ECONOMIA

O trabalho informal compromete a economia

O economista, professor da Escola Dieese de Ciências do Trabalho e técnico do Dieese, Altair Garcia, avalia os efeitos da informalidade que de acordo com o IBGE atinge mais de 40% dos trabalhadores
Por Gilson Camargo / Publicado em 12 de novembro de 2020
"Países que seguiram o caminho de aumentar o gasto público para ampliar as medidas de proteção social mitigaram os problemas ao invés de fazer esse movimento contracionista da economia"

Foto: Dieese/ Divulgação

“Países que seguiram o caminho de aumentar o gasto público para ampliar as medidas de proteção social mitigaram os problemas ao invés de fazer esse movimento contracionista da economia”

Foto: Dieese/ Divulgação

No Brasil, quatro a cada dez pessoas economicamente ativas trabalham por conta própria, uma proporção que deve se agravar a partir deste ano devido aos efeitos da pandemia em um cenário que já era de redução do trabalho formal. De acordo com o mais recente levantamento, divulgado nesta quinta-feira pelo IBGE, em 2019 a informalidade no mercado de trabalho atingia 41,6% dos trabalhadores, ou 39,3 milhões de pessoas. Quase metade desse contingente (47,4%) é formada por mulheres, negros e pardos, um recorte de gênero e raça peculiar da lógica excludente que caracteriza o mundo do trabalho no Brasil, de acordo com o economista, professor da Escola Dieese de Ciências do Trabalho e técnico do Dieese, Altair Garcia. Nesta entrevista, ele alerta para os impactos dessa informalidade. “O trabalho informal é ruim para todo mundo porque interfere na condição de vida de quem está na informalidade, no padrão civilizatório, no padrão de consumo do trabalhador informal, e produz um efeito em cadeia, além de afetar a produtividade da economia”.

Extra Classe – O IBGE aponta que 41,6% dos trabalhadores estavam na informalidade no ano passado. O que isso representa?
Altair Garcia – A síntese reflete uma característica que é meio padrão do mercado de trabalho no Brasil, sendo que a exceção mais recente nesse mercado de trabalho extremamente desigual, heterogêneo e flexível ocorreu nos governos Lula e Dilma, de 2004 para 2014. Os dados sobre a informalidade de 2019 reforçam as características brutais e nefastas do mercado de trabalho brasileiro e essa desigualdade está muito evidente naquilo que esses dados representam: mulheres, negros, pardos são os que mais sentem o impacto dessa desigualdade no mercado de trabalho. Tanto do ponto de vista quantitativo, ou seja, do número de pessoas que estão expostas à informalidade, quanto sob o aspecto da renda. Isso deve se agravar agora em 2020.

EC – Por que o desemprego e a informalidade vêm crescendo desde antes da pandemia?
Garcia – Os últimos dois governos adotaram uma política econômica que agravou a informalidade, e não fizeram nada para reduzi-la. Pelo contrário, o governo atual está lançando um programa que por um lado tenta mitigar os efeitos da informalidade, criando a “carteira verde e amarela” que rebaixa os direitos. Nós deveríamos estar reduzindo a informalidade a partir do Emprego decente, ampliando direitos e não o contrário. Ao adotar uma regulamentação restritiva para o informal, o governo está, na verdade, reduzindo esse patamar civilizatório. Adota uma espécie de inclusão precária ou o atípico/precário como oficial.

EC – Como essa realidade impacta a economia?
Garcia – A informalidade não é boa somente para as pessoas que querem se inserir no mercado de trabalho. É muito ruim e compromete toda a sociedade e a economia. Essas pessoas não têm, na verdade, acesso ao mercado, porque o seu rendimento é muito baixo, porque não têm cadastro para crédito, conta bancária. Há uma série de aspectos da informalidade que impede essas pessoas de consumirem e criam uma barreira civilizatória. Na verdade, a informalidade é ruim para todo mundo porque ela interfere na condição de vida dessas pessoas, no padrão civilizatório como acesso aos direitos tais como aposentadoria, no padrão de consumo do trabalhador, produz um efeito em cadeia e afeta a produtividade da economia como um todo. Quando olhamos os dados da informalidade, chama atenção que pretos,  pardos e mulheres são os mais atingidos.  Os trabalhadores que atuam no setor agropecuário, comércio, construção civil e atividade doméstica são os mais atingidos. Os empresários quando falam que o Brasil tem uma produtividade muito baixa, eles precisam levar em conta que a informalidade contribui significativamente para a redução da produtividade.

EC – Como reduzir a informalidade?
Garcia – Por conta da pandemia, 2020 deve agravar mais ainda essas características. O governo precisa atuar de modo que inverta essa lógica e não acentue mais algo que tem repercussões graves para a população e para esse segmento que é mais vulnerável. Os dados devem ser analisados a partir dessa perspectiva e à luz das características específicas desse ano de pandemia que na verdade está agravando algo que o Brasil insiste em não atacar do ponto de vista de melhoria da qualidade de vida das pessoas, da inserção, do trabalho digno, de uma condição de emprego decente. Nós poderíamos ter feito outras escolhas lá atrás que agora teriam repercussão na pandemia. As políticas públicas de 2020 e na sequência devem atuar de forma incisiva para mitigar os efeitos sobre essa população mais vulnerável. Como se faz isso? Através de políticas públicas, investimento e gasto público, geração de políticas passivas e ativas de mercado de trabalho.

EC – Por exemplo?
Garcia – Uma dessas políticas seria implementar um programa de renda emergencial, não de forma rebaixada, mas criar um programa efetivo que gere remuneração e inserção no curto prazo. E à medida em que a atividade econômica consiga avançar, implementar programas efetivos de trabalho e renda de forma de modo que a gente consiga sair dessa realidade com menos estragos para para a população mais vulnerável e para a economia. Países que fizeram isso estão colhendo em qualidade de vida da população e resultados positivos para a economia. Não tem mágica, os países que seguiram o caminho de aumentar o gasto público para ampliar as medidas de proteção social mitigaram os problemas ao invés de fazer esse movimento contracionista da economia.

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