ECONOMIA

Entenda o que está em jogo na briga entre Lula e o Banco Central “independente”

Mais do que uma troca de farpas, embate público entre os presidentes da República e do Banco Central mostra que a independência do órgão pode beneficiar uns em detrimento de muitos
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 8 de fevereiro de 2023

Foto: Ricardo Stuckert/ PR

Para o presidente Lula, altas taxas de juros do país são responsabilidade do Banco Central independente que atende a interesses restritos: “o governo tem direito de estabelecer sua política econômica”

Foto: Ricardo Stuckert/ PR

A manutenção da taxa Selic em 13,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do Banco Central (BC) que define a taxa básica de juros no país, deu o sinal para o primeiro embate entre o governo Lula (PT) e o Banco Central que se tornou independente por proposição da equipe econômica do governo anterior, comandada por Paulo Guedes.

Se antes mesmo de assumir a presidência e nos primeiros dias de seu governo o petista acenava com a importância de uma colaboração, o clima agora é de forte crítica e desconfiança.

Não é para menos. Com um discurso claro de que pretende criar condições para o país crescer e gerar mais empregos, o presidente entende que o BC manter o Brasil no patamar do juro real mais alto do mundo caminha em direção oposta.

Comandado por Roberto Campos Neto, neto do primeiro ministro do Planejamento da Ditadura Militar, o economista Roberto Campos, a cúpula do BC é composta atualmente por mais oito diretores.

Desses, quatro foram indicados por Jair Bolsonaro (PL) e tiveram carreira no setor privado, em bancos, financeiras e gestoras de investimentos.

É esse seleto grupo que define a taxa básica de juros no Brasil. Em caso de empate nas discussões, o voto de minerva é de Campos Neto.

Campos Neto X Meirelles

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O economista Campos Neto, à frente da cúpula do BC, detém o voto minerva sobre os juros no país

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Se de um lado há os que apontam que Lula em seus dois primeiros mandatos chegou a ter uma Selic máxima de 26,5% e mínima de 16%, o período atenua a suposta contradição.

A história lembra que, na ocasião, o mandatário já teria assumido com uma taxa muito elevada e a trouxe para patamares menores em seu primeiro ano no Planalto.

Também, ao contrário dos dias atuais que apresentam um cenário de grande desaceleração da economia, o BC, à época presidido por Henrique Meirelles, teve que utilizar taxas elevadas para controlar uma inflação que vinha se acentuando.

Meirelles, aliás, tem sido frequentemente citado pelo presidente.

Lula afirma que Meirelles, indicado como presidente de um BC que ainda não gozava da alardeada independência, não era menos independente do que Roberto Campos Neto é hoje.

Estímulo ao rentismo independente

Foto: Pedro França/Agência Senado

Para o economista Marcio Pochmann, Selic a 13,75% é a taxa de juros mais alta do mundo

Foto: Pedro França/Agência Senado

Para o economista, pesquisador e professor universitário Marcio Pochmann, uma Selic anual de 13,75%, descontada a inflação acumulada em 12 meses de 5,79% – de fato – é a taxa real de juros mais alta do mundo. Fica em 7,52% ao ano.

Do alto da experiência de quem já presidiu o Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea), Pochmann vê uma contribuição do BC para se estimular o rentismo, aplicações financeiras, em detrimento ao crescimento econômico do país via setores produtivos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Fazenda no governo Sarney (MDB), e da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entende que a Selic poderia ser baixada entre 4% e 5%.

Mesmo assim, caindo de 13,75% para 8% ou 9%, advoga Bresser-Pereira, o Brasil ficaria com juros positivos de 2% a 3%, algo que ainda seria muito atrativo para o capital especulativo.

Isso, explica, se daria porque na Europa e nos Estados Unidos os juros são negativos.

Sabotagem?

Diante de casos como a Alemanha, que teve nos últimos 12 meses uma inflação de 10% e pratica uma política de juros de 2,5%; da Inglaterra, com 11,1% de inflação e juros de 3,5% e da inflação de 6,5% nos Estados Unidos, que praticam uma taxa de juros de 4,25%, não faltam especulações de uma possível tentativa de sabotagem ao governo petista.

Ainda mais se levando em conta que Campos Neto até recentemente integrava um grupo de WhatsApp intitulado “Ministros Bolsonaro”, conforme flagrou a fotojornalista da Folha de São Paulo, Gabriela Biló, que registrou o celular do presidente do BC aberto justamente em uma conversa do grupo em janeiro passado.

Afinal, o que justificaria uma taxa de 13,75% em um país que teve uma inflação de 5,79% registrada nos últimos 12 meses?

Fonte próxima da equipe econômica de Lula que pediu ao Extra Classe para não se identificar deixa claro que há um mal-estar no ar.

Segundo ela, apesar do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter dito que, após os “números crus” considerou a última ata do Copom “amigável”, a equipe de ponta do ministério não vê um comportamento correto de Campos Neto, que estaria adotando práticas consideradas como não colaborativas e até desleais.

Da parte do BC, aliados de Campos Neto dizem que Lula estaria tentando achar um bode expiatório para um eventual fracasso em sua política econômica, uma vez que, agora, o BC não se subordina mais à presidência da República.

Na guerra de versões, uma coisa é certa: após quatro anos de pouco diálogo com setores industriais, as montadoras de veículos se alinharam ao Executivo e já pedem taxas de juros menores.

Em janeiro, a Anfavea apontou como principal entrave às vendas de veículos zero quilômetro no país a falta de crédito, motivada pelos juros altos.

O aumento de tom de Lula certamente ecoará nesses setores e promete uma queda de braço que recém está começando e que pode se refletir no aquecimento ou não do consumo a prazo no país.ndente, independente

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