ECONOMIA

Movimento sugere ao novo governo medidas de política fiscal para reduzir desigualdades

Instituto Justiça Fiscal promoveu diálogo no mesmo dia em que um grande empresário declarou ter vergonha de um sistema em que pobres pagam mais tributos que os ricos
Por Stela Pastore / Publicado em 8 de novembro de 2022

Foto: Silvia Fernandes/ Divulgação

Justiça fiscal: encontro na Fundação Ecarta reuniu especialistas em tributação e políticas públicas

Foto: Silvia Fernandes/ Divulgação

“Há uma fábrica de desigualdade, de concentração de renda e riqueza porque não usamos o instrumento fiscal para corrigir. Se o Estado usar esse mecanismo, consegue enfrentar esse grande problema”, pontuou o presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF), Dão Real Pereira dos Santos, durante encontro de especialistas em tributação e políticas públicas na segunda-feira, 7, na Fundação Ecarta.

O debate reuniu economistas, auditores fiscais e pesquisadores que apresentaram sugestões para o novo governo na área tributária para corrigir as distorções do sistema fiscal em que os mais ricos pagam muito menos tributos do que os mais pobres.

Justiça fiscal

Duas medidas sugeridas como prioritárias pelos especialistas são acabar com a isenção de impostos sobre lucros e dividendos distribuídos para sócios e acionistas de empresas – medida que vigora desde 1995 e desonera cerca de R$ 512 bilhões de rendimentos ao ano; e implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas, único tributo que consta na Constituição desde 1988 e ainda não foi cobrado, são.

Além disso, eles apontam uma efetiva progressividade nas alíquotas da tabela do IR.

Um documento com as sugestões será encaminhado à equipe de transição nos próximos dias.

Empresário demanda mais impostos

Foto: Instagram/ Reprodução

Zimerman: “pago menos imposto que um operador de caixa da minha empresa”

Foto: Instagram/ Reprodução

O diálogo ocorreu no mesmo dia em que repercutiu a entrevista do dono da Petz, uma das maiores redes de produtos veterinários do país, o empresário Sergio Zimerman, reclamando que empresários como ele pagam poucos impostos no país enquanto seus empregados pagam mais tributos.

“Aqui, quanto mais dinheiro se ganha, menos se paga impostos. Eu pago menos imposto do que um operador de caixa da minha empresa. Isso é uma vergonha. Um país não pode dar certo com essa mentalidade”, disse Zimerman.

O empresário vê na eleição de Lula (PT) uma esperança para reduzir  a desigualdade social “brutal” no Brasil.

“A situação dramática escancarou a realidade e torna urgente um pacto civilizatório em que todos devem colaborar. Temos condições e a possibilidade de reorganizar o país”, completa Dão Real.

 

Pagar impostos é cidadania

O 1% da população mais rica do Brasil detém um quarto da renda nacional (24,7%), e 5% da população detêm quase metade da renda, sendo que boa parte da renda é isenta ou subtributada. “São esses que fazem a desigualdade”, demonstrou o economista do Ipea, Fernando Geiger Silveira,  ao apresentar estudos dos últimos 20 anos.

“Pagar impostos é cidadania. Temos espaço para a tributação direta e há muitos vulneráveis”,  apontou o economista.

Ele defende uma redução na oferta privada e a ampliação da oferta pública de saúde, educação e seguridade para compensar a vulnerabilidade acentuada pela concentração de renda exacerbada pelas distorcidas regras fiscais.

“A tributação sobre o patrimônio e a renda é tão inexpressiva que é uma vergonha nacional; inadmissível que 20% mais ricos paguem  apenas 5% de impostos diretos, enquanto os 20% dos empregados pagam 7%”, evidenciou.

Isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil

O governo eleito propõe corrigir a tabela do Imposto de Renda e colocar em prática a isenção de IR para assalariados que ganham até R$ 5 mil por mês.

A promessa foi feita em 2018 e não cumprida pelo atual presidente Jair Bolsonaro.

Hoje só estão livres do imposto os que recebem até R$ 1.903,98 por mês. O novo patamar de isenção abrange mais de 15 milhões de trabalhadores e contribui para maior equidade fiscal.

Compreensão tributária

Foto: Stela Pastore

Dão Real e Paulo Gil (IJF) e Lúcia Garcia, do Dieese, participaram do encontro

Foto: Stela Pastore

Para a economista e especialista em trabalho do Dieese, Lúcia Garcia, temas tributários precisam ser traduzidos para que a população interfira no processo. “A justiça fiscal tem papel estrutural e isso precisa ser compreendido”, resume.

No mundo do trabalho, a pesquisadora alerta que é preciso conectar a discussão da desigualdade com a transformação social mais profunda. “Há novos padrões de uso e intensidade de trabalho e tecnologia que precisam ser compreendidos. Estamos vendo apenas a superfície”, pondera.

Para a técnica do Dieese e ativista, o cenário com o novo governo é alentador, mas exige cautela. Lúcia afirma que há muito trabalho a ser feito fora do governo para vislumbrar resultados a médio e longo prazo. “Disputar o Estado é parte da organização social”, completou.

Interesses corporativos Justiça fiscal

Em formato híbrido, a atividade contou com várias colaborações on-line.

O Brasil é o único país do mundo em que metade dos membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) são da iniciativa privada, evidenciou o pesquisador Ricardo Silveira.

“Há mais de R$ 1 trilhão de estoque no contencioso fiscal federal que acaba, muitas vezes, não sendo recolhido aos cofres públicos”, registrou Silveira.

O capital tem seus representantes no parlamento, consultorias especializadas para driblar a tributação entre outros mecanismos que acentuam as distorções que reduzem a receita justa de impostos.

“Qualquer proposta de reforma tributária sempre representa interessessetoriais e de classe, que precisam ser identificados. O desafio do setor popular é definir prioridades em mudanças estruturais do centradas na ampliação da tributação da renda e da riqueza dos mais ricos”, completou o diretor do IJF, Paulo Gil.

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