, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Neste momento, o que domina é o pânico e a incerteza, mas o pior ainda pode estar por vir. Leia artigo de José Luis Fiori e William Nozaki.

Modelos de isolamento colocam capitalismo em xeque

Em meio à pandemia, Bolsonaro e Paulo Guedes arrocham a classe trabalhadora a pretexto de salvar a economia. Mas qual economia?

Foto: Carolina Antunes/ Presidência da República

Em meio à pandemia, Bolsonaro e Paulo Guedes arrocham a classe trabalhadora a pretexto de salvar a economia. Mas qual economia?

Foto: Carolina Antunes/ Presidência da República

Justamente por isso, tanto as medidas de contenção da Covid-19 quanto suas consequências econômicas têm sido alvo de disputa política dentro e fora do governo. Isso ocorre a poucos meses das eleições municipais e a menos de dois anos das eleições gerais.

A maior expressão dessa disputa é a polarização entre defensores do isolamento vertical (Herd Immunity ou imunidade do rebanho) e o isolamento horizontal (Social Distancing ou afastamento social).

O distanciamento vertical foi defendido inicialmente por Donald Trump, nos EUA, e Boris Johnson, na Inglaterra. Ambos cederam ao isolamento horizontal ante as tragédias ocorridas na Espanha e Itália, principalmente, por subestimarem a pandemia e acabarem com seus sistemas de saúde colapsados. O resultado foram milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.

Porém, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro, na contramão da tendência global, segue defendendo o isolamento vertical, apesar das experiências fracassadas no exterior, contrariando todas as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do seu próprio Ministério da Saúde.

Gbinete do ódio: Carlos, Bolsonaro, filho do presidente e vereador do Rio de Janeiro, atua como dublê de ministro informal da propaganda bolsonarista e cosplay tupiniquim de Goebbels

Foto: Twitter/ Reprodução

Gbinete do ódio: Carlos, Bolsonaro, filho do presidente e vereador do Rio de Janeiro, atua como dublê de ministro informal da propaganda bolsonarista e cosplay tupiniquim de Goebbels

Foto: Twitter/ Reprodução

Essa defesa isolada encontra apoio de seguidores mais fanáticos e tem operacionalidade no “escritório do ódio” que funciona próximo ao gabinete do presidente, comandado pelo seu filho Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro, dublê de ministro informal da propaganda bolsonarista e cosplay tupiniquim de Goebbels.

O próprio mentor de Carlos, o estrategista de guerra híbrida Steve Bannon, já abandonou a ideia de confinamento vertical seletivo e defende o afastamento social como melhor medida tanto para a saúde como para a economia pós-pandêmica.

Somada ao constante conflito entre modelos de isolamento, a política econômica do governo adota medidas que além de demoradas na implementação são consideradas ineficazes ou ineficientes.

Entre elas, as medidas provisórias editadas, que em sua maioria desoneram empresas, retirando direitos dos trabalhadores, quando deveriam estar, conforme estudos tanto de setores empresariais, economistas de várias correntes e sindicatos, investindo as reservas do Tesouro Nacional na manutenção de empregos, como defendem as principais centrais sindicais do país.

Segundo dados do Banco Central, existem reservas de R$ 1,5 trilhão. Conforme proposta do Departamento Intersindical de Economia e Estatística (Dieese), uma pequena parte dessa reserva precisa ser convertida em um fundo nacional de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões, que seria suficiente para socorrer empresas que não fazem parte dos serviços essenciais para manter empregos, minimizando os efeitos da crise.

Momento histórico indica mudança

“Vivemos um momento de mudança como a que ocorreu entre as duas grandes guerras do século 20", compara Horta

Foto: Acervo Pessoal

“Vivemos um momento de mudança como a que ocorreu entre as duas grandes guerras do século 20″, compara Horta

Foto: Acervo Pessoal

Para o historiador e especialista em relações internacionais Fernando Horta, o coronavírus mostra que o capitalismo não consegue prever as coisas. O que o capitalismo prevê é o quanto de mais-valia ele vai extrair do trabalhador no próximo ano. Mas ele não tem como prever o resto. E o mundo existe além disso. E quanto ao Ministério do Trabalho, faz muita falta sim. Agora, por exemplo, seria o momento do Ministério do Trabalho estar atuante na busca de soluções e ajudando o planejamento das respostas para compensação aos trabalhadores.

Para Horta, os pronunciamentos e escolhas do presidente Jair Bolsonaro evidenciam a ênfase na “economia” e o pouco caso que faz das vidas que “serão perdidas”.

O historiador garante que o mundo está vivendo um momento histórico do início de uma profunda modificação. Isso se dá porque os modelos políticos e econômicos da forma como são hoje não conseguem suprir minimamente as necessidades das pessoas. Isso teria se “agudizado” com a precariedade estrutural com que o mundo foi pego pela pandemia de Covid-19.

“Vivemos um momento de mudança como a que ocorreu entre as duas grandes guerras do século 20, mas se essas mudanças serão benéficas ou não é difícil de saber”.

Segundo ele, há uma disputa no mundo capitalista ocidental entre os dois modelos Herd Immunity e Social Distancing, mas nenhum dos dois contempla com medidas econômicas as camadas mais pobres da população que, por serem insuficientes, estão mais expostas ao caos social e a situações de “violência extrema”.

Ele destaca que existe uma disputa ideológica pelas alternativas científicas já testadas apresentadas pelas experiências chinesa, sul-coreana e cubana, mesmo elas sendo consideradas modelares pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Basta comparar os hospitais de tijolos na China e as tendas militares dos hospitais de campanha no Brasil”.

Para ele, há uma insuficiência do capitalismo liberal em dar respostas a crises como essa e um medo muito grande do mundo ocidental de que a China se apresente como modelo. Para Horta, os ataques dos filhos de Bolsonaro à China, em conjunto com os pronunciamentos e escolhas do presidente pelo confinamento vertical e seletivo, na contramão da ciência, evidenciando, mesmo que de forma equivocada, a “economia” e fazendo pouco caso das vidas que “serão perdidas”, são claramente ideológicos.

“O que é mais apavorante é que haja tantas pessoas alienadas que ainda apoiam esse tipo de projeto que, em tudo, se assemelha ao pensamento nazista”, sintetiza.

Corte de salários aprofunda recessão

Mônica de Bolle: “O governo está dando um tiro no pé e abrindo caminho para matar empregos e empresas, pois alimentará uma depressão econômica muito pior do que estava sendo prevista”, diz, sobre a MP 936

Foto: Acervo Pessoal/Reprodução Twitter

Mônica de Bolle: “O governo está dando um tiro no pé e abrindo caminho para matar empregos e empresas, pois alimentará uma depressão econômica muito pior do que estava sendo prevista”, diz, sobre a MP 936

Foto: Acervo Pessoal/Reprodução Twitter

No momento em que o governo Jair Bolsonaro, por meio de sua equipe econômica capitaneada por Paulo Guedes, escolheu cortar salários sob alegação de manter empregos, acabou pisando no acelerador da recessão e do aprofundamento da já inevitável depressão mundial decorrente da pandemia do novo coronavírus.

Ao menos é isso que alerta diariamente a economista Monica de Bolle. Desde o começo da pandemia, a partir de sua residência em Washingnton (DC), nos EUA, ela vem usando o Twitter e demais redes sociais e toda a influência política de que dispõe para mobilizar a comunidade econômica brasileira em torno de propostas, de forma a pressionar governo e o Congresso a injetar capital em empresas, trabalhadores formais e informais e como proteger o sistema bancário de forma a atenuar uma crise inevitável.

Egressa das hostes liberais do PSDB, em 2014, ela traduziu para o Brasil o revolucionário O Capital do Século 21, de Thomas Piketty, que denuncia de forma contundente a concentração de riqueza nos bolsos de 1% de famílias ricas do mundo, demonstrando a hereditariedade do capital.

Para De Bolle, por exemplo, a publicação da Medida Provisória nº 936/2020, que permite a redução de salários e de jornada em até 70%, apesar do alegado “socorro ao trabalhador formal”, é um erro. “O governo está dando um tiro no pé e abrindo caminho para matar empregos e empresas, pois alimentará uma depressão econômica muito pior do que estava sendo prevista”.

A MP 936 seguirá o novo rito de tramitação das medidas provisórias definido pelo Congresso Nacional em virtude da situação de calamidade pública que prevê a apreciação do Congresso em até 16 dias a partir do dia 2 de abril, quando começou a vigorar.

A economista prevê uma queda de 6% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, e que o tombo poderá ser maior ainda caso o Congresso não devolva a medida.

Ela explica que a depressão é o pior quadro possível na macroeconomia. “Quando há queda vertiginosa do PIB, a taxa de desemprego dispara. Há um grande número de falências de empresas e a credibilidade do governo e sua capacidade de lidar com o problema logo é posta em dúvida”.

Nos EUA, que a economista acompanha de perto, o estrago que a Covid-19 impôs ao mercado de trabalho já é grande, e segundo ela no Brasil não será diferente. “A taxa de desemprego nos EUA deverá explodir devido à crise, passando de 4,4%, em março, para 14%, em abril. Esse dado de março ainda não pegou os 6,5 milhões de pedidos de auxílio-desemprego no início de abril no mercado norte-americano”, explica.

Os números do desemprego no Brasil chegaram a 11,6%, equivalente a 12,3 milhões de pessoas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O prognóstico é que o desemprego aumente.

Outra questão apontada por Mônica é a judicialização certeira devido ao fato da inconstitucionalidade da proposta apontada por especialistas da área trabalhista. Há várias notas técnicas do Dieese e documentos com sugestões das centrais sindicais nesse sentido.

De Bolle faz críticas abertas a Guedes e diz que o ministro “não é um chicago boy de verdade”, porque, se fosse, não seria tão relutante com o tema da “manutenção da renda mínima para a população”, num momento de crise profunda. A renda mínima, segundo ela, é consenso entre economistas de direita, de centro e de esquerda e foi um conceito criado por Milton Friedman, um dos pais do novo liberalismo. Mônica afirma que a nova medida contém falhas conceituais no que se entende como macroeconomia. Ou seja, a MP 936, além de não ajudar a combater a crise financeira que está sendo formada pela pandemia, vai atrapalhar.

Sem saber como lidar com a crise, governo brasileiro manda a conta para os mais pobres

Foto: Igor Sperotto

Sem saber como lidar com a crise, governo brasileiro manda a conta para os mais pobres

Foto: Igor Sperotto

“Essa MP 936 está cheia de problemas pelo risco que ela propõe à economia. Ela pode ser extremamente danosa para as pessoas e para a economia como um todo, porque vai reduzir a massa salarial da maioria dos trabalhadores formais e criar um ambiente deflacionário e que não vai contribuir para a retomada da atividade”, adverte.

Em um dos muitos vídeos que produziu para seu canal no Youtube, ela explica pedagogicamente: “Sabemos que 70% dos trabalhadores formais afetados pela medida ganham até três salários mínimos (R$ 3,1 mil), que já é uma renda “muito baixa”, devem sofrer uma diminuição nos rendimentos em até 30%.  Um achatamento da massa salarial dessa magnitude pode ter efeitos danosos para a macroeconomia, porque não haverá espaço para uma reação da atividade”, alertou.

Segundo a economista, especialista no estudo de crises financeiras, em uma situação de deflação todos os preços caem de forma generalizada devido à forte retração na demanda porque a massa salarial está sendo comprimida. Fatalmente, o país pode ter uma situação de depressão econômica.

Em resumo, a principal medida do governo para conter a crise, a MP 936, acabará por ter “efeitos perversos” na economia. “Ela confirma o fato de que a equipe econômica, liderada pelo ministro Paulo Guedes, não está sabendo como lidar com essa crise e, muito menos, está preparada. Essa medida é muito grave e mostra o desconhecimento dos dados e como isso vai afetar as pessoas e as empresas de maneira geral”.

PROPOSTA – Para De Bolle, a forma mais justa e correta de se combater o desemprego dessa grande massa de trabalhadores que ganha até três salários mínimos seria garantir um subsídio às empresas para complementar a folha salarial, condicionando à manutenção da folha de salários.

Mônica defende que o Congresso devolva a MP o quanto antes e faça um plano diferente, na direção de projetos que apontam para o que ela vem defendendo como forma de preservar empregos.  “Esse não é o momento de reduzir salários, sobretudo, de pessoas de baixa renda e que recebem salários muito baixos”, afirmou. “É a precarização absoluta do trabalho”, constata.

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